Guerra mundial: Terrivel desigualdade no mundo e injustiça social
Escrito por Renan Vega Cantor
Nos últimos trinta anos, dominados pela expansão mundial do capital, tem aumentado a desigualdade a tal ponto que no recente Forum de Davos (Suiça), onde se reúnem os setores mais poderosos e multimilionários do mundo (que poderiam ser chamados de os "40 ladrões") ouviram-se gritos de alarme, naturalmente demagógicos, sobre as implicações negativas que representam para o futuro imediato do capitalismo o aumento da desigualdade em todo o mundo. Para além dessa retórica oportunista é importante indagar sobre a origem e as consequências da desigualdade no mundo de hoje.
Algumas cifras
A ONG OXFAM (http://www.oxfamintermon.org/es)
publicou o documento intitulado Governar para as
elites. Sequestro democrático e desigualdade econômica, que foi publicado em 20 de janeiro de 2014 por ocasião do Fórum anual de
Davos. Nele estão atualizados alguns dados sobre a desigualdade do mundo, entre
os quais se pode mencionar os mais importantes:
· A riqueza mundial
está dividida em dois setores: a metade está em mãos do 1% mais rico da
população, e a outra metade é repartida entre os 99% restantes;
· As 85 pessoas mais
ricas do planeta possuem o equivalente aos recursos econômicos dos três bilhões
e quinhentos e setenta milhões de habitantes mais pobres (a metade da população
do planeta);
· Nos Estados Unidos,
o 1 por cento mais rico açambarcou 95 por cento do crescimento posterior à
crise de 2008, como apontam os salários dos altos executivos e os lucros
empresariais;
· no mundo existem
1.426 multimilionários, cada um deles com uma fortuna superior a US$ 1 bilhão.
· a riqueza das dez
pessoas mais ricos da Europa equivale a 217 bilhões de euros e supera a
"ajuda total" que esse continente concede ao mundo pobre;
· a riqueza do 1%
mais rico do mundo é de US$ 110 bilhões, uma cifra 65 vezes maior do que o
total da riqueza que chega à metade mais pobre da população mundial;
· sete de cada dez
pessoas vivem em países onde a desigualdade econômica aumentou nos últimos 30
anos;
· o 1% mais rico da
população teve aumentada sua participação na renda entre 1980 e 2012 em 24 dos
26 países dos quais se têm dados;
· nos Estados Unidos,
o 1% mais rico acumulou 95% do crescimento total posterior à crise desde 2009,
enquanto que os 90% mais pobres da população cada dia são mais pobres.
Com uma linguagem subliminar a
organização OXFAM conclui: "As elites
mundiais são cada vez mais ricas e, no entanto, a maior parte da população
mundial se viu excluída desta prosperidade". Uma linguagem
emaranhada para não dizer de forma direta que a riqueza e a pobreza estão
relacionadas, que uma minoria insignificante em nível mundial e em cada país
açambarca a maior quantidade de riquezas e vive em meio ao desperdício e
opulência, enquanto a maior parte da população afunda na miséria e suas
carências, bem como a exploração que sofrem são a base da riqueza de uns
poucos.
As causas
O assunto não descança em proporcionar cifras sobre a terrível desigualdade social e econômica do mundo; embora sejam uma base empírica indispensável, mas sim explica porque as coisas são assim. Naturalmente, se não aceitamos que isso é uma fatalidade divina, ou que existem pobres e ricos porque uns são exitosos e outros perdedores (como nos dizem os neoliberais), devemos recorrer a uma explicação racional, ou seja, que está relacionado com o capitalismo e com a luta de classes.
As causas
O assunto não descança em proporcionar cifras sobre a terrível desigualdade social e econômica do mundo; embora sejam uma base empírica indispensável, mas sim explica porque as coisas são assim. Naturalmente, se não aceitamos que isso é uma fatalidade divina, ou que existem pobres e ricos porque uns são exitosos e outros perdedores (como nos dizem os neoliberais), devemos recorrer a uma explicação racional, ou seja, que está relacionado com o capitalismo e com a luta de classes.
Com efeito, durante os últimos quarenta anos o capitalismo se
reestruturou para fazer frente à sua crise de
acumulação, que arrebentou com força em 1973, e como parte desse projeto de
recomposição deu-se à tarefa de destruir as conquistas históricas dos
trabalhadores e da população pobre do mundo. Como parte dessa ofensiva do
capital, os trabalhadores foram desorganizados com o objetivo de baratear o
valor de sua força de trabalho e generalizar a precarização laboral. Esse
ataque de classe foi batizado com o elegante apelativo de neoliberalismo.
Depois de várias décadas, é necessário reconhecer que o capitalismo conseguiu
uma indiscutível dominação e hegemonia em nível mundial, ou como disse um de
seus porta-vozes, Warren Buffet, em uma sincera afirmação que se tornou
célebre: "Existe luta de classe, de acordo, mas é minha classe, a dos
ricos, que a declarou e estamos ganhando".
Esta luta de classes de cima a baixo recorre aos mais diversos métodos
para impor os interesses do capital e explica em grande medida a mutação social
que experimentou o mundo desde a década de 1970 e cujos indicadores são
indiscutíveis em termos do aumento da desigualdade, do aumento escandaloso da
riqueza em um punhado de capitalistas e especuladores, e do aumento correlativo
da pobreza na maioria da população mundial; da perda de
direitos reais, principalmente no
terreno laboral e social; da privatização e mercantilização de tudo o que
existe, com as consequências de diferenciação social que se tornou geral dentro
dos países e em escala mundial.
O poder de um reduzido grupo sobre a
maior parte da população foi conseguido com uma violência incrível e, para
preservá-lo, esse minoritário setor necessita a cada dia de mais violência e
controle, o que, por sua vez, vai gerar uma resistência crescente, que mantêm
aterrorizados os capitalistas pelas explosões sociais que terão que enfrentar.
O melhor exemplo disto é oferecido pelos Estados Unidos nas últimas décadas,
quando a um tempo aumentaram os ganhos dos 10% da população e aumentou o número
de pobres e, de forma proporcional, a quantidade de pobres que se encontram na
prisão ou são perseguidos pelo sistema judicial.
Nesta luta de classes universal do capital contra o trabalho, das classes dominantes contra as classes subalternas, absolutamente tudo foi afetado, não deixando pedra sobre pedra: o trabalho, as liberdades, os direitos, a natureza, a cultura, a subjetividade, o Estado e a nação, o campo e a cidade. O resulltado final tem sido a reestruturação do mundo do trabalho e a atomização dos trabalhadores.
Nesta luta de classes universal do capital contra o trabalho, das classes dominantes contra as classes subalternas, absolutamente tudo foi afetado, não deixando pedra sobre pedra: o trabalho, as liberdades, os direitos, a natureza, a cultura, a subjetividade, o Estado e a nação, o campo e a cidade. O resulltado final tem sido a reestruturação do mundo do trabalho e a atomização dos trabalhadores.
Efeitos
A desigualdade e a injustiça atingiram tal magnitude que até os próprios
capitalistas estão assustados com sua obra criminosa, não porque tenham
se arrependido do que têm feito, mas sim porque vêem como se reduzem as
possibiliades de reproduçao do sistema, pela diminuição do poder aquisitivo de
um importante setor da população. Isso foi natado no último Fórum de Davo, onde
alguns chegaram a utilizar uma linguagem que parece retomada dos críticos mais
radicais do capitalismo, ao dizerem que a disparidade na renda se transforma na
condição das agitações sociais que vão explodir nos próximos anos. Nesse Fórum
se advertiu que a geração atual não tem futuro porque os jovens carecem de
emprego e não têm perspectivas de remediar sua difícill condição vital, com isso
aumentando sua frustração acumulada. Uma situação explosiva que poderia
originar agitações sociais, como se têm visto há pouco no Brasil e na
Tailândia. Inclusive, um porta-voz do capitalismo chamado David Cole, que
participou do informe Riscos Globais 2014 destacou: "Sou um grande partidário do capitalismo, mas há
momentos no tempo em que o capitalismo pode ir a toda velocidade e é importante
ter medidas estabelecidas, quer sejam regulatórias, governamentais ou
tributárias, que assegurem que possamos evitar escessos em termos de rendas e
de distribuição da riqueza." Ou que o informe de OXFAM destaque:
"Esta massiva concentração dos recursos econômicos em mãos de uns
poucos supõe uma grande ameaça para os sistemas políticos e econômicos
inclusivos. O poder econômico e político está separando cada vez mais as
pessoas, ao invés de fazer com que avancem juntas, de modo que é inevitável que
se intensifiquem as tensões sociais e aumente o risco de ruptura social".
Se as coisas são desta ordem, segundo
os capitalistas, isto indica que se está transformando em realidade o que
vaticinaram há algum tempo dois economistas críticos dos Estados Unidos,
Shimshom Bichler e Jonathan Nitzan, quando advertiram: "O problema com o
qual os capitalistas se enfrentam na atualidade [...] não é que seu poder tenha
se enfraquecio, mas ao contrário, que tenha aumentado. E não só tem aumentado e
aumentado tanto que pode está se aproximando sua queda. E como os capitalistas
não olham para trás, mas sim para a frente rumo ao futuro, têm boas razões para
temerem que, de agora em diante, a trajetória mais provável deste poder não
será para cima, mas para baixo".
Nas atuais circunstâncias de perdas
de direitos, de aumento da exploração, de expropriação generalizada dos bens
comuns, é indispensável um movimento dos trabalhadores e das classes
subalternas, o que requer que sejam desmontados vários mitos: que todos somos essencialmente classe média, algo que desmentem as cifas
de desigualdae, que se volte a retomar a linguagm anticapitalista de luta de
classes e de igualdade (uma palavra que tem sido apagada do imaginário da
humanidade), e que se abandone o preconceito de que a espantosa desigualdade
não é um problema social, mas sim de falhas dos indivíduos.
Entre outras coisas, a importância central da luta de classes é demonstrada com seu não reconhecimento como problema real no capitalismo contemporâneo, quando se considera que o multiculturalismo que se implantou em quase todo o mundo tem conseguido que se estabeleçam como diferenças com reconhecimento constitucional os problemas de etnia, gênero ou orientação sexual, e conseguiu que se sejam criminalizados como delitos as discriminações deste tipo, e é por isso que se fala de racismo, sexismo, homofobia e coisas do tipo. No entanto, na prática se admite como perfeitamente normal o classismo (um termo que soa estranho porque nunca se usa). Em outras palavras, enquanto que como parte da linguagem politicamente correta de tipo multicultural se condene, inclusive com castigo penal, a discriminação racial ou de gênero, a de classe se assume como algo normal, não importando que os capitalistas e multinacionais esmaguem os trabalhadores e os culpem por sua própria condição de pobres e por sua incapacidade para atingir o bando dos triunfadores. Ou que na televisão se destile o mais vulgar dos classismos quando são exaltados diariamente os fabulosos ganhos de estrelas da televisão ou do esporte e os costumes ostentosos dos multimilionários, sem que isso seja considerado como uma apologia do crime, o que verdadeiramente é.