As FARC-EP estão propondo ou demonstrando disposição em dar um passo à legalidade, caso sejam produzidas mudanças?
Escrito
por Foro Permanente 1. Publicado em Debate
Entrevista
concedida por Iván Márquez pela Delegação de Paz das FARC
Hoje
começou o segundo dia deste novo ciclo de conversações. O
comandante Iván Márquez apresentou o andamento da terceira das dez
propostas mínimas de participação política para a democratização
real, a paz com justiça social e a reconciliação nacional. Esta
terceira proposta se refere às garantias plenas para as organizações
guerrilheiras em rebelião e seus combatentes para o exercício da
política no caso de um acordo final. As mudanças institucionais
para a participação política, a criação de uma jurisdição
especial de paz, as garantias necessárias para a formação do
movimento político resultante da passagem das FARC-EP à atividade
política legal, o acesso especial aos meios de comunicação, as
garantias plenas de segurança e outras formas de participação
política e social foram alguns dos temas tratados dentro da
proposta.
A imprensa
não perguntou sobre a apresentação feita e sim sobre diferentes
temas. Indagaram sobre uma reunião entre o Presidente Mujica, do
Uruguai, e a delegação de paz das FARC-EP, além de outras
perguntas sobre a suposta recuperação de terras que estavam nas
mãos das FARC. Tais aspectos foram abordados nos bastidores pelo
Comandante Iván Márquez. A esse respeito, as declarações foram as
seguintes:
P/Na manhã
de hoje, a imprensa colombiana lançou algumas perguntas sobre a
realização de uma reunião entre o presidente do Uruguai, o
presidente Mujica, e a Delegação de paz das FARC-EP. Você poderia
dizer se ocorreu ou não esta reunião?
R/Iván
Márquez: Ontem nos inteiramos, através de notícias oriundas do sul
do continente, desta reunião realizada em Havana com o Presidente
José Mujica. O Presidente Mujica é um homem de paz que, inclusive,
conversou com o papa Francisco, pedindo que este intercedesse pela
paz na Colômbia. Nós queremos ter o respaldo de todos os
presidentes, de todos os governos e povos de toda nossa América,
para este processo de paz que, sem dúvida, se reverterá em
tranquilidade para as regiões, em paz e tranquilidade para todos.
P/Abordando
um assunto diferente, a imprensa perguntou sobre uma suposta
recuperação de terras que estavam nas mãos das FARC e que
pertenciam aos camponeses. O que pode falar sobre esta questão?
R/É
necessário explicar que a pergunta era uma cortina muito densa,
feita apenas para esconder o despojo de terras por parte do
terrorismo de Estado nas Planícies Orientais da Colômbia, o que
pode ser confirmado com dois exemplos incontestáveis. As terras, os
milhares de hectares de terras entregues pelo narco-paramilitar dom
Berna, tanto nas planícies como no Caquetá, para que fossem
entregues aos camponeses despojados, até os dias de hoje não
chegaram às mãos dos camponeses pobres. Agora, somos surpreendidos
por decisões judiciais, mas fraudulentas, onde as terras terminaram
nas mãos de transnacionais como Cargill dos EUA, como Rio Paila,
forte setor financeiro dos homens mais ricos do mundo, a fazenda do
senhor Luis Carlos Sarmiento Ângulo. Então, consideramos uma grande
injustiça, pois estas terras devolutas que deveriam ser entregues ao
usufruto dos camponeses pobres e sem terra, são entregues aos
poderosos da agroindústria, constituindo-se, assim, uma grande
injustiça e, sobretudo, uma incoerência com o que temos defendido
aqui em Havana, acerca da necessidade de resolver o problema da terra
na Colômbia e, principalmente, da concentração da propriedade. É
um tema que consideramos ser necessário abordar para poder resolver
o cerne deste conflito, que é a causa desta confrontação, desta
desigualdade, não só no campo, mas em todo país.
P/Você
apresentou o andamento da terceira das dez propostas mínimas que
estão na Mesa de Havana, referentes à participação política.
Quais aspectos poderiam ser destacados como fundamentais desta
terceira propostas?
R/ Existe
um conjunto de propostas que são cruciais, decisivas, para gerar o
meio, o ambiente propício para a conversão das FARC em movimento
político legal, caso o acordo prospere, dando esse salto que deve
ser dado, se realmente esta mesa de diálogos chegar a um consenso
que leve ao término do conflito. O tema se refere fundamentalmente
às garantias políticas para a participação dos movimentos
insurgentes na política aberta, mas também para os movimentos
sociais. Não estamos reclamando garantias para a guerrilha, mas para
o conjunto da sociedade, permitindo uma participação
verdadeiramente importante dos cidadãos nas decisões acerca dos
projetos políticos relacionados ao seu futuro. Acima de tudo, que se
permita abrir as portas da Colômbia para uma democracia real, onde
se possa debater sem nenhum temor, que seja garantido a todos o
direito à opção política e que realmente se leve em conta o povo
como principal ator, que para nós é soberano e é quem pode decidir
as principais políticas deste país.
P/Então
seria correto interpretar que vocês estão propondo ou expressando a
disposição em dar um passo à legalidade, caso sejam produzidas as
mudanças?
R/ O
correto é que acordemos as transformações sociais, econômicas e
políticas profundas que necessitam o país, porém não como um
pacote de promessas que apenas possuem como garantia de execução a
palavra do governo. Dessa maneira, isto não teria sentido, pois se
vamos dar um passo para a legalidade, as mudanças devem ser
tangíveis, devem motivar o salto para a política aberta. A entrada
para um cenário deste tipo deve contar com o portal de uma
democracia verdadeira. Ao menos devem ter suas bases mais sólidas
fincadas e isso implica transformações estruturais fundamentais e a
concretização de pontos essenciais, como o da reforma agrária, por
exemplo, ou o das garantias de respeito ao protesto social, para que
não permaneça o que vem ocorrendo, com a população e os
camponeses do Catatumbo sendo tratados à bala. Enfim, deve-se
começar a resolver, de forma séria, as causas políticas,
econômicas e sociais que geram a confrontação. Nesse marco, nesse
cenário, as coisas teriam que fluir sem nenhum contratempo, sem
nenhum obstáculo. Nós não caminhamos com simples promessas.
Tradução:
Partido Comunista Brasileiro (PCB)