UM MARCO JURÍDICO FORA DE CONTEXTO [Segunda reflexão}
Havana,
Cuba, sede dos diálogos de paz, 20 de agosto de 2013
UM
MARCO JURÍDICO FORA DE CONTEXTO
[Segunda
Reflexão]
O
ponto 5 do Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a
Construção da uma Paz Estável e Duradoura, firmado em 26 de agosto
de 2012 pelo governo da República da Colômbia e as FARC-EP, obriga
as partes a aproximar o tema das vítimas do conflito interno e a
estudar as formas de ressarci-las.
Para
isso, indica a necessidade de estabelecer seus direitos e a obrigação
de conhecer ou averiguar a verdade do acontecido durante tantos anos
de luta social armada.
Do
que se trata, então, é de abrir na mesa das conversações de
Havana o capítulo que permitirá estabelecer a verdade histórica
que conduziu a mais de sessenta anos de dessangramento nacional, a
identificação das vítimas e a sua necessária reparação.
Tudo
com o ânimo de ressaltar a necessidade de que o ressarcimento inclua
a obrigação para as partes, do perdão coletivo, a efeitos de que,
uma vez alcançada a paz definitiva – ao chegar-se a ela -, nos
obriguemos todos a um “nunca mais”.
As
FARC-EP são conscientes de que até o momento não há vencedores
nem vencidos e que a luta continua.
Não
de outra maneira se pode interpretar a obsessão do senhor Presidente
Santos em não aceitar a trégua bilateral que, desde nossas
fileiras, lhe temos proposto com generosidade e patriotismo. São
testemunhas deste último o país inteiro e os representantes dos
países amigos do processo que lhe fazem às conversações desde há
mais de dois anos.
Não
obstante isso, estamos prontos a ir preparando o caminho que conduza
à manifestação de nosso sentimento de pesar pelo que tem
acontecido.
Com
efeito, e não é outra a realidade, somos uma das partes do
conflito.
Nossas
guerrilheiras e nossos guerrilheiros, nossas famílias, os setores
sociais que, desde os inícios da contenda, temos defendido com
lealdade e decisão, fomos e continuamos sendo vítimas de dolorosos,
impiedosos e sangrentos episódios provocados por forças
governamentais e paragovernamentais – oficiais e paraoficiais –
erguidas com dinheiros do Estado e dinheiros privados; tudo e mais
com a colaboração proveniente desde privilegiados, exclusivos e
excludentes setores da sociedade que a mancheias têm promovido,
financiado e aplaudido a ação aberrante e atroz de forças
paramilitares.
É
que nas zonas urbanas de altos estratos não se tem em conta, nem se
padeceu o rugir das motosserras ensanguentadas, nem o fedor de carne
humana fritada em fornos crematórios, nem a visão de cadáveres
desmembrados baixando pelos caudais de quase todos os rios da pátria.
Sem
dúvida, também houve crueldade e dor provocados desde nossas
fileiras. O inimigo nunca foi nem tem sido fácil; não se sujeitou a
normas de combate. Foi ajudado, treinado e financiado por forças
forâneas que nunca tiveram uma visão do país nacional nosso; nunca
conheceram as angústias dos habitantes de nossas zonas tomadas pela
pobreza, a injustiça, o desamparo e a repressão. Confundiram a
pátria com sua guerra fria e criaram e auspiciaram forças
desalmadas, sob o pretexto de buscar ao inimigo interno que ameaçava
seus privilégios de classe.
Assim,
e tudo, devemos reconhecer a necessidade de aproximar o tema de
vítimas, sua identificação e sua reparação com total lealdade à
causa da paz e da reconciliação.
É
por isso que propusemos aos senhores do governo que integram a mesa
de diálogo que se proceda, de imediato, a integração de uma
comissão composta por expertos nacionais e estrangeiros em prol da
investigação da história, para que se estabeleça a verdade do
acontecido durante a violência partidarista, a origem da atual
contenda como resultado do referido enfrentamento fratricida, o
porque do surgimento das guerrilhas e o desencadeamento desde então
do conflito social armado interno, que só até em data recente veio
a ser reconhecido pelo Estado a fim de permitir a aplicação do
Direito Internacional Humanitário.
Essa
comissão, na nossa opinião, deve ser integrada imediatamente.
Já
o governo nacional, pela boca do senhor Presidente Santos,
reconheceu, ante os juízes da Corte Constitucional, a
responsabilidade do Estado pela ação e omissão na contenda, e
também sua responsabilidade causal de milhares de vítimas, tal como
se desprende do recente informe do Centro Nacional de Memória
Histórica intitulado Basta
já! Colômbia: Memórias de guerra e dignidade.
Bem
se tem dito que a mencionada Memória, se certamente está
bem-intencionada, ficou curta.
Que
a data estabelecida como ponto de partida da investigação é
voluntariosa e que, por isso, não permite incluir autores, nem
causas, nem explicações colocando-a assim por fora do real e
necessário contexto. A Comissão proposta poderia aperfeiçoar os
trabalhos adiantados até o momento esgotando a investigação, o
estudo e a análise do acontecido. É assim como se consegue
estabelecer a verdade e assinalar responsabilidades.
Seja
esta a oportunidade para convidar o país inteiro a um dia de
reflexão e contrição. Que todos os responsáveis pelo conflito
social e armado marquem presença massiva em todos os rincões da
pátria dolorida.
Um
dia para que se expressem os partidos tradicionais e aqueles que se
desprenderam destes como responsáveis que são: o Estado, encabeçado
pelo senhor Presidente e seus ministros, fazendo eco do manifestado
pelo doutor Juan Manuel Santos ante a Corte Constitucional; os chefes
da força pública; os paramilitares, desde as localidades em que se
encontrem; os chefes dos demais órgãos constituídos; os que foram
as comandâncias de forças insurgentes hoje afastados; os
ex-presidentes, as potências estrangeiras que apoiaram os governos
na guerra contra o povo, os ex-comandantes de forças, e a igreja do
regime, que o é do regime, por não ter construído durante todos
estes anos passados um verdadeiro púlpito de reconciliação e de
paz.
No
dia em que, para os fins propostos, nossos guerrilheiros e
guerrilheiras se estarão manifestando de igual maneira desde todos
os rincões da Pátria dolorida.
Aproveitamos
para convidar, novamente e de maneira pública, o governo nacional a
que subscreva um acordo especial de regulação do conflito enquanto
se acata nossa proposta de trégua bilateral de fogos.
Delegação
de paz das FARC-EP