"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Colômbia arde e Santos “dando papaia” em Macondo



Em Macondo não passou nada, nem está passando nem passará nunca. Este é um povoado feliz”. Tal é a resposta que, na obra-mestra de Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, os militares dão aos familiares das três mil vítimas do massacre de Macondo.

Esta obstinação macondiana em negar o evidente ecoa na atitude do presidente Santos quando, recentemente, dizia que não havia paralisação agrária na Colômbia. Por que, então, os milhares de soldados e policiais espalhados ao longo do território nacional? Por simples esporte? Sua atitude me recordava um personagem sinistro que há alguns anos andava pela vida dizendo que na Colômbia não havia conflito armado e, no entanto, militarizou o país, aumentou em níveis incalculáveis o gasto militar e triplicou o pé de força do exército. Santos reconhece o conflito armado, porém ignora o conflito social, um conflito muito mais extenso, subterrâneo, talvez menos visível, porém o qual é a vertente que nutre e rega o conflito armado.

Não há tal paralisação, disse Santos... É uma invenção de centenas de milhares de pessoas. Porém, então, por que depois se foi para Tunja a tentar desativar uma paralisação que não existe? Ante o ridículo destas declarações [evidenciado pelos rios humanos que se viraram a demonstrar-lhe, com caçarolaços, que existem, sim, e que merecem respeito], deu para trás dizendo, torpemente, que sua frasezinha havia sido um “papayazo”. Isso, não mais, um papayazo.[1]

Santos vive no país de Macondo, com uma cenoura pequena numa mão e um enorme porrete na outra. Com a pequena cenoura, trata de cooptar a setores do movimento de protesto ou de silenciá-los momentaneamente com promessas espúrias que não cumprirá. Com o porrete, machuca e assassina aos manifestantes no resto do país. Aqui não passa nada, diz. Porém passa, ainda que lhe doa.

O pano de amostra da profundidade do mal-estar na Colômbia é a situação de Boyacá, região tradicionalmente conservadora, descrita num artigo da revista Semana como “um dos estados mais pacíficos e tranquilos do país”[2], cujos campesinos, como ironicamente nos relembra Alfredo Molano, “não saíam para lutar desde a batalha do Pantano de Vargas”[3]. Aí, o ESMAD tem se comportado como um verdadeiro exército de ocupação, como o denuncia o informe preliminar da Comissão de Verificação de Direitos Humanos que esteve nesse estado verificando os desmandos da força – mal chamada – pública[4]. Neste informe se denunciam agressões físicas e tortura a campesinos e menores de idade, abusos sexuais, uso indiscriminado de gases, ataques com armas de fogo, explosivos e armas brancas, detenções massivas e arbitrárias, acusações e perseguição aos líderes da paralisação, utilização de helicópteros, uso de ambulâncias para transportar membros do ESMAD, assim como a destruição da propriedade dos campesinos, invasão a seus lares e roubo de seu dinheiro e alimentos[5]. Parece como se, literalmente, estivéssemos ante hordas de hunos em épocas da decadência do Império Romano. Esta classe de comportamento violento e violador se dá à vista e paciência de todo o mundo, enquanto Santos [com a ajuda de seus amigos em Europa e EUA] grita aos quatro ventos os “progressos” na Colômbia em matéria de direitos humanos. E depois se surpreendem que na Colômbia haja guerrilha...

O relato do campesino José Henry Pineda, de Tibasosa, Boyacá, cuja tortura em mãos do ESMAD foi filmada e circulada amplamente por internet, é um exemplo claro do que se denuncia no mencionado informe preliminar. “Até me ajoelhei para que não me pegassem. Eles são muito selvagens. Não se dão conta de que a pessoa é humana”, afirma. Ademais, denuncia que os policiais lhe roubaram dez milhões de pesos: “Me disseram que se os denunciasse iam me matar. Estou assustado por isso”[6]. Porém, a utilização de métodos terroristas por parte do Estado não está impedindo que o povo saia a protestar, como dizia Molano, porque os campesinos estão “cansados dos protestos pacíficos, das listas de petição, das respeitosas solicitações zombadas”.
 
Que o campesinato esteja tão irado não é casual: estão arruinados graças aos Tratados de Livre Comércio [TLCs], nos quais os governos de Uribe e Santos gastaram milhares de milhões pagando lobistas, negociadores, opinantes, financiando caras viagens para lamber botas em Europa e Estados Unidos, e em propaganda com a qual saturaram toda a mídia oferecendo “prosperidade para todos”. Quem foram os beneficiados com estes acordos? Os negociadores que venderam o país e arrancaram sua fatia, porém, sobretudo, os capitalistas europeus e norte-americanos. Não é exagerado que o arcebispo de Tunja, Mons. Luis Augusto Castro, chamasse a estes acordos “uma traição à pátria”, se por pátria entendemos o povo[7]. Num ano de implementação do TLC com os EUA, a importação de alimentos desse país para Colômbia aumentou em 81%; fiando mais fino, as importações de arroz cresceram em incríveis 2.000% [de U$1,5 para U$41 milhões]; os azeites vegetais e derivados em 200%; as batatas congeladas em 200%; a carne de porco em 95%; produtos lácteos em 90%[9]. Nada disto é uma surpresa: os advertimos em anos de campanha contra o livre comércio. Podemos surpreender-nos, então, da extensão da indignação campesina, particularmente de leiteiros, arrozeiros, batateiros? Podemos surpreender-nos [com o fato de] que os campesinos do altiplano cundiboyacense, [mesmo] ainda os da agradável Boyacá, tenham se sublevado com uma força inusitada quando os produtos de seu clima são os que mais fortemente têm que competir com as importações dos EUA?

O tratamento militar do protesto tem sido a regra em todo o país. No Cauca se deram situações gravíssimas, que já denunciamos[9]. Em La Venta [Cajibío], uma concentração de 2000 pessoas foi barbaramente reprimida pelo ESMAD, polícia e exército, com a utilização de minas anti pessoais, explosivos, projéteis amotados, armas de fogo etc. O resultado: 15 campesinos feridos, 5 deles gravemente. Um deles, Uberney Mestizo, terminou com uma mão amputada[10]. Em Fusagasugá o ESMAD assassina a um jovem de Pasca, Juan Camilo Acosta, de um disparo de gás lacrimogêneo arremessado diretamente ao corpo. Se utiliza contra uma mobilização social pacífica métodos de contra insurgência: se oferecem recompensas por informação sobre os organizadores e os líderes do protesto. Se dá um golpe a um “objetivo de alto valor” [na linguagem contra insurgente do Estado] como é o dirigente campesino Húber Ballesteros, dirigente da federação campesina Fensuagro, da CUT, da Marcha Patriótica, sobrevivente da UP e membro da Mesa de Interlocução Agrária e Popular [MIA], que coordena as mais importantes expressões organizativas do protesto em nível nacional. É patético ver o vice-fiscal Perdomo afirmando que esta grosseira perseguição a um dos máximos dirigentes da paralisação agrária e popular não nada a ver com suas atividades gremiais, que esta detenção arbitrária teria que ver com um processo de suposto financiamento ao “terrorismo”, segundo informes tirados como de uma cartola de um mago, dos computadores capturados aos comandantes guerrilheiros Iván Ríos, Jorge Briceño e Alfonso Cano[11]. Claro, quem poderia ser tão mal pensado para supor que isto é uma montagem judicial, se esses computadores foram capturados, respectivamente, em 2008, 2010 e 2011... e anos depois, curiosamente em meio a uma paralisação nacional, se lhe monta o processo. Que paradoxo que o único terrorismo que o companheiro Ballesteros financia, porque está obrigado a fazê-lo através de seus impostos, como a maioria dos colombianos, é o terrorismo de Estado!

E Santos? Dando papaia e porretadas em Macondo. Atuando como governante de um povo ao qual despreza e de um país que desconhece. Mentindo e usando a força militar contra o protesto social, dando chumbo quando há que garantir o pão. Houve uma época na qual o povo em seus protestos punha mortos em cifras redondas, de 10, 100, 1000 etc e, em seguida, se negociava e tudo ficava em nada. Essa época já passou: agora, os campesinos têm nomes, os campesinos não esquecem, os campesinos têm câmaras para gravar a violência oficial, os campesinos têm sede de justiça, seu sangue é indelével. “Papaia Santos” está acumulando pontos e o povo, tarde ou cedo, lhe passará a conta. Porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não terão uma segunda oportunidade sobre a Terra.
 


NOTAS:
[4] Comisión integrada por las siguientes organizaciones humanitarias: Fundación Comité de Solidaridad con los Presos Políticos, Observatorio de Derechos Humanos y Violencia Política de Boyacá y Casanare, Centro de Atención Psicosocial, Corporación Claretiana Norman Pérez Bello, Comité Permanente por la Defensa de Derechos Humanos, Movimiento Nacional de Victimas de Crímenes de Estado, Corporación Social para la Asesoría y Capacitación Comunitaria, Colectivo de Abogados José Albear Restrepo, Comisión de Derechos Humanos del Congreso de los Pueblos, Equipo Nizkor, Periodistas independientes, con el acompañamiento de Brigadas Internacionales de Paz.


(*) José Antonio Gutiérrez D. é militante libertário residente na Irlanda, onde participa nos movimentos de solidariedade com América Latina e Colômbia, colaborador da revista CEPA(Colômbia) e El Ciudadano(Chile), assim como do sítio web internacional www.anarkismo.net. Autor de "Problemas e Possibilidades do Anarquismo" (em portugués, Faisca ed., 2011) e coordenador do livro "Orígenes Libertarios del Primero de Mayo en América Latina" (Quimantú ed. 2010).