O que Santos não queria. Realidades sobre a Mesa em La Habana. Tudo indica que não haverá entrega em troca de nada.
Por
Timoleón Jiménez
⋅
Sexta-feira 23 de agosto de 2013
O
Presidente Santos não perde oportunidade para manipular. Ao fim e ao
cabo, se trata de um homem de negócios surgido do mundo dos grandes
meios de comunicação, acostumado a tergiversar e menosprezar os
pontos de vista contrários. Não teve escrúpulos para afirmar, ante
a cúpula militar, que o comandante das FARC-EP havia escrito
queixando-se porque o consideraram objetivo de alto valor. Lá, ele.
Deste
lado, nunca recorremos à distorção do dito pelo Presidente,
preferimos interpretá-lo em seu exato significado. Quem tenha lido o
escrito de Timoleón Jiménez sabe bem que o que este criticou foi a
pública ordem presidencial de executar a qualquer membro das FARC
que se encontre em território colombiano. O Presidente não pode
emitir ordens de matar compatriotas apenas sejam vistos, porque a
pena de morte está proscrita no país. Ademais, tal ordem resulta
demasiado perigosa quando o próprio Presidente, seus ministros e
generais vivem acusando diariamente aos dirigentes populares e de
oposição de serem membros das FARC.
O
Presidente autorizou publicamente a execução de uma inumerável
quantidade de colombianos inconformados com suas políticas, o qual
coincide com sua advertência ao alto comando militar a ser
contundente com os que promovam desordens nas vias públicas. É que,
assim, ainda que custe a alguns admiti-lo, com esse ar de aparente
sensatez e apego à legalidade, as classes dominantes em Colômbia
levam decênios ordenando assassinatos, deslocamentos,
desaparecimentos, torturas, ameaças e paralisia política por causa
do medo.
O
próprio Santos reconhecia que, com sua designação por Gaviria como
ministro de Comércio Exterior, lhe foi ordenado abrir a economia.
Desde então, seu empenho tem sido materializar em nosso país o
desígnio globalizador neoliberal: livre comércio total, abertura
plena ao investimento estrangeiro, privatização das entidades
públicas, entrega de nossas riquezas naturais ao grande capital
transnacional, precarização das condições laborais dos
trabalhadores e endividamento crescente com a banca internacional.
Assim
que a oligarquia colombiana não nega, senão que se ufana de haver
assumido como própria a estratégia de dominação planetária do
grande capital, que, como todo mundo vê, conduz imensas populações
à mais angustiante crise social, ao desastre ambiental, à guerra
total de massacre dos povos, à hecatombe nuclear e até a uma
vislumbrada extinção da espécie humana. A esse projeto vinculam
todos os seus mecanismos de dominação, desde a educação pública
até a grande imprensa, passando por seus aparelhos armados e de lei.
A
Prosperidade para Todos não é outra coisa que a versão colombiana
das imposições do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial,
da OMC e todos os grupos de poder que os inspiram, como o famoso
Bilderberg ou a Comissão Trilateral. As locomotivas mineira,
agroindustrial, de infraestrutura, habitação e ciência, longe de
procurar o bem-estar dos colombianos, estão concebidas para garantir
a penetração, o apoderamento e controle pleno do país pelos
poderes internacionais do capital financeiro mundial.
Com os
quais se encontram entrelaçados os mais importantes grupos
econômicos nacionais. São eles os que crescem e aumentam sua
riqueza à sombra dos investimentos estrangeiros. Enquanto Santos,
como um generoso Rei Midas que transforma em ouro tudo quanto toca,
fala de que suas políticas tiraram milhões de colombiano da miséria
e da pobreza, ademais de levar-lhes alimentos, educação, saúde,
moradia, emprego formal e substanciais oportunidades de prosperidade,
a gente de carne e osso toma as rodovias e as praças, reclamando
atenção e justiça.
O
recurso presidencial consiste em assinalar que não há reais razões
para que o povo proteste. Seu governo está fazendo tudo quanto pode
fazer-se por ele. E não descarta que os protestos sejam, na
realidade, artimanhas usadas por pessoas interessadas em semear o
caos, como ocorre com as guerrilhas ou alguns personagens da
oposição. Apesar disso, afirma que respeita o direito ao protesto e
a discordância. Claro, sempre que se assemelhe a um choro ante o
muro das lamentações, um pranto incapaz de pressionar qualquer
mudança em suas políticas.
Agora,
mais que nunca, está claro que têm sido os desígnios do grande
capital para a Colômbia os que têm exigido pôr fim de modo
definitivo ao conflito. Para a execução de seus planos no país e
no resto do continente, torna-se imperativo remover do caminho essa
mula morta da qual fala Santos. Este tem assumido, ajuizado, sua
tarefa, terminar com o conflito pelo bem ou pelo mal. Ali entra a
jogar seu papel pela via do diálogo e das conversações. Como ao
povo, à guerrilha também haverá que dar-lhe a oportunidade de
chorar suas penas.
Por
isso, a Mesa. Para que reclamem em voz baixa e mansamente quanto
queiram. Ainda que não se lhes aceite nem conceda nada do que
propõem. A comunidade internacional, isto é, os Estados Unidos e a
Europa Ocidental, estão dispostos a aceitar que a guerrilha
desmobilizada seja beneficiária de uma justiça transicional, que a
deixe finalmente numa liberdade precária, porém anulada em matéria
política. Nisso consistiria o Acordo, um perdão relativo em troca
da omissão guerrilheira à globalização neoliberal para Colômbia.
O
primeiro ponto da Agenda, sobre política agrária integral, aparece
como firmado com algumas ressalvas que se definirão mais adiante.
Essas ressalvas são todas as objeções que as FARC têm posto aos
planos do grande capital para converter o território colombiano em
seu grande doador de recursos mineiros, biológicos, agroindustriais
e alimentares, à custa da propriedade e da tranquilidade dos
pequenos e médios produtores agrícolas, pecuários e mineiros,
assim como das comunidades negras e indígenas.
Tampouco
pensa Santos ceder um milímetro em matéria de democratização da
vida nacional, o segundo ponto da Agenda. Quando discursa que não
está negociando o Estado, nem o modelo econômico, nem o sistema
político, nem o setor privado, o faz para tranquilizar ao grande
capital atento por qualquer fragilidade na Mesa. Tranquilos, que aqui
não vai mudar nada. Só se trata de dar-lhes a última oportunidade
aos bandidos para que se desarmem e componham sua vida futura ao
calor de nossas sagradas instituições.
Se não
o fazem, como disse recentemente, elas serão as primeiras
danificadas, também politicamente, como ocorreu nos processos
anteriores. Ainda que o Presidente creia jogar com cartas marcadas e
certo de ganhar, está nervoso. Promete e mente, ameaça e mente.
Enquanto isso, um país do qual não gosta, que não se parece ao
Londres com que sonha, sai às ruas a exigir mudanças, a enfrentar a
autoridade, a reclamar por políticas diferentes. As mesmas pelas
quais as FARC levamos meses discutindo na Mesa de La Habana. O que
Santos não queria.
Timoleón
Jiménez
Comandante
do Estado-Maior Central das FARC-EP
22 de agosto de 2013.
22 de agosto de 2013.