Sobre um Marco Jurídico fora de contexto
La
Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 6 de agosto de 2013
(Primeira reflexão)
(Primeira reflexão)
A
definição de um Marco Jurídico para a Paz é assunto que vem sendo
debatido há vários meses por diversas instâncias dos poderes do
Estado, inclusive apresentando-se esclarecimentos às vezes
contraditórios entre uns e outros, os quais, por ser de tão recente
publicação e propagação, não é o caso de relembrar no presente
pronunciamento.
O
ponto é que, aparentemente, a Corte Constitucional deixou entrever
que se pronunciará sobre o mencionado “Marco” em fins de agosto.
Porém, vale precisar que jamais nossa contraparte na confrontação
considerou levar em conta os esclarecimentos que tem a insurgência
sobre o tema da juridicidade ou dos parâmetros da chamada transição
a um estágio posterior à assinatura de um Acordo final de paz ou,
mais ainda, para a antessala dessa época.
Se,
em realidade, se busca a paz, o mero sentido comum indica que uma
conceituação para tal construção deve ser produto de análises e
decisões conjuntas, sobretudo se levamos em conta que os diálogos
que se adiantam em Havana sem que a guerra houvesse culminado, não
são de nenhuma maneira um processo de submissão à
institucionalidade vigente, nem muito menos uma passagem da
insurgência para a capitulação.
Imaginamos
que, como agora, de haver um pronunciamento da Corte a favor do
governo, se apresentaria imediatamente – outra vez passando por
alto que existe uma contraparte na guerra –, o projeto de lei
estatutária que desenvolveria a nova norma constitucional. Vale
dizer, então, que:
O
Marco Jurídico para a Paz é um instrumento de justiça transicional
ao qual acorreram muitos países em todo o mundo, ocorrendo que,
geralmente, os vencedores numa confrontação impuseram suas normas
aos perdedores, ou situações em que, a partir do estabelecimento de
novos regimes ou ordenamentos constitucionais, se derivaram renovados
poderes públicos aos quais se lhes encarregou reordenar um país.
Por exemplo, com nova constituição e novo órgão judicial foi que
na Argentina se agarrou os ditadores e seus sequazes.
Na
Colômbia não houve derrota da contraparte, nem se vislumbra. O
aceitar a existência de um conflito interno, ademais, tem
implicações concretas que não se pode evitar, sobretudo se não
perdemos de vista que em nenhuma das experiências mais conhecidas,
nas quais se aplicou justiça transicional, se falou ou aceitou
previamente a existência de um conflito interno. Para nosso caso, o
Presidente Juan Manuel Santos aceitou a existência do conflito
interno, todo o qual indica que as normas do Direito Internacional
Humanitário [DIH] e as normas de guerra se aplicam a ambas as partes
por igual, porém não perdendo de vista que haveria que adaptar,
complementar e aperfeiçoar as referidas normas, atendendo às
experiências e particularidades concretas que tem uma confrontação
tão prolongada e repleta de assimetrias como a da Colômbia, assim
ao menos o sugere o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Em
todos os casos onde se aplicou justiça transicional ou marcos
jurídicos como o que se pretende na Colômbia, o conflito ou as
ditaduras foram superados primeiro; o conflito chegou a seu fim com
um vencedor e, reiteramos, geralmente os ganhadores aplicaram suas
regras do jogo com seus novos governos e seus novos aparelhos
jurisdicionais. Porém, na Colômbia não só se declarou
oficialmente que há um conflito entre duas partes com
responsabilidades para cada uma delas, como também que se dá a
circunstância terrível de que o conflito continua. Uma das duas
partes [o Governo em representação do poder do regime], ademais,
insiste em que há que seguir na guerra. Isto é prova indiscutível
de que a contenda continua. Não obstante, por mais que desboque
seu belicismo, não é a via militar a que dará a vitória ao
regime, porém, sim, é certo que tal caminho gerará mais vitimação
e atraso para nosso país. Meio século de história assim o
corrobora.
Sublinhemos
que, em meio a estas realidades, o Presidente Santos como Presidente
da República, Chefe de Estado e cabeça da administração pública
[assim batiza a Constituição ao Presidente], aceitou frente aos que
têm – dentro das regras do jogo que ele acata e jurou cumprir –
a guarda da integridade e da supremacia da Constituição [Corte
Constitucional], que o Estado tem responsabilidade no sucedido
durante o conflito armado interno ainda existente após várias
décadas de combate. Esta é uma aceitação pública que pode bem
ter alcance de ato administrativo e que, em todo caso, tem
implicações, como:
- A aceitação de responsabilidade pelo conflito tira do Estado a legitimidade necessária para ser juiz. Não se pode ser juiz e parte, sobretudo quando se trata de um Estado responsável; e muito mais quando a guerra interna persiste sem vencedor nem vencido.
- Levemos em conta que o chamado jus puniendi equivale ao direito do Estado a aplicar a lei penal e a justiça em geral. Esse direito se deriva do chamado princípio de legalidade. O princípio de legalidade é a fonte ou a base de todo Estado de direito. A legitimidade do princípio de legalidade, por sua vez, é a fonte da segurança jurídica. Então, como pode produzir um Estado atribuível de responsabilidade um princípio de legalidade e a necessária segurança jurídica?
Pelo
demais, o magistrado Pretelt não deveria entregar à imprensa
apartes e o sentido de sua palestra antes da audiência convocada
para conhecer o pensamento dos que se inscreveram para referir-se ao
tema do marco jurídico para a paz. O fez desde a véspera, o qual
tira legitimidade e seriedade a seu pronunciamento. Faltou com seus
colegas, com a boa-fé da opinião pública em geral e deixou um mau
sabor de prevaricação. Houve um evidente assalto ao devido
processo.
Em
conclusão, essa iniciativa unilateral do governo que a Corte
Constitucional debate hoje, nenhum papel positivo jogará no processo
de paz em que se comprometeram as FARC-EP.