Entrevista exclusiva com Iván Márquez e Jesús Santrich das FARC-EP
PIA,
Havana – A seguir, publicamos uma entrevista da PIA Noticias com
Iván Márquez e Jesús Santrich, das FARC-EP, à frente da
delegação que participa dos Diálogos de Paz, que ocorrem em
Havana, Cuba, entre a organização revolucionária e o governo da
Colômbia.
Em seu encontro com a PIA, Iván Márquez, Membro do Secretariado das FARC-EP e Jesús Santrich, do Estado Maior Central, falaram do desenvolvimento e das perspectivas dos Diálogos de Paz, do papel de sua organização dentro do movimento popular da Colômbia e de Nossa América, da necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte, das estratégias do império, como a Aliança do Pacífico ou o negócio transnacional do narcotráfico, e do cenário de Nossa América pós-Chávez.
Que avaliação vocês fazem dos diálogos de paz até o momento e quais são as suas perspectivas para o futuro?
Diversos
temas de grande importância nacional, que estavam relegados ao
esquecimento, foram colocados no primeiro plano de debate e nas mãos
do movimento social e popular como bandeiras de luta. O
balanço é muito positivo. Referimo-nos
a assuntos como o da propriedade e uso da terra, o da exploração
mineral-energética e a indústria extrativista, que tanto dano
socioambiental está gerando, o do reordenamento territorial, o da
reforma agrária e rural integral ou o assunto da reestruturação
política e a democratização do país, por exemplo.
Não
obstante, já no que concerne à criação de acordos, tendo esgotado
quase três pontos da agenda, o que temos são construções
parciais, que são de grande importância, porém, no momento,
deixaram de resolver os aspectos essenciais que são necessários
para poder obter um tratado de paz estável e duradouro. A título de
ilustração, é possível dizer que não existe acordo sobre as
proibições de latifúndio e a limitação à propriedade
estrangeira da terra; não é apresentada, todavia, uma revisão da
Doutrina de Segurança Nacional que, na Colômbia, permanece assinada
pela concepção de inimigo interno, pela presença do
paramilitarismo de Estado, e nem se definiram compromissos claros que
nos indiquem um novo rumo para a economia nacional, alternativo às
nefastas receitas neoliberais que, a cada dia, geram mais misérias
nas maiorias.
Nós
estamos esperançosos que a participação cidadã, com o
protagonismo do povo nestas discussões, a partir da convocatória de
uma Assembleia Nacional Constituinte, supere todas estas lacunas.
Como
vocês veem o movimento popular na Colômbia e qual é o lugar das
FARC-EP?
Apesar
da guerra suja e do terrorismo de Estado que há décadas vitimiza o
movimento popular, sem dúvida este deu mostras de uma valentia e de
uma capacidade de reorganização sem limites. O país está cheio de
pobreza e desigualdade, assim como repleto de repressão,
desaparecimentos forçados, prisões políticas, terra arrasada e
deslocamento nos campos, massacres, falsos positivos e incontáveis
fossas comuns, produto da criminalidade sistemática e persistente do
Estado contra a inconformidade e as exigências das pessoas comuns. E
ainda assim, com o protesto social criminalizado, recebendo um
tratamento de ordem pública militarizada e belicista, a Colômbia
vem estremecendo constantemente pela ação das massas nas ruas e
estradas, por sua presença cada vez mais coesa e politizada em
função das transformações radicais reivindicadas, pela luta por
restauração da soberania, democracia e justiça social. Podemos
dizer, em síntese, que o movimento social e popular é pulsante e
promissor, e nele, o papel das FARC-EP é o de coadjuvante, tendo o
propósito de unir e contribuir fundamentalmente com as abordagens
políticas. Nosso influxo sobre amplos setores de massas visa
construir uma alternativa política anticapitalista, que devolva a
independência a nosso país.
Quem
quer a mudança, a soberania nacional e a justiça social na
Colômbia? Quem
não quer?
A
mudança social, como mudança revolucionária que funde o
socialismo, tem sido nossa bandeira desde o início contra o bloco de
poder oligárquico, que hegemonizou por quase dois séculos a
condução do país numa via de submissão frente ao império. Na
Colômbia, as condições materiais, objetivas e de existência que
são nefastas, multiplicaram a inconformidade lançando diversos
setores sociais à oposição, desde os mais pobres até importantes
faixas da classe média, que tomaram consciência de que a
plutocracia exercida por um punhado de famílias ligadas ao capital
financeiro, levaram algo em torno de 30 milhões (de 46) de
compatriotas a uma grande miséria e necessidades, segregando
politicamente as maiorias com procedimentos de violência, de
enganação e de humilhação, que são aspectos latentes de uma
guerra impulsionada para defender os interesses mesquinhos dessas
minorias que tem nomes conhecidos como Ardila Lulle, Santodomingo,
Sarmiento Angulo, entre outros, a quem servem os governantes de
turno.
Foi
contra essas injustiças que as FARC-EP formularam seu programa
revolucionário, porém objetivando um entendimento que permita
colocar freio ao confronto. Hoje, na Mesa de Havana, o que colocamos
não são as propostas radicais da insurgência, mas propostas
mínimas para chegar a um entendimento que abra portas à democracia,
dando oportunidade ao debate aberto, sem o perigo que as balas do
terrorismo de Estado acabem com a vida daqueles que estão na
oposição ou tenham pontos de vista diferentes aos dessas
oligarquias que até agora nos tem governado.
O
que é como se explica o narcotráfico na Colômbia e na região?
O
narcotráfico é um negócio capitalista transnacional em que o
capital financeiro está envolvido até o fundo. Entre 3 e 5 pontos
do PIB mundial estão cruzados por este flagelo; dele, por exemplo,
se beneficia o banco internacional com o congelamento e organizações
como a CIA financiam suas operações encobertas da pior maneira. A
Colômbia é uma vítima. Vítimas
são as empobrecidas massas campesinas obrigadas pela pobreza gerada
pelo neoliberalismo, a sobreviverem valendo-se dos cultivos de folha
de coca. E vítimas são os milhões de consumidores em relação aos
quais, ao invés de priorizar medidas de prevenção e de saúde
pública que impeçam ou reduzam o dano, são aplicadas políticas
proibicionistas de perseguição, de criminalização e de
estigmatização comprovadamente frustradas.
Acerca
deste problema, reinam argumentos de hipocrisia que, ao mesmo tempo,
demonizam os cultivadores e acusam os membros da insurgência de
narcotraficantes para, com mentiras, tirar sua aura política,
escondendo os verdadeiros responsáveis pela comercialização e pelo
aumento da produção.
Que
respostas vocês têm ante a mensagem enviada pelo presidente Santos,
de que espera que as FARC entreguem as armas e, também, espera ver
os integrantes das FARC sentados no Congresso?
O
que é proposto no acordo geral de Havana é a possibilidade de
chegar a um cenário, não de entrega e sim de abandono das armas.
Para nós, isso significa, em termos concretos, uma longa trégua que
permita observar a implementação do acordado, num ambiente de
verdadeira democracia, onde o uso das armas se faça desnecessário.
E
sobre a participação no congresso, podemos dizer que estabelecer a
democracia consiste que todos os colombianos sejam sujeitos ativos no
planejamento e condução dos destinos do país. Pode-se dizer que os
assuntos do Estado e do governo, o exercício da política como
serviço à sociedade, não pode ser privilégio das elites ou de
grupos econômicos poderosos.
Para
que levar adiante uma Assembleia Constituinte?
Os
problemas da guerra e da paz influenciam a vida de todos os
colombianos. Por isso, para sua solução, para construir um
verdadeiro tratado de reconciliação, a participação cidadã no
poder criador do soberano é um fator importantíssimo. Até o
momento, o desenvolvimento das conversações coletou algumas
opiniões e elaborações das comunidades, porém não abriu os
espaços para que as pessoas comuns debatam plenamente suas
expectativas. Se isto não é feito, o processo tem um enorme déficit
de legitimidade; então, a melhor maneira do soberano ter o
protagonismo correspondente, já que se trata da definição de seu
destino, é mediante uma Assembleia Nacional Constituinte,
estruturada de maneira tal que todos os setores sociais tenham
representatividade para cimentar uma nova institucionalidade.
O
que significa para vocês a Aliança do Pacífico? Que projetos
possuem os Estados Unidos para nosso continente?
Significa
uma tentativa de ressurreição da destituída ALCA, estabelecendo
tratados comerciais que são muito prejudiciais para importantes
linhas da economia regional. O que outorgam são vantagens que o
livre comércio concede às transnacionais. É, também, uma
tentativa pérfida de retirar Nossa América do rumo da integração,
que vem traçando iniciativas como as da UNASUR e da CELAC. A Aliança
do Pacífico é o centro de uma suposta integração de ordem
comercial, porém submetida a um conservadorismo que resguarda a
dependência a respeito dos Estados Unidos, sem considerar que a
unidade, a cooperação e a complementação entre nossos países
devem apontar para aspectos que vão mais além do comercial,
econômico e financeiro, e que estão relacionados com a cultura, com
o social e com a identidade enraizada em nossos povos nas condições
de independência.
Em
resumo, o que ocorre é que alguns governos latino-americanos estão
colocando os Estados Unidos no continente a partir de uma proposta da
aliança transpacífico, que é liderada pelo país do norte no
momento em que o litoral Atlântico é substituído pelo Pacífico no
campo das exportações.
No
caso da Colômbia, por exemplo, deduz 92% do universo tributário
enfraquecendo as defesas de setores tão importantes, como a
agricultura. De fato, isto vai contra a soberania alimentar e da
economia campesina, a respeito das quais, ficou acordado na mesa o
seu fortalecimento.
Com
este tipo de alianças não deixaremos de ser exportadores de carvão
e outros produtos minerais, e importadores de bens industriais e
agrícolas. O processo de reprimarização e refinanceirização hoje
sofrida por nossa economia, sem dúvida, será agravado por um
iminente aprofundamento da desindustrialização. A Colômbia deve
desviar desse caminho, retomar uma dinâmica autônoma de
industrialização e uma política econômica independente, soberana,
para a equidade, que entre outras coisas eleve a produtividade do
campo mediante uma reforma rural integral, como a que as FARC-EP
colocaram na mesa de conversações.
O
que significa Marulanda para o movimento revolucionário de Nossa
América?
Antes
de tudo, Manuel Marulanda é um exemplo de persistência na luta por
ideais de justiça e emancipação. Fidel Castro explicou muito bem o
que o comandante Manuel significa para nossos povos quando disse:
“Considerei e considero
que Marulanda foi um dos mais destacados guerrilheiros colombianos e
latino-americanos. Quando muitos nomes de políticos medíocres forem
esquecidos, o de Marulanda será reconhecido como um dos mais dignos
e firmes lutadores pelo bem estar dos camponeses, dos trabalhadores e
dos pobres da América Latina”.
Qual
o olhar de vocês acerca da Nossa América pós-Chávez e do processo
revolucionário na região, e que papel têm as FARC-EP?
A
América pós-Chávez conta com a força dos povos que retomaram esse
instrumento fundamental de luta, que é o pensamento bolivariano e o
de seus heróis nacionais, uma herança que, em grande medida, o
comandante Presidente ajudou a resgatar. Dizer isto significa que,
hoje na Nossa América, existe muita agitação por mudanças a favor
de ideais tão importantes, como o de unidade continental e o de
justiça, o de atuar em condições de soberania, etc., e tudo isso
ligado a esse outro grande propósito de equidade que é a construção
do socialismo. Dentro desta realidade, nós, simplesmente, somos
soldados da mais bela das causas, que é a de libertar um continente
que fulgurará como uma Grande Nação de Repúblicas irmãs.
Tradução:
Partido Comunista Brasileiro (PCB)