Ganhar para avançar
Por Emir Sader
O que se está esgotando não é o governo do PT,
mas sua primeira fase. A prioridade das políticas sociais é
amplamente vitoriosa, foi e continua sendo a responsável pelo imenso
processo de democratização social por que passa o Brasil desde
2003. É assim que diminuímos a exclusão social, a desigualdade, a
pobreza e a miséria – objetivo fundamental de um país que sempre
carregou esses carmas -, mesmo em meio a uma profunda e prolongada
recessão internacional.
A política externa que prioriza os
processos de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul se
confirmou como a melhor forma de inserção internacional do Brasil e
de contribuição para o desenvolvimento das áreas sempre exploradas
e subordinadas e de construção de um mundo multipolar. Essas
políticas têm é que avançar muito, especialmente no Mercosul, na
Unasul, no Banco do Sul, no Conselho Sulamericano de Defesa.
O papel ativo do Estado é o responsável por o
Brasil ter resistido à crise, fortalecendo os bancos públicos,
induzindo a reação ativa diante da crise e não se submetendo a
ela. Precisamos, sim, é readequar o Estado para um papel ainda mais
ativo na economia, ainda mais quando setores do empresariado privado
resistem a participar do esforço produtivo do país e se refugiam na
especulação financeira.
Assim, os caminhos escolhidos pelo governo Lula –
prioridade do social, integração regional, papel ativo do Estado –
são corretos e, ao contrário de ser abandonados, devem ser
fortalecidos. Mas esses avanços foram obtidos explorando as linhas
de menor resistência do neoliberalismo, sem alterar as estruturas de
poder, que seguem vigentes, e se colocam como obstáculos para dar
continuidade e aprofundar a radical transformação democrática que
o Brasil precisa.
As políticas sociais podem seguir, mesmo com
crescimento menor, mas tem um limite. Além de que, somado às
politicas de distribuição de renda, se necessita melhorar a
qualidade das políticas sociais, especialmente as de saúde,
educação, transporte, segurança pública, cultura, entre outras.
Esse deve ser um objetivo prioritário do próximo mandato.
O crescimento econômico requer imperiosamente a
quebra da hegemonia do capital especulativo, o que supõe realizar o
que a Presidenta Dilma tinha prometido para seu primeiro mandato:
colocar as taxas de juros no nível internacional, para desincentivar
a especulação financeira e a vinda de capitais para usufruir de
taxas de juros muito altas e tributação baixa.
O Estado, por sua vez, precisa ser reformado para
readequar-se aos processos de transformação que o país precisa
enfrentar. Precisa de uma reforma tributaria socialmente justa,
em que quem ganha mais paga mais.
Com o Estado, o sistema político precisa sofrer
transformações que tornem a representação popular mais legítima.
O financiamento público de campanhas e critérios mais rigorosos
para o registro de partidos são necessidades urgentes. A
convocação de uma Assembleia Constituinte autônoma é a única
vida possível para essa reforma e tem que constar desde agora no
calendário do próximo ano.
Se trata agora de ganhar para avançar. Não é
mais possível simplesmente administrar o modelo tal qual existiu até
agora, sem reformas estruturais que desbloqueiem os obstáculos que
tem freado o crescimento econômico e dificultado a melhoria
dos serviços públicos.
Dilma é favorita para ganhar, até mesmo no
primeiro turno, mas essa vitória se dá pela acumulação de apoio
popular da primeira fase dos governos, especialmente pelo sucesso das
políticas sociais. Agora já não será mais possível surfar nesse
impulso. Dilma tem que se comprometer, desde agora, com as
transformações estruturais que abram uma segunda etapa dos governos
do PT. Trata-se de ganhar para avançar, para transformar as
estruturas profundas do poder, herdadas ainda da ditadura e do
neoliberalismo.