"Novos golpes no continente virão de mídia e grandes empresas", diz presidente paraguaio deposto
Vítima de
golpe em 2012, atual senador Fernando Lugo discutiu histórico
golpista da América Latina em evento na Grande SP
“Possivelmente, os novos golpes na
América Latina não vão sair dos quartéis militares, mas das
multinacionais e dos meios de comunicação.” A opinião é de
Fernando Lugo, senador paraguaio e presidente deposto por um golpe
parlamentar em junho de 2012.
Em evento organizado na Grande São
Paulo nesta sexta-feira (09/05) para discutir o processo histórico e
político que permeou golpes militares no cone sul e o funcionamento
da Operação Condor no contexto das ditaduras, o político paraguaio
afirma que o manual da derrubada de governos democráticos hoje é
outro: tem traços muito mais civis do que essencialmente militares.
“Os processos políticos na
Bolívia, na Venezuela e no Equador indicam a superação neoliberal,
mas temos o desafio de evitar o que ocorreu de maneira grosseira em
Honduras”, disse referindo-se ao golpe de junho de 2009 que acabou
derrubando o presidente Manuel Zelaya.
“No Paraguai, quem ganhou com o
golpe? Os plantadores de soja, o agronegócio. No país, há uma
classe que sempre teve os grandes negócios do Estado e tem medo de
perder seus privilégios. Mas o povo originário, os camponeses
continuam sem terras. Somente nesta transição morreram 138
camponeses no Paraguai”, afirmou, ao citar a multinacional Monsanto
como responsável por financiar o golpe paraguaio.
Internacionalização da
direita
O teatro projetado pelo arquiteto
modernista Rino Levi, na Praça do 4º Centenário em Santo André,
ficou lotado de jovens nesta sexta-feira (09/05), em sua maioria
universitários, interessados em conhecer melhor o histórico de
derrubada de governos democráticos no continente e a cooperação do
aparelho de repressão de Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e
Paraguai via Operação Condor.
O evento
"Ditaduras no Cone Sul 50 anos Depois",
realizado pelas prefeituras de Santo André e São Bernardo do Campo,
teve início abordando temas como a integração das Forças Armadas
no contexto da Operação Condor; Copa do Mundo e os governos
ditatoriais; o papel dos Estados Unidos nos golpes militares na
região; repressão a artistas e manifestações culturais; a censura
da mídia e o papel da Igreja Católica no período.
A partir
das discussões, será criado o Observatório da Democratização no
Cone Sul. As exposições do seminário internacional deverão se
tornar um livro com 200 páginas, que será entregue aos
participantes e a escolas da região.
Além de
Fernando Lugo, o painel de ontem debateu a “Luta de Resistência e
a Democratização dos Países do Cone Sul” e teve entre seus
expositores o filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente
Goulart, o sobrinho do ex-presidente chileno Salvador Allende, Andre
Pascal Allende, e a ex-guerrilheira do Araguaia Crimeia de Almeida.
“O
objetivo do Plano Condor foi impedir toda mudança social e
democrática na América do Sul e liquidar todos os movimentos
progressistas em nossas mãos”, afirmou Lugo após fazer um
apanhado histórico das ditaduras na região e particularmente no
Paraguai, onde o ditador Alfredo Stroessner governou de 1954 a 1989,
perseguindo os movimentos de resistência no país e dando as bases
para o desenvolvimento de um Estado neoliberal.
Verdadeira democratização
Com sete meses de gravidez, Criméia
de Almeida foi sequestrada e torturada por altos comandantes do
Exército brasileiro por ter participado da Guerrilha do Araguaia
entre 1968 e 1972. Ao sair da prisão, após nunca ter sido julgada,
iniciou uma luta pela anistia ampla, geral e irrestrita e pelo
direito de conhecer o que aconteceu com as 475 pessoas que morreram
ou desapareceram durante a ditadura militar.
Mas, apesar da sentença proferida
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010
determinou que não existe autoanistia, que os militares não estão
isentos das mortes e desaparecimentos no país e que os responsáveis
devem ser julgados e punidos, nada foi feito no Brasil. Na avaliação
de Criméia, apesar de a instauração da Comissão da Verdade no
país ser um avanço, ela caminha lentamente e com pouca
transparência.
Andrés Pascal Allende, sobrinho do
ex-presidente Salvador Allende completou o balanço da herança da
ditadura nos tempos atuais ao mencionar que no Chile, a Constituição
vigente é a que foi feita pelo ditador Augusto Pinochet e
questionou: “o que está sendo feito para impedir que ocorram novos
golpes na América do Sul?”.
“Na verdade, as escolas militares
seguem ensinando as mesmas doutrinas de 30 anos atrás. No Chile, os
militares são obrigados a estudar a tese de geopolítica de
Pinochet, então que mudanças tivemos nas Forças Armadas?" Em
sua visão, a região ainda corre o risco de vivenciar situações
similares à dos anos 1960-70, "basta ver o manual que está
sendo implementado na Venezuela com as agitações nas ruas e o que
ocorreu com o Paraguai”, afirmou.
Diante deste quadro, se as Forças
Armadas “não abrirem as portas para a participação cidadã, não
eliminar seu caráter classista e não reduzir os gastos com defesa,
estaremos diante do perigo de novos golpes militares na América
Latina". Allende conclui que para fazer estas mudanças no
interior das Forças Armadas, "não podemos estar sozinhos, por
isso é fundamental que tenhamos unidade entre os latino-americanos”.