VENEZUELA: OS RICOS INCITAN À VIOLÊNCIA ENQUANTO OS POBRES CONSTROEM UMA NOVA SOCIEDADE.
Por
Darío Azzellini
Antes de Hugo Chávez ter chegado à presidência da Venezuela em 1999, os bairros de Caracas construídos precariamente nos morros nos subúrbios da capital nem sequer apareciam no mapa da cidade.
Oficialmente
não existiam, nem as autoridades da cidade, nem o Estado se ocupavam
de seu desenvolvimento urbano. Os habitantes pobres daquelas
vizinhanças obtinham a água e eletricidade com tubulações e cabos
instalados por eles mesmos. Estavam desprovidos de serviços tais
como: coleta de lixo, salubridade e educação. Hoje em dia, os
habitantes desses bairros estão organizando suas comunidades por
meio de assembleias democráticas, conhecidas como Conselhos Comunais
–dos quais hoje há mais de 40.000 no país.
As
famílias de trabalhadores se uniram com o objetivo de estabelecer
espaços comunitários e empresas cooperativas, assim como de
coordenar programas sociais e reconstruir as casas de seus vizinhos,
baseando suas ações nos princípios de solidariedade e coletivismo
social.
Por
outra parte, este tipo de organização comunitária tem conseguido o
apoio governamental, principalmente por meio da lei dos Conselhos
Comunais, decretada pelo presidente Chávez em 2006. Este apoio tem
incentivado a formação de comunas, as quais cobrem grandes áreas e
estão dirigidas por representantes dos conselhos comunais eleitos
democraticamente. Devido a esta forma de organização, se dão as
condições para o desenvolvimento de projetos sociais em grande
escala.
Protestos
violentos
Entre
todas as noticias sobre manifestações opositoras e protestos que se
difundem pelos grandes meios de comunicação, nunca se reporta
alguma que provenha dos bairros de autogestão comunitária. Por
outra parte, a imprensa a serviço da direita se dedica a informar
diariamente de forma distorcida que os estudantes de todo o país
estão protestando ante uma fragilizada situação econômica e pelos
altos índices de criminalidade, e argumentam que só recebem como
resposta a repressão das forças governamentais.
No
entanto, a violência nas ruas que tem concentrado a atenção de
todo o mundo tem se limitado a produzir-se em alguns lugares isolados
–principalmente em zonas residenciais de ricos nas cidades de
Caracas, Maracaibo, Valencia, San Cristóbal e Mérida- e não nos
bairros onde vivem as classes pobres e trabalhadoras de Venezuela.
Contrariamente
ao difundido pelos meios de comunicação internacionais, a grande
maioria dos estudantes de Venezuela não participa nos protestos. Nem
sequer um terço das pessoas detidas vinculadas às manifestações
iniciadas em fevereiro são estudantes. É de destacar que Venezuela
tem atualmente 2.6 milhões de estudantes [700.000 em 1998] –graças
ao sistema de universidade pública criado pelo presidente Chávez.
Uma
avaliação das recentes detenções indica que os líderes dos
protestos costumam ser, em geral, uma mistura de traficantes de
drogas, paramilitares e intermediários militares privados –em
outras palavras, típicos mercenários preparados para qualquer tipo
de operação militar desestabilizadora da CIA.
No
sulino estado de Barinas, fronteiriço com a Colômbia, foram detidos
dois organizadores de barricadas armadas. Um foi Hugo Alberto Nuncira
Soto, quem havia sido detido pela Interpol, por ser membro de “Los
Urabeños”, uma organização paramilitar vinculada ao tráfico de
drogas, contrabando, assassinatos e massacres.
Em
Caracas foram detidos os irmãos Richard e Chamel Akl –que
pertencem a uma companhia militar privada, Akl Elite Corporation, e
representam o braço venezuelano da empresa contratista privada Risk
Inc.–. Foram detidos enquanto dirigiam um veículo blindado
transportando armas de fogo, explosivos e equipamento militar. Este
veículo havia sido equipado com dispositivos destinados a espalhar
azeite e pregos nas ruas, ademais de levar granadas de gás
lacrimogêneo, bombas caseiras, pistolas, máscaras de gás, coletes
anti balas, equipamentos de visão noturna, tanques de gasolina e
armas cortantes.
Após
a morte de Chávez, em março do ano passado, a oposição
venezuelana considerou que estavam dadas as condições para ganhar
as eleições presidenciais, baseando-se mais que nada na presunção
de que o povo eleitor já não seria influenciado pelo grande carisma
de Chávez.
No
entanto, o candidato líder da oposição, governador do Estado de
Miranda, Enrique Capriles Radonski, perdeu novamente a eleição
presidencial, agora ante o sucessor de Chávez, Nicolás Maduro.
Tendo
sido derrotada em 18 de 19 eleições desde 1998, parte da oposição
decidiu não esperar um tempo prolongado para ter uma nova e incerta
possibilidade de uma vitória eleitoral; portanto, em lugar disso, se
aventuraram a promover a desestabilização do país e desencadear a
violência com o objetivo de derrocar o governo eleito.
As
guarimbas
[manifestações violentas] têm atuado nas municipalidades
governadas por políticos antichavistas. Fazem-no tanto fomentando
eles mesmos ações violentas ou abstendo-se de manter a segurança
municipal, protegendo nos fatos as barricadas portadoras de bombas e
armas de fogo.
Também
se negaram à coleta do lixo, com o objetivo de aumentar a desordem.
A
luta por uma nova sociedade
Do que
estão temerosos os setores ricos em Venezuela e que os meios de
comunicação da direita não mostram é que um sistema diferente é
possível –e as classes trabalhadoras venezuelanas estão tratando
de construí-lo.
Esta é
a verdadeira razão pela qual Venezuela está sendo agredida. E, sem
dúvida, se trata de um ataque traiçoeiro contra Venezuela, sua
infraestrutura e suas propostas de futuro.
Em 1º
de abril um grupo de guarimberos
tocou fogo numa sede ministerial com bombas molotov, tendo 1.200
trabalhadores no interior do edifício. O fogo se iniciou perto da
creche do ministério onde 89 bebês tiveram de ser evacuados pelos
bombeiros.
Estes
fatos letais são frequentes. Durante as semanas passadas, uma
universidade foi incendiada, assim como creches, metrôs, ônibus,
centros médicos, mercados de distribuição de alimentos, lugares de
informação turística e outros espaços cívicos.
Em
Mérida, um depósito de água potável foi deliberadamente
contaminado com gasolina. Em Caracas, uma reserva natural localizada
no lado norte foi incendiada, o que, por sua vez, provocou a
destruição das linhas de energia elétrica que abastece parte da
cidade.
Estes
ataques têm as mesmas características que os provocados pela
“contrarrevolução” da Nicarágua, apoiada pelos Estados Unidos,
nos anos 1980’s, tratando-se de ataques contra objetivos que
implicavam a destruição de obras realizadas pelo governo ou
organizações comunitárias e desta maneira, em forma simbólica,
significava um rechaço a qualquer alternativa ao sistema
capitalista.
Como
consequência da nacionalização das reservas petrolíferas e de
gás, assim como do investimento do governo em programas sociais,
Venezuela foi o único país no mundo que cumpriu com os objetivos de
desenvolvimento do milênio promovido pelas Nações Unidas para
2015. Não há registro de que outros países tenham conseguido esse
objetivo.
O
índice de pobreza em Venezuela foi reduzido para menos da metade e a
extrema pobreza se reduziu em 70%. Atualmente, a desigualdade social
é a mais baixa de qualquer outro país da América Latina e do
Caribe. A maioria do povo em Venezuela está muito melhor atualmente
do que antes que Chávez fora eleito.
Não
há dúvida alguma de que nestes momentos Venezuela está sendo
afetada por uma difícil situação econômica. Sofreu uma alta
inflação e uma marcada escassez em alimentação e energia elétrica
durante o último ano.
Erros
na administração e a corrupção são problemas reais; no entanto,
o tema da escassez se deve primordialmente à especulação, ao
contrabando, a uma intencional redução da produção, assim como o
monopólio pelo setor privado, numa forma similar ao que sucedeu
antes do golpe de estado no Chile promovido pelos EUA em 1973.
O
representante das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura [FAO], quem esteve em Caracas em inícios de abril,
ressaltou os admiráveis esforços do governo no sentido de
aprofundar os programas sociais.
No
último ano, a FAO reconheceu que Venezuela é um dos 18 países no
mundo que conseguiu grandes progressos em combater a desnutrição, a
qual se reduziu de 13.5% em 1990-92 para menos de 5% em 2010-12.
Devido
a estas conquistas conseguidas pelo governo é que milhões de
venezuelanos continuam vivendo normalmente, apesar dos efeitos da
crise econômica, a qual geralmente golpeia primeiro aos pobres.
Apesar das manifestações violentas por parte da oposição e tendo
em conta a propaganda dos grandes meios internacionais de
comunicação, identificados com as classes menos afetadas pela
escassez e a inflação, a maior parte dos estudantes de Venezuela
não participa nos protestos.
Porém,
na realidade, poucos em Venezuela estão protestando; estão fazendo
a guerra.
Nota:
Tomado de "Creative Time Reports". Darío
Azzellini é um cineasta que realizou uma série de documentários
sobre Venezuela.
Tradução:
Joaquim Lisboa Neto