“Se não há avanço na Comissão da Verdade, aí param os diálogos”: FARC EP
Por
Agência Pública de Notícias Andes www.andes.info.ec
O
processo de paz com as FARC ficará suspenso se o governo colombiano
se nega a formar uma comissão que investigue a origem do conflito e
pretenda montar um “tribunal de Nuremberg” para julgar a
guerrilha, advertiram negociadores rebeldes numa entrevista com
Andes, na qual descartaram firmar um acordo que envie seus dirigentes
para o cárcere.
“Se
não há avanço nesta comissão, aí param os diálogos”,
notificou o negociador Andrés París em Havana, sede das
conversações empreendidas em novembro de 2012 para pôr fim a uma
guerra que começou há meio século como reflexo da violência dos
partidos políticos tradicionais Liberal e Conservador.
É a
primeira vez que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
[FARC, marxistas] advertem com a possibilidade de levantar-se da
mesa, se bem que o processo viveu um princípio de crise em agosto de
2013 por diferenças sobre o mecanismo para ratificar um eventual
acordo.
“Estão
preparando sua base midiática para mostrar-nos no ponto de vítimas
como os responsáveis por 600.000 ou 700.000 colombianos mortos e
desaparecidos ao longo desta guerra desde 1948”, acrescentou París,
assinalando que as FARC surgiram mais tarde, em 1964, “como
resposta à violência estatal” expressada num ataque militar
contra uma colônia de campesinos comunistas levantados em armas no
povoado de Marquetalia [centro].
Para o
porta-voz insurgente, o governo do presidente Juan Manuel Santos
tenta converter a mesa de negociação de Havana num “tribunal de
Nuremberg para julgar guerrilheiros”, em alusão aos processos que
se seguiram contra os nazistas após a Segunda Guerra Mundial.
Por
isso, agregou, é necessário que aflore a verdade sobre perguntas
como “quem iniciou o conflito e quem tem a maior responsabilidade”.
As
FARC –a principal guerrilha colombiana- propuseram o dito comitê
em agosto de 2013, aduzindo que é um passo-chave para abordar o
quinto ponto da agenda, sobre as vítimas, que estimam como
“definitório”.
As
partes ainda discutem o terceiro item, de um total de seis, relativo
à solução do problema das drogas ilícitas, após conseguir
consensos “parciais” nos de desenvolvimento rural e participação
política. As outras questões são abandono das armas e o
instrumento para validar um futuro pacto, que a guerrilha exige que
seja uma assembleia constituinte, em contraposição ao referendo que
Santos propõe.
O tema
das vítimas, “vamos enfrentá-lo com todo o peso da
responsabilidade que cabe ao estabelecimento e a responsabilidade que
caiba à insurgência”, indicou o também negociador Fidel Rondón,
quem questionou um estudo do Centro de Memória Histórica, formado
em 2005, por considerar que mostra as guerrilhas como únicos
vitimários e deixa incólumes, por exemplo, os partidos e a Igreja
católica.
Essa
investigação, difundida no ano passado, contabilizou 220.000
assassinatos, 25.007 desaparecidos, 27.023 sequestrados e 5,7 milhões
de deslocados entre 1958 e 2012.
O
governo respalda a comissão proposta pelas FARC, porém quer que
seja integrada após o desarmamento do grupo, que, segundo as
autoridades, conta com uns 8.000 combatentes, ainda que este assegure
que a cifra é superior.
Não
a um acordo que implique prisão
As
FARC descartaram, por outra parte, firmar um acordo de paz que
implique a prisão para seus comandantes, condenados à revelia por
múltiplos crimes, incluídos os de lesa-humanidade, que não
prescrevem.
“Não
vão encontrar as FARC subscrevendo o fim do conflito e vendo seus
dirigentes na prisão. Eu caminhei livremente desde a fronteira
equatoriana às fronteiras brasileira e venezuelana e ninguém me
capturou. Vamos renunciar a essa liberdade que nos dá nossa
capacidade militar para terminar encarcerados?”, questionou París,
um licenciado em ciências sociais que se alistou nas FARC há três
décadas.
Santos
sacou adiante uma reforma constitucional que permite a suspensão das
penas aos rebeldes que se desmobilizem e sua participação em
política; porém, ao avalizar este mecanismo de justiça
transicional, a Corte Constitucional esclareceu que, para aplicá-lo,
se deverá investigar os delitos de lesa-humanidade ou crimes de
guerra cometidos de maneira sistemática e imputar os seus máximos
responsáveis.
É
necessário construir normas de trânsito da confrontação armada à
participação política, porém essa juridicidade deve emanar da
mesa, não de tratados internacionais que vêm impondo-se como
conceito neste mundo unipolar”, afirmou París, destacando que o
grupo não pode aceitar normas de submissão porque “não foi
derrotado”.
“Pode-se
inventar muitas leis que podem impedir o acordo, porém a solução
do conflito é política”, remarcou.
“Santos
utiliza o diálogo para sua reeleição”
Os
negociadores acusaram, no entanto, Santos de utilizar o diálogo de
paz para impulsionar sua campanha pela reeleição nos comícios do
próximo 25 de maio, frente aos quais o mandatário de centro direita
lidera as pesquisas, porém sem uma vantagem clara.
“Se
vê nesse otimismo rampante do presidente de utilizar a mesa de
diálogo para sua reeleição. Não temos compromissos eleitorais com
nenhum candidato, pensamos que o processo de paz é muito mais
importante, transcende no tempo e nos anseios dos colombianos”,
afirmou París, enquanto Rondón expressou que as FARC estão
dispostas a seguir negociando com qualquer dos aspirantes que resulte
vencedor.
“Nosso
candidato será a assembleia nacional constituinte, que terá que ser
o mecanismo ratificador dos acordos para o fim do conflito e uma paz
duradoura”, enfatizou París.
Preparados
por igual para a política ou a guerra
Na
iminência de cumprir 50 anos de luta contra o Estado, a 27 de maio,
as FARC asseguram estar preparadas para converter-se num movimento
político, porém também para continuar uma guerra que deixa,
ademais, milhares de mutilados e no meio da qual sofreram os piores
golpes nos últimos anos.
“Estamos
em condições de arrancar do estabelecimento soluções políticas
se é que toca, ou estamos em condições de prolongar a luta
guerrilheira por tempo indefinido se não se chega a acordos
substanciais que tragam a paz com justiça social”, manifestou
Rondón, um ex-vereador da União Patriótica que se refugiou na
guerrilha em meio ao extermínio, nos anos 1980, de uns 3.000
militantes desse partido por parte de paramilitares e forças de
segurança do Estado.