"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 23 de maio de 2014

VENEZUELA: Cidade Socialista Juan Pablo Peñaloza, o tempo da organização popular


por Marco Teruggi
(desde Venezuela para Resumen Latinoamericano)

Eliel García está de pé sobre uma ladeira andina. Atrás dele dois homens aram com um boi. O céu pesa sobre os chapéus. Na frente dele crescem morangos e amoras, um rio caído de uma laguna. Eliel conta sua história, que é a de muitos. Uma história com as mãos abertas sobre a manhã, afundadas na terra.

Ele é originário deste lugar, de Táchira, desta mesma montanha da qual se foi há vários anos a trabalhar na cidade, para depois regressar para organizar, com um projeto coletivo. Assim se fez –elegeram-no- porta-voz do Parlamento Comunal deste ensaio, esta realidade construída: a Cidade Socialista Juan Pablo Peñaloza.
Também é militante da Corrente Revolucionária Bolívar e Zamora, o movimento social e político que impulsionou esta experiência. A Corrente que, explica Eliel, “não vai na frente nem atrás, mas sim ao lado do povo, acompanhando-o, formando, ajudando, mobilizando”.

O primeiro a começar o trabalho de organização nesta zona foi Eduardo Cifuentes, um homem que trouxe a experiência acumulada na Cidade Comunal Campesina Socialista Simón Bolívar, situada no alto Apure, a primeira das três cidades socialistas impulsionadas pela Corrente no país.

Quando chegamos em 2008 encontramos uma paróquia onde a direita tinha espaço, onde eleitoralmente se perdia de 60 a 40. Hoje em dia, nas últimas eleições de 14 de abril, a Revolução ganhou de 75 a 25”, conta com sua filha nos braços, nascida em Juan Pablo Peñaloza.

Desde então se construíram as cinco comunas que compõem Juan Pablo Peñaloza, integradas por 19 conselhos comunais que agrupam um total de 1000 famílias. “Por aí vai o incômodo, ainda que nos digam que a lei não está, nós começamos com os conselhos comunais e a lei não estava, depois com as comunas e tampouco estava”, explica Eliel. “Se nos equivocamos, fazemos com o povo, não dentro de um gabinete”, acrescenta. Por trás dele, o arado continua seu avanço lento e obstinado.

Um passo no caminho

Primeiro, os conselhos comunais. Depois, as comunas. Agora, uma cidade socialista. Cada instância de organização popular –e sua agregação- está pensada num sentido: o Estado Comunal, o novo Estado projetado para substituir o atual, capitalista. Assim o descreve Eliel, nomeando o Plano da Pátria, o plano de governo para o ciclo 2013-2019 que, em sua apresentação, indica que se deve: “Pulverizar completamente a forma Estado-burguesa que herdamos, a que ainda se reproduz através de suas velhas e nefastas práticas, e dar continuidade à invenção de novas formas de gestão política”.

A nova institucionalidade, então, com ensaios, erros e acertos, que se cria –e recria-, entre muitos. Ali onde o governo comunal deve reger. Esse é o horizonte que atravessa os projetos e as práticas da Cidade Socialista, o sentido com o qual se dão os passos, e se compôs cada comuna, “que é tão importante para o socialismo como para a água para o ser humano”, no dizer de Eduardo.

Por isso falam de autogoverno, e buscam dar-lhe forma, dar-lhe vida nas comunidades. “Quando a Cidade Comunal se compõe, ao mesmo tempo em que se ia dando o processo das comunas, se arma o autogoverno. Ainda não existia a Lei das Comunas, o autogoverno era um porta-voz por cada conselho comunal e esse era o autogoverno da Cidade Comunal. Depois, aparece a Lei das Comunas e se lhe nomeia Parlamento Comunal”.

Isso, Yanina Settembrino explica. Ela é argentina. Antes de continuar falando, explica: “A Revolução Bolivariana tem a ver não somente com um projeto venezuelano, senão que também abriu a condição de possibilidade para todos os latino-americanos”.

O autogoverno é a prática que deve ser transversal em toda a Cidade Socialista. Em cada uma de suas instâncias. Desde esse olhar da Corrente, o órgão principal de decisão deve ser a assembleia de cidadãos e cidadãs de cada conselho comunal, enquanto o Parlamento Comunal deve ser mais uma instância de articulação do que de tomada de decisão.

Com o tempo de aprendizagem coletiva, conseguiram avançar nessa direção, como explica Yanina: “Buscamos que exista um autogoverno que possa decidir, que leve a vozaria de 1000 famílias para executar a política pública. Aqui não chegam funcionários sem que o Parlamento esteja informado, não chegam recursos sem que se discuta na comunidade”. O caminho para isso tem uma direção: de baixo pra cima.

Consolidando a economia comunal e campesina

Nas montanhas de Táchira a maioria dos habitantes é composta de campesinos, produtores. Muitos, como Eliel, durante décadas emigraram para buscar trabalho. Assim povoaram morros de Caracas e das grandes cidades do país. Poucos regressaram. Por isso, entre os projetos principais da Cidade Socialista existe uma necessidade transversal: a produção e a distribuição de alimentos.
Para debater cada um dos projetos, foram realizadas mesas de trabalho. Delas nasceram duas reivindicações que se tornaram conquistas: o primeiro Agropatria Comunal do país, e a instalação de uma Empresa de Propriedade Socialista, o Centro de
Armazenamento e Distribuição.

Duas ferramentas para responder as necessidades centrais dos campesinos: conseguir os insumos para produzir –vendidos através do Agropatria-, e a possibilidade de avançar para um sistema de distribuição organizado coletivamente, que possa terminar com o problema dos intermediários. Duas instâncias para avançar na autogestão, na independência comunal do Estado existente.

Com o Agropatria Comunal são os próprios produtores quem atendem aos produtores -992 no total-, e o conselho comunal é quem lhes faz seguimento”, explica Eliel. Quanto à perspectiva do Centro de Armazenamento e Distribuição, que em breve começará a funcionar, Eduardo explica que este deverá ter “um desenvolvimento produtivo endógeno, como falava o Comandante [Hugo Chávez] em 2006, a EPS tem que gerar seu excedente para o próprio sustento de seu espaço territorial e, depois que consigam consolidar seu espaço territorial, expandir-se para outras comunas, cidades comunais”.

Ademais desses dois pilares, a Cidade Socialista conseguiu outro projeto importante: o outorgamento de 100 casas. Javier Mauricio Valderrama, porta-voz do Parlamento e beneficiário de uma delas, conta com foi o processo: “Se fizeram assembleias nos conselhos comunais e nas comunas e se buscou as pessoas mais necessitadas; depois se discutiu no Parlamento Comunal”.

Isto, ele narra sentado numa plataforma de morangos com seu filho sobre os joelhos, e destaca: “Nós mesmos vamos executar [o projeto], como beneficiários”. Resolver as demandas –a dívida histórica- com protagonismo popular em cada uma das discussões, decisões e execuções, essa é a folha de rota da Cidade Comunal.

Até onde?

Autogoverno, empoderamento, governo comunal, protagonismo popular são palavras que formam parte do léxico cotidiano da Cidade Socialista. Para conquistá-lo –isto é, dar corpo e massividade a essas ideias- recorreram a uma ferramenta que definem como imprescindível: a formação política.

Para isso levam adiante, em outras instâncias, a Escola Nacional de Formação de Comuneiros e Comuneiras Oligarcas Tremei. “Trabalhamos com a metodologia da educação popular, todas as pessoas têm direito de opinar, de explicar seu pensamento”, explica María Ochoa. Ela é facilitadora da escola, e militante da Corrente Revolucionária.

Assim, ao cair a noite envolvida em neblina, são dezenas de comuneiros e comuneiras, jovens e adultos, os que, depois de uma jornada de trabalho, se aproximam das 3 escolas onde se desenvolve simultaneamente a formação. “O povo diz que a cada dia quer aprender um pouco mais sobre o processo revolucionário”, conta María antes de entrar na sala para refletir, nesse dia, sobre o poder popular socialista.

Mais, essa é então a estratégia. Assim fundaram conselhos comunais, comunas e este novo passo: uma cidade socialista. Que segue? Até onde? Como continuar depois das ciudades socialistas? Seguirão os comuneiros e as comuneiras de Juan Pablo Peñaloza ao ritmo da organização popular sem importar as leis? Repetirão novamente com o poeta Juan Gelman: “Quem disse alguma vez: até aqui o homem, até aqui não?”?

Por isso fazem. A cada dia. Para ir para mais, sustentando nas mãos esse horizonte de Estado Comunal e avançar criando, sendo governo –“o que manda desde baixo, obedecendo”-, como diz Yanina. Então, talvez algum dia a história marque “até aqui”. E nessa hora o povo dirá, esse povo empoderado do qual forma parte Eliel, que acrescenta antes de partir, “isto se começa, porém nunca se termina”, deixando a montanha só com o ruído do arado.

Tradução: Joaquim Lisboa Neto