Até onde vai Pinchado?
[Por Maureén Maya Sierra, tomado de Indymedia.com]
Os pequenos homens da história sempre lucram em tempos de horror, mas os grandes são os que desafiam seu tempo e conseguem com sua voz e senso comum, mostrar a verdade dos acontecimentos em sua vasta dimensão.
A tragédia do seqüestro, continua sendo lucrativa para quem consegue escapar dele. A fuga do atual ministro de Relações Exteriores, Fernando Araújo, cuja liberação aconteceu assim que prescreveu o processo que se seguia contra ele pelo caso de Chambacu, sem que tenha ficado claro se de fato tratou-se de uma oportuna e coincidente fuga ou se sua família pagou pelo resgate, se soma agora à milagrosa e manipulada saída do agente Pinchado.
Chegou choroso ao batalhão militar, pouco durou nos braços de sua família, e contou com lágrimas nos olhos como esses terroristas das FARC o tinham encarcerado, inclusive encenou a cadeia podre como símbolo imortal de liberação, contou sobre seu plano de fuga com Ingrid Betancourt e com Luis Eladio Pérez, a preparação, os alimentos e no final uma acalorada disputa entre Betancourt e Pérez, lhe permitiu sua ida triunfal, sozinho, sobrevivento 17 dias na floresta, sem maior alimento, mas esse sim, fortemente nutrido pela ânsia de liberdade, o ideal do alegre reencontro com os seus e a proteção desse ser todo-poderoso ao que confessamos todos os nossos pesares. Chorou diante da televisão, diante do Presidente, diante de todo o país e todo o mundo acreditou. Em um princípio, ainda que não deixasse escapar expressões de estranheza diante de seu relato, muitos sussurros quase na ponta da língua, para evitar ferozes incriminações em defesa da dor alheia e seu direito à manifestação ou para evitar acusações de amizade ou simpatia com o terrorismo.
Agora se sabe que Pinchado não esteve 17 dias na selva, mas 4, o resto do tempo estava sendo doutrinado pelas Forças Armadas, que foram alertadas sobre seu escape, sabemos que no sítio relatado por ele não se encontrou nenhum seqüestrado, nem cadeias deixadas em um audacioso plano de fuga, mas sim acharam sinais de que um acampamento guerrilheiro esteve ali; sabemos que sua vida mudou da água pro vinho, -o seqüestro muda a vida das pessoas, e sua fuga, sem dúvida, também-, e sabemos que graças à sua heróica ação, converteu-se no melhor troféu para o atual governo, o novo cavalinho de batalha de Álvaro Uribe para legitimar essa nefasta guerra pessoal contra as FARC, para defender seu cambaleante processo com as auto-defesas, para justificar suas futuras ações contra toda norma do DIH e a não aplicação de uma justiça exemplar para os políticos e militares associados ao paramilitarismo, começando por ele e sua família, e por isso agora, Pinchado recebe milhões de pesos por falar e relatar uma e outra vez o terrível de sua experiência, é ensinado como um símio de laboratório e habilmente explorado pelo presidente Uribe. Cobra e ganha o que em sua vida jamais tinha sonhado em receber. Se dá ao luxo de impor condições a quem o deseja entrevistar, inclusive muitos familiares de outros seqüestrados, não conseguiram acesso a ele, mesmo já tendo passado várias semanas desde sua liberação.
Rico e famoso; seguramente sonha em ser, ou quem sabe acredita que já o é em razão da atenção prestada pela mídia e pelos políticos, ou isso lhe foi oferecido pelo governo nacional para que difame as FARC e as exponha ao mundo como um agrupamento terrorista e criminal, que tem seqüestrado dezenas de civis e agentes da ordem nas espessas selvas com um tratamento similar ao que recebiam os escravos no tempo da guerra de secessão ou quem sabe pior. Escravo desde o ventre chama Uribe de Emanuel, o filho de Clara Rojas, nascido em cativeiro, com fins meramente políticos, não sei bem então como chamará os filhos das detidas em todas essas centenas de cárceres desumanas e infames que existem em todo o país. Saiu muito rentável o seqüestro a Pinchado, e ao governo sua fuga, não há dúvida, que se não fosse por isso, ninguém o conheceria hoje, seguramente haveria sido um soldadinho mutilado a mais, abandonado pelo mesmo Estado que havia jurado defender, mais uma vítima em meio a esta guerra doentia, quem sabe humilhado e corrompido com a grande maioria, mas hoje graças ao seu seqüestro, que nada nega é uma experiência aterradora, infame e alheia a todo princípio de humanidade, é uma figura destacada no país, o novo peão do presidente Uribe.
Todas estas estratégias de manipulação, Colômbia conhece bem, ainda que tenhamos que reconhecer que Uribe tem sido o campeão. Têm sido tantas as formas usadas e por tantos ao longo da história de nossa pátria, que já poucos caem na conversa de vender sua posição por um mal representado teatro de solidariedade, humanidade e repúdio ao que dentro do midiatismo virtual nos vendem como abjetos enquanto se escondem coisas muito piores cometidas pelo próprio Estado colombiano.
O mapa político se rompe, Uribe joga com nossa tragédia, lucra com ela, se sustenta e inventa mil formas sórdidas para perpetuar-se no poder. Ainda assim, seguimos escrevendo a história dia a dia, desde as comunidades marginalizadas, desde as vozes à ponta de facão e motoserras silenciadas, a partir das lutas que com tenacidade e valor assumem as organizações sociais, e tenhamos a absoluta certeza, que o que vivemos hoje não passará desapercebido para a história do país; que a escrevam amanhã os lacaios do regime não garantirá que depois de amanhã não se conhecerá com detalhes toda a verdade e que os responsáveis pela decadência e a perpetuação do horror e da impunidade, sejam duramente castigados pela história – oxalá pela justiça também-, inclusive os títeres sofridos, que como Pinchado, jogam com o imediato, no lucro pessoal, sem o menor compromisso com a grandeza nacional. Mas claro, é natural, se trata de um soldadinho a mais abandonado na selva colombiana, de mais um com a vida suspensa durante mais de seis anos de cativeiro, não se pode pedir a ele nada superior, mas a opinião sim. Muito mais.