"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sábado, 2 de junho de 2007

Um pouco de gelo contra a Monsanto

César Jerez nos fala de sua experiência de campo sobre as fumigações com Glifosato em Magdalena Médio e a proposta dos camponeses de Cimitarra de inverter o gasto em Glifosato, aviões, etc, em um povoado, uma espécie de Macondo, depois de sua segunda oportunidade sobre a terra, com casas dignas, água potável, eletricidade, escola, postos de saúde, telefone, biblioteca e gelo, rodeada de projetos produtivos onde trabalharam os cultivadores da coca, “porque a coca se substitui com inversão social”.


Assassinos... Vietnã... Nicarágua... Colômbia...


[Por César Jerez]
http://www.prensarural.org/spip/spip.php?auteur9


Artigo publicado na revista La Marcha, publicação da Associação Camponesa do Valle do rio Cimitarra, número 4, abril de 2007.


Um Paraíso fumigado.


É um dia ensolarado e tranqüilo na vereda El Paraíso, nas mediações da Serra de San Lucas. Os habitantes do vilarejo estão em suas casas, sentados tomando ar fresco, descansando nas redes ou conversando entre eles, como quem espera que o tempo passe, apenas isso.


A pausa é interrompida pelo ruído de motores, quatro silhuetas escuras aparecem num ponto distante no horizonte. Um dos aviões se separa do grupo e toma o rumo da vila, perde altura e solta sobre ela sua primeira chuva de glifosato. Antes de poder tomar altura de novo passa muito perto das casas. Os camponeses se preocupam, as mulheres abrigam-se com suas crianças em suas casinhas de madeira. Sabem que as coisas podem piorar.


Um guerrilheiro atravessa a vila, correndo da parte alta e se dirige ao sítio recém fumigado. É jovem porém consciente de que terá uma segunda oportunidade. Toma posição sobre o valezinho que está abaixo, tem um facão com uma bainha de couro, uma pistola, com munição e um fuzil, em seu uniforme verde uma logo com seis letras leva a sigla: FARC-EP. Espera pacientemente enquanto o avião completa a manobra. O aparato desce e o rapaz descarrega a AK-47. Escutam-se gritos de medo nas casas, as balas acabam. O avião da DynCorp deixa em seu rastro uma anormal nuvem negra de fumaça e sai rumo à cidade.


O guerrilheiro celebra com um “lhe dei” e rapidamente corre para a montanha. Uma guerrilheira vai atrás dele em busca de seus companheiros. Sabem com certeza que as coisas vão piorar. Em poucos minutos os helicópteros do Exército inundam com o estrondo dos motores e as rajadas de metralhadora a paisagem. Começa o combate no meio do tapete verde da selva e um esplêndido céu azul. Nas casas nem todos cabem debaixo das camas, busca-se um refúgio inexistente e os corações se aceleram com o ruído da guerra.


O avião escoltado se aproxima da cidade de Barrancabermeja, passa sobre o rio Magdalena e a refinaria da Ecopetrol. Do edifício de La Tora pode-se ver a silhueta do avião onde vai o desesperado piloto gringo pedindo pista de emergência ao aeroporto Yariguíes, na fuselagem, as cores da bandeira dos Estados Unidos estavam interrompidas por uma mancha negra.


Aos tribunais


Longe do Paraíso, em Cacarica, no baixo Atrato chocoano, acaba a audiência sobre a biodiversidade do Tribunal Permanente dos Povos. Lá falaram do que aconteceu em Paraíso e ocorre em toda Colômbia em particular.


“A empresa multinacional Monsanto foi acusada de administrar sem sentido ético nem responsabilidade legal o componente Round-up ultra para aplicação aérea no programa de erradicação de cultivos de uso ilícito com glifosato, aplicado desde 1984 e convertido na estratégia principal do Plano Colômbia implementado conjuntamente pelo Estado da Colômbia e os Estados Unidos da América; por cumplicidade flagrante e a consciência na violação do artigo 14 do Protocolo 1 de Genebra que proíbe como método de combate causar a fome em civis e atacar bens indispensáveis para a sobrevivência da população civil como artigos alimentícios, colheitas, gado, reservas de água potável e as obras de irrigação; por vender ao governo da Colômbia com recursos do governo dos Estados Unidos substâncias tóxicas frequentemente utilizadas como arma de guerra convertendo-se em cúmplice de uma guerra química contra a população civil; por violação de normas internacionais que obrigam entidades estatais e seus consórcios privados a proteger e respeitar a biodiversidade e o meio ambiente, como o Convênio de Biodiversidade Biológica, a Convenção Ramsar sobre zonas húmidas e a convenção 169 da OIT sobre direitos dos povos indígenas e demais comunidades étnicas; por omissão frente as conseqüências humanitárias, sociais e territoriais produto das ações de fumigações de áreas massivas e indiscriminadas que utilizam substâncias produzidas por essa multinacional”.


“A empresa multinacional Dyncorp foi acusada de gerar guerra e instabilidade política e de obter lucro alimentando conflitos, e prestar seus serviços em prol deles; beneficiar-se do mercenarismo que promove e propicia a deterioração das condições de vida da população que padece a militarização, a perda de milhares de vidas e com elas o delicado tecido social ao qual pertencem; a destruição de recursos naturais; a perda de valores de humanidade em termos culturais e ecológicos; propiciar graves crises humanitárias e ignominiosas crises alimentares; a perda de bens da população civil, a vulnerabilidade da dignidade humana; a destruição e a dor. É responsabilizada por violações aos direitos humanos contra comunidades colombianas e também equatorianas que sofrem os impactos de sua atividade empresarial, todas elas, graves afrontas contra a humanidade; executar uma política deliberada de violação dos direitos humanos, formulada pelo governo dos Estados Unidos e acatada pelo governo da Colômbia”.


Um paradoxo; A má fama da Monsanto


Uma notícia da Monsanto Company anuncia que Jhon Franz, inventor do glifosato, será imortalizado brevemente na galeria da fama de inventores nos Estados Unidos. “O Doutor Joh Franz se une a nomes como os de Eli Whitney, John Deere e George Washington Carver por avanços tecnológicos na agricultura”.


Em 1970 John Franz descobriu que um componente químico, que mais tarde se chamaria glifosato, tinha a habilidade incrível de poder bloquear o crescimento das plantas. Graças ao seu descobrimento, o glifosato se converteu no componente ativo dos herbicidas Roundup. A Monsanto assegura que “hoje em dia são os herbicidas mais eficazes e vendidos no mundo”. Além disso asseguram que “é ambientalmente inócuo”, afirmação que foi refutada cientificamente em todo o mundo.


Inversão social no lugar de armas e glifosato


Em 2001, durante uma reunião na sede da Policia Nacional em Bogotá, tratando tolamente de evitar as fumigações no Valle do Rio Cimitarra, o diretor da Polícia anti-narcóticos, acompanhado dos funcionários da oficina de entorpecentes e membros da embaixada dos Estados Unidos que tomavam nota de cada palavra nossa e que se apresentaram como da USAID, nos mostraram três livros enormes de estudos ambientais da agência ambiental gringa (U.S. Enviromental Protection Agency – EPA), os que segundo eles demonstravam que o glifosato era totalmente inócuo.


Gilberto Guerra, coordenador da ACVC, lhes comunicou que na região existiam 1.500 hectares de coca e lhes propôs investir o dinheiro do glifosato, do custo dos aviões, helicópteros e operações militares em uma aldeia comunitária de substituição de cultivos de coca, uma espécie de Macondo depois de sua segunda oportunidade sobre a terra, com casas dignas, água potável, eletricidade, escola, postos de saúde, telefone, biblioteca e gelo, rodeada de projetos produtivos onde trabalharam os cultivadores da coca, “porque a coca se substitui com inversão social”, lhes disse.


Os funcionários prometeram a ele estudar o projeto de aldeia comunitária e agendar uma próxima reunião sobre o tema, enquanto tanto nos solicitaram falar com a guerrilha para permitir fotografar em condições de segurança os cultivos de coca, e assim verificar a existência dos 1.500 hectares, dado do qual duvidavam, dizendo que, segundo as fotografias de satélites, eram muitos mais.


Passaram-se os anos e a Zona de Reserva Camponesa do Valle do Rio Cimitarra tem suportado seis fumigações, uma cada ano. Muito dinheiro foi gasto na tentativa de acabar com a coca pela força. Dos 1.500 hectares de 2001 passamos para não se sabe quantos hectares mas são muitos mais. Tampouco se sabe a ciência certa sobre quem ganhou a batalha entre os que reprimem e os camponeses que semeiam coca por necessidade e sem alternativa. Uma coisa está clara nas cabeças do campesinato: assim não se soluciona o problema.


Em Puerto Matilde, nossa aldeia comunitária, há poucas casas, mas são dignas, construídas com ladrilho, madeira e tetos de zinco. Há água potável, esgoto, um telefone, a escola “Nelcy Cuesta”, uma casa para os acompanhantes internacionais, um trapiche, uma padaria. Não há eletricidade.


Os búfalos de criação saem de seus pastos e passeiam mansos pela vila até o Rio Cimitarra, onde refrescam-se nas tardes de verão, quando faz muito calor e dá muita sede. É quando então a gente sente falta de um pouco de gelo de Macondo, para refrigerar-se por dentro e manter fresca a esperança.



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