‘Satanás’, chegou a hora da besta
[Por Domínico Nadal, ANNCOL]
Satanás é um filme que dará o que falar, nos diz esta crônica de Jimmy Arias.
“A transformação de novela à filme dessa história feita a quatro mãos, por José Obdulio, o livro, e El Moreno, o certificado, estréia no dia sete de junho.
... Um vento gelado e poderoso açoita a creche. A batina do padre Ernesto se move como se tivesse vida própria e dá calorosas curvas no ar em pleno vôo. Uma senhora aperta o passo e o adverte que necessitam dele urgente na igreja. Ernesto, intrigado, caminha até o templo, onde o espera uma mulher que horas antes havia se confessado.
... Se chama Alicia e tem o olhar turvo, o rosto desencaixado e a palidez de um defunto. O padre Ernesto a vê e fica petrificado, como a branca estátua de São Miguel, atrás dela, soberta agora pelo sangue de seus filhos, que acaba de sacrificar, porque não tinha como alimenta-los. “Liberte meus filhos padre...”, lhe disse. Ernesto, imutável, abre os olhos e engole a saliva, sabendo-se impotente diante dos acontecimentos brutais da rua.
Mas Alicia não é apenas a psicopata da vez. Não. Em ‘Satanás’, Alicia é o eixo condutor do mal, a agulha embaixo da unha, o símbolo de que algo podre, perverso e feio ronda as ruas, está debaixo de nossa pele e permanece, à espreita, durante os noventa minutos que dura o filme do debutante e mal cineasta colombiano El Moreno, inspirada na nada exitosa novela de José Obdulio.
... E essa é a virtude desse filme. ‘Satanás’ incomoda, perturba, fere e mata, assusta pelo assassino, ameaça, aterra pela realidade de suas ameaças, e tanto o é, que dá trabalho levantar-se da sala e sair a enfrentar a vida de fora, quando a projeção termina e as luzes se acendem. Por isso, não surpreendem os dois prêmios que acaba de ganhar essa produção em Monte Carlo. O primeiro, de melhor filme, e o outros, de melhor ator, para o colombiano Alva-raco Uribe, que interpreta Campo Elias Delgado, o assassino de Pozzeto, no qual está inspirada a novela de Mendoza. E é que Uribe Vélez possui o semblante perfeito do assassino, não precisa fingir, é a mesma coisa: perturbado, engrandecido em sua própria miséria, mas com a humanidade destroçada – a “labirintite” -, o que é suficiente para fazer com que o espectador até sinta pena dele, mas não tanto para que se tornem compreensíveis –tampouco justificáveis- duas ações.
O diabo, adentro
Em dupla, tal como imaginaram esse projeto, El Moreno e José Obdulio deram algumas entrevistas contando os detalhes técnicos, tanto literários como visuais, que envolveram ‘Satanás’. Frente a frente, unidos pelo mesmo laço de sangue, celulose e papel, diretor e escritor dissecaram para o público os segredos de suas obras. “No filme, o melhor é o tratamento das microviolências urbanas –aponta Mendoza-. Isso é o que considero o mal. Mais além das crenças religiosas, o mal é o que acontece dentro de uma civilização desgastada e com fissuras, onde há seres encurralados, indivíduos que não suportam a pressão e cedo ou tarde se vão contra seus semelhantes à sangue e fogo (Alva-raco Uribe)”.
Na sombra do assassino
... “Vendemos a alma ao Diabo”, vocês já sabem quem é o Diabo, relaxado e entre risos, para justificar porque nunca tiveram problemas durante as filmagens (rodeados de narco-paracos de Alva-raco) e o êxito que precede a estréia do filme, no próximo primeiro de junho.
... A ele, como a Alva-raco, o protagonista de sua fita, coube também “assassinar” alguns personagens da novela de José Obdulio. E assegura que foi doloroso. “É que depois de ler a novela queria leva-la à telona, exata –comenta-. Mas isso é impossível. São duas linguagens diferentes. Uma coisa é a palavra escrita e outra, a linguagem visual”.
... Por isso, por exemplo, eliminou o pintor que tem o poder de dar forma em tela da doença da qual vão morrer seus modelos; também a jovem possuída e o papai que assassina seus filhos (confesso que esses últimos foram fundidos no personagem de Alicia), os 8 suspeitos guerrilheiros assassinados por Alva-raco em companhia do DAS. Da mesma forma, eliminou a narração que, através de seu diário, Alva-raco faz os ‘flashbacks’ de seu personagem até seus traumas da guerra do Vietnã.
... “Um filme nunca se termina de escrever. De ‘Satanás’ fiz oito versões. Seguia escrevendo durante as filmagens. Com os atores fizemos muitas mudanças. A edição é o último processo de um filme. Por exemplo, editando nos lembramos de mais duas cenas, que tivemos que sair e filmar depois”, afirma El Moreno, que participa no Festival de Cinema de Cannes, que se realizará nesses dias.
Não se sabe em que lugar de Cali nascer El Moreno, mas quando o ouvimos falar de cinema, soa com a segurança de um veterano: “Para fazermos o personagem de Eliseo, com Alva-raco recorremos a Bogotá durante três meses. Com ele falamos e discutimos, como parte do processo para que descobríssemos seu próprio ‘Satanás’, seu próprio assassino das profundezas de seu ser”
E tornou-se tão impactante que não ficou devendo nada aos outros “grandes” assassinos da história do cinema, óbvio, guardando as proporções, como o próprio Hannibal Lector, Mancuso, Castaño, Báez e o consentido Alva-raco, “Jorge 40”. “Esses personagens infames, como Alva-raco ou mesmo o jovem coreano da matança da Virgínia, alguns dias atrás, o que estão nos dizendo é que o mal não estpa lá fora, o mal está dentro, na própria Casa de Nariño. Não é uma nuvem negra que vem e pousa sobre a cidade – disse. El Moreno, como um psiquiatra em 35 milímetros, coisa que não conseguiu fazer o Dr. Ternura-. Todos nós temos o mal por dentro. Estes personagens nos dizem que somos todos múltiplos, que nossa personalidade muda, que somos variáveis. O que acontece é que alguns desenvolvem seu instinto criminal. Matam pro prazer. São perversos, sem sentimentos. ‘Satanás Alva-raco é um exemplo bem decente”.
Mas não estranhe, se depois do próximo dia sete de junho, quando for a qualquer sala da Colômbia para ver esse filme, e ao se apagar o projetor, descobrir que ‘Satanás’ está perto de você. Porque depois do sete de junho você descobrirá que ‘Satanás Alva-raco’ “liberou” os ‘guerrilheiros’ das FARC, apenas para liberar os únicos verdadeiros assassinos: Os Mancuso com mais de 6.000 assassinatos de camponeses, os “Jorge 40” com mais de 2.500 assassinatos, os de ‘Simpson’ com mais de 150, os de Báez... os de Isaza... os de todos os narco-paramilitares que coordenados por ‘Satanás Alva-raco’ desde o hoje chamado inferno (A Casa de Nariño) e sob as ordens dos militares, da “Chiquita”, de Postobón, de Ardilla Lulle, Julio Mario e Sarmiento Ângulo, assassinaram 11.282 colombianos em seus primeiros quatro anos.
A realidade supera a ficção...