Santa Marta: Que se levante o espírito do Libertador!
[26.3.2004 (Publicado por ANNCOL)]
Santa Marta, a bela capital do Estado [departamento] do Magdalena, se converteu no espelho em que devemos mirar-nos os colombianos para analisar a política que o Império estadunidense e seu fiel vassalo Uribe Vélez, promovem em Colômbia. A pérola do Caribe, segundo o qualificativo dado pelo Libertador Simón Bolívar, sofreu, no passado, as manifestações da violência para impor um modelo econômico e político. E, ainda hoje, segue sofrendo.
A bonança da maconha
Na década dos 70´s sofreu a violência que trouxe a bonança da maconha, exercida sobretudo pelos narcotraficantes guajiros (nascidos na Guajira) e alguns outros de outras regiões. Nessa época não era infreqüente morrer indefesamente em meio de um tiroteio protagonizado por facções rivais de narcotraficantes. "É estar no lugar equivocado, no momento equivocado", diziam. Quem não recorda, em Santa Marta, os tiroteios, os mortos e os ataques com bombas que protagonizavam os Valdeblánquez contra os Cárdenas, e vice-versa, que, paradoxalmente, eram primos entre eles e que iniciaram sua guerra por questões de saias. Na Serra Nevada, a imensa e única montanha do litoral de tais dimensões que beija o mar, a qual tem uma superfície de 383 mil hectares e possui desde o clima tórrido ao nível do mar até as neves perpétuas dos picos Cristóbal Colón e Simón Bolívar ( 5.778 e 5.775 m.s.n.m., respectivamente), os cultivadores da "erva" sofriam os abusos dos narcotraficantes. Assassinados, violadas suas mulheres e filhas, roubados seus poucos pertences e suas colheitas, os campesinos se arriscavam a semear a "erva maldita" com a esperança de uma boa venda que melhorasse sua sacrificada vida desmatando montanha.
"Adán Izquierdo", o moreno costeiro
Triste vida sujeita ao azar traiçoeiro dos capos do negócio. Até que chegou a guerrilha das FARC-EP e disse: não mais!!! E, à ponta de chumbo, se fez respeitar pelos narcotraficantes e estabeleceu regras de jogo que tiveram que aceitar pela forças das armas. Os campesinos viram nas FARC seu exército salvador e acolheram com carinho a seus comandantes, em especial ao inefável Adán Izquierdo, um moreno costeiro de gargalhada franca e grande firmeza revolucionária. "Todo aquele que abuse, de uma forma ou outra, dos campesinos terá que ver conosco", foi a palavra de ordem, ainda recordam os mais velhos.
Narcotraficantes financiadores dos políticos
Os dólares do narcotráfico começavam a chegar aos montões e era tal sua quantidade que, ante a impossibilidade de contá-los, pesavam-nos nas taleigas militares que chegavam. Um quilo são tantos milhares de dólares, um milhão são tantos quilos. E se acreditaram os donos do mundo. Compravam tudo. "Quanto custa sua casa, 3 milhões?". " – Tenha 6 milhões, porém, se mande agora mesmo!" " – Quanto custa este hotel?" " – Tanto." " – Tenha tanto e suma." E havia que tomar o dinheiro e desaparecer deixando tudo, roupa, lembranças, porque, ou se não te matavam! Andavam em camionetes Ford, as famosas Ranger, a toda velocidade e cuidado lhes reclamavas porquê te colocavam uma nove milímetros na têmpora. "A quem lhe reclamas H.P.?" Compraram tudo, até os políticos, e aos juízes, a todo mundo que necessitavam comprar. Nessa época ainda se via o fenômeno como algo aceitável. Erigiram-se no poder real.
Quem não se lembra do famoso "Maracas"? Ou do magnânimo "Lucho Barranquilla", que comprou um supermercado para que fossem todos os dias os pobres por seu "mercado"? Ou os famosos capitão" Blatt e sua esposa Ubida Pitre? Ou a Lisímaco Peralta, que até o nomeavam numa famosa canção vallenata? Os políticos eram seus amigos ou mandadeiros. Quem não sabe dos laços de Edgardo Vives Campo com "Maracas"? Os narcotraficantes ou "emergentes" eram os financiadores dos políticos e alguns até incursionaram na arena política. Porém, a maconha deixou de ser comercial porque já os gringos a semeavam em seu país. Já não havia demanda, pois tinha que morrer a oferta.
E o negócio passou a ser a coca, porém, já o Cartel de Medellín o controlava e a semeava noutra parte do país, ou trazia a pasta base do estrangeiro. E Santa Marta acreditou que poderia viver em Paz. Quão equivocados estavam! Seu desígnio é padecer. Desgraçadamente, tem alguns filhos nefastos. Já nos anos oitenta começa a implementar-se o projeto paramilitar na Colômbia. São conhecidos os esforços do General Farouk Janine Díaz desde Puerto Boyacá para desenvolver o paramilitarismo como projeto contra insurgente. E em Santa Marta existiam os elementos necessários para desenvolvê-lo. § Uma classe política disposta a defender seu status a como desse lugar, já que ela também era "oligarca" ou dos "velhos ricos". § Dinheiros provenientes do narcotráfico que ainda circulavam e narcotraficantes, velhos e novos, dispostos a "ajudar" as forças da ordem em troca de impunidade. § E o elemento militar disposto a desenvolver em toda sua plenitude os postulados da Doutrina do Conflito de Baixa Intensidade (DCBI), aliando-se impudicamente com os narcotraficantes.
Hernán Giraldo, Edgardo Vives Campo, Miguel Pinedo Vidal e os Gnecco, juntos no estrume do Paramilitarismo.
A Segunda Brigada e a I Divisão do Exército, preocupadas pela consolidação da 19 Frente das FARC-EP na Sierra Nevada de Santa Marta, começam a desenvolver o projeto paramilitar. Encontram o homem-chave para fazê-lo, Hernán Giraldo, um interiorano escondido nas montanhas de Guachaca, quem sabe por que crimes anteriores. Este se converte no "cuidador" oficial dos políticos do Magdalena, na cabeça visível dos paras e no unificador dos diferentes bandos, como "los chamizos" e outros. Com os dinheiros aportados pelos narcos, pelos bananeiros e pecuaristas, investem na compra de depósitos de alimentos no Mercado Público de Santa Marta e iniciam, desde ali, seu processo de expansão e de controle de toda a cidade. Chamam a pessoas propensas a eles e lhes propõem a montagem de armazéns nos diferentes bairros periféricos, convertendo-se em serviços de inteligência dos paracos. Deste maneira, o controle da cidade se tornava em algo real. Hernán Giraldo, já como chefe supremo, se consolida na região de Guachaca, localizada nos estribos da Sierra, e expande seu controle até Buritaca, Mendiguaca, Palomino e os limites com o Estado da Guajira (Esta região é a única com cultivos de Amapola, já que, no resto da Sierra Nevada, o campesinato decidiu, apoiando-se nas Frentes 19 e 57 das FARC-EP, não cultivá-la para não tornar a padecer dos problemas que trazem acasalados os cultivos ilícitos, numa decisão de imenso valor político.) Esta imensa zona e os moradores se convertem, para "o bem" ou para "o mal", em seguidores de Giraldo e em fortim político do paramilitarismo, entrando já a negociar com os políticos. Os Edgardo Vives Campo, Miguel Pinedo Vidal, os Gnecco, são os políticos profundamente comprometidos no desenvolvimento do projeto "paraco" e isto lhes permite expor que "se não estás comigo..."
E começam a assassinar, não já a aqueles valentes que se negavam a aceitar a tutela forçada dos paras, se não que começam a matar a oposição, "os comunistas". Assassinaram a Marco Sánchez Castellón, jovem advogado samario, que dirigia a Fundação de Amigos Pró-Sierra Nevada de Santa Marta, em 1987, por ser de "esquerda", "isto é, guerrilheiro das FARC", por ordem direta da comandância da I Divisão do Exército, com sede em Santa Marta. E continuam seguindo assassinando a todo aquele que não siga suas orientações.
Nos anos 90, o General Maza Márquez captura, como chefe do DAS, a Hernán Giraldo, o leva aos calabouços do DAS em Bogotá e dali lhes é arrancado de suas mãos pelos parlamentares Edgardo Vives Campo e Miguel Pinedo Vidal (logicamente, que com ordem presidencial), os quais o regressam são e salvo a seu fortim em Guachaca. Montaram, ao amparo da segurança que lhes brindava a legislação das Cooperativas Convivir de Ernesto Samper e Fernandito Botero, um escritório à frente do Liceu Celedón, o colégio de bacharelado mais prestigioso de Santa Marta, e enviaram seus sicários a todos os comerciantes com cartas em que lhes exigiam determinada quantidade de dinheiro pela prestação de seus serviços, e todos, ou quase todos, pagaram. "Quem disse medo!!!"
Porém, começaram a dividir-se e a ter opiniões encontradas sobre como manejar o projeto e suas alianças políticas, e começaram a matar-se entre eles. Em 1997, Hernán Giraldo manda assassinar a seu lugar-tenente por uma diferença de critérios e o finalizam a balaços numa cafeteria, estando em companhia de um dos Vives. E os militares... Tudo bem, tudo bem. E a polícia... Tudo bem, tudo bem!!! Entra em cena o tristemente célebre Carlos Castaño – com Salvatore Mancuso, cujo pai vive em Santa Marta – e começa a reduzir aos partidários de Giraldo para ele tomar o controle, já que os paracos de Guachaca assassinaram a dois agentes da DEA em Guachaca, e isso incomodou enormemente aos amos gringos. (Cumpre-se o provérbio de "cria corvos e te sacarão os olhos".) Inicia-se, assim, uma nova escalada de violência. Colocam bombas nos depósitos do mercado central, outrora base do controle paraco. Vão-se assassinando sistematicamente aos que se opõem ao novo chefe. Porém, também assassinam a um vendedor de uma drogaria porque nunca se dobrou às orientações políticas dos Vives Campo ou Pinedo Vidal e militou no grupo de Juan Carlos Vives Menotti (cujo pai é Nacho Vives, não apoiadores do projeto paramilitar). E assassinam a um comerciante porque não quis vender-lhes seu negócio. Assassinam de uma a duas pessoas ao dia. E ninguém diz nada! Nem o Prefeito de Santa Marta. Nem o Governador do Estado. Muito menos os Comandantes da Polícia e da I Divisão do Exército.
Em 30 de janeiro de 2002, assassinaram essas duas pessoas, em plena visita do Subdiretor Nacional da Polícia, General Tobías Durán Quitanilla, quem pediu aos colombianos "união contra o terrorismo" e recordou que a "segurança é um compromisso de todos" no marco do lançamento do Plano Estratégico para a Redução dos Índices Delinqüenciais, ato cumprido no salão de atos da Casa da Aduana, o qual contou com a presença das autoridades civis da cidade e do Estado [Departamento], ademais de grêmios e entidades privadas.
75 assassinatos no mês passado
Assassinam e assassinam, em Santa Marta houve 30 mortes mensais em média durante o ano 2003; em janeiro e fevereiro de 2004 houve 85 e 87 mortes, respectivamente. Assassinaram a ex-magistrados da Corte Suprema de Justiça (Dr. Noguera), a jornalistas (Zully Codina e a Ahumada), educadores e professores da Universidade, sindicalistas, estudantes. Também os "paracos" assassinaram mendigos, "gays", ladrões de galinha, numa política de limpeza social, ademais de assassinar à vontade aos que, desarmados, se lhes opõem a seus desígnios. E ameaçam até os jovens dos bairros Bastidas, Cundí, Mariaeugenia, Pescadito e outros mais, pelo simples fato de portar tatuagens ou anéis ou brincos em diferentes partes de seu corpo.
É a fascistização da vida dos samarios. Ninguém tem liberdade de fazer nada se não conta com a aprovação dos chefes paramilitares, nem sequer em seus próprios corpos. Perguntamos: Por que o silêncio das autoridades civis? O silêncio dos militares e da polícia se explica. Por que o silêncio da Procuradoria, da Defensoria do Povo? Por medo. Já assassinaram aos que se atreveram a denunciá-los ou a iniciar-lhes julgamento.
Assassinaram a defensores de direitos humanos, a juízes que levavam investigações contra os paramilitares; assassinaram, por ordem de Edgardo Vives Campo, Pinedo Vidal, Name Terán e Robertico Gerlein (estes últimos políticos do estado do Atlântico), ao membro do M-19 Hernando Villa Salcedo por ser o representante legal de uns pobres pescadores que lhes estavam disputando a possessão dos terrenos de Pozos Colorados no Rodadero. Hoje em dia, estão num processo de extorsão desaforada ante a perspectiva de uma desmobilização. Exigem 10, 20, 50, 100 milhões de pesos colombianos (entre 5 e 50 mil dólares USD) aos comerciantes, pecuaristas, campesinos etc., sob a ameaça de que, se não pagam, os matam. É a velha fórmula de acumulação capitalista praticada pela oligarquia colombiana durante os anos cinqüenta. Os ameaçados, se não pagam, são assassinados ou, no melhor dos casos, devem optar pelo deslocamento. E os chefes "paracos" se apropriam da terra deixada abandonada. Os paramilitares desejam ter as arcas cheias para enfrentar a "nova" vida, isto é, ser novos ricos quando seu chefe, AUV, lhes dê a ordem de legalizar-se. Têm submetida a Santa Marta pelo terror!!!
E este é o modelo que desenvolve em todo o país o presidente Álvaro Uribe Vélez. Só esperamos que se levante o espírito do Libertador e, desde a Quinta de San Pedro Alejandrino, conclame os samarios a lutar e armar-se para combater o opressor como o fizeram seus filhos: Adán Izquierdo (William Medina), Jaime Bateman Cayón, Alfonso Jacquin e tantos outros que abraçaram a luta armada como única opção que deixaram os assassinos de nosso povo. Santa Marta, pérola do Caribe, merece viver outro desígnio!!!