Barack Obama e o legado de um mundo pior
Por Jeferson Miola
[Analista político]
“O mundo que necessitamos não é menos real que
o
mundo que conhecemos e padecemos.”
Eduardo Galeano.
Em 2008, quando Barack
Obama se elegeu pela primeira vez, um sentimento ilusório de
esperança pairou como uma nuvem sobre a cena mundial. E não sem
razão: depois de oito
anos tenebrosos de George W. Bush, as
promessas de Obama inundavam o mundo com a esperança de que a
humanidade não estava inexoravelmente condenada a continuar
percorrendo o caminho das trevas.
Obama soube capturar o
“espírito dos tempos”, e assim conseguiu pluralizar a dimensão
da sua candidatura presidencial. A candidatura dele já não era
somente um alento para os
EUA, mas também uma ingênua expectativa
de mudança que alentava também boa parte
do mundo. O slogan “Yes,
we can!” [Sim, nós podemos!], foi a eficiente tradução
imaginária dessa representação subjetiva universalizada.
Além de um discurso
eficiente que se comunicava com as principais exigências éticas e
geopolíticas do período – Guantánamo, Iraque, Afeganistão, paz,
respeito à democracia, à
diversidade, às soberanias das Nações
e às liberdades – Obama soube explorar os
predicados de um homem
negro, intelectual, descendente queniano e com ancestrais no
islamismo – a antítese do norte-americano médio. E se habilitou,
nessa condição, como reformador do norte-americanismo obscurantista
da era Bush.
As tremendas desilusões
que se sucederam, todavia, foram proporcionais às ilusões que
acompanharam a eleição de Obama. Isso não significa dizer que
Obama tenha sido um impostor – ainda que ele tenha inovado com
novos truques de marketing político para ganhar as eleições, é
bastante provável que o establishment tenha emoldurado o “espectro
realista” de sua ação, impedindo que se tornasse um “ponto fora
da curva” do sistema.
Se existia alguma
dúvida de que o mundo poderia ficar pior depois de George W. Bush,
em pouco tempo Barack Obama se encarregou de dissipá-la: o mundo
continuou sendo,
sim, pior com ele.
A abjeta prisão de
Guantánamo, promessa descumprida de Obama, é um acinte aos
valores
iluministas e um retrocesso jurídico e moral à Idade Média. Os
prisioneiros lá
depositados, alguns sem acusações formais e sem a
instauração do devido processo legal, são tratados à margem da
lei e dos tratados internacionais de direitos humanos.
A invasão de um país
sem consentimento para matar o inimigo “onde quer que esteja”,
cria uma perigosa jurisprudência no direito internacional, que
provavelmente influenciará
mudanças de índole reacionária na
doutrina do Direito no mundo.
A visão de democracia
“for export” preservou a esquizofrenia: Os EUA legitimaram os
golpes de Estado em Honduras e no Paraguai, reconhecendo prontamente
os governos
golpistas que usurparam o poder, mas não reconhecem a
eleição democrática de Nicolás
Maduro na Venezuela.
Obama,
incompreensivelmente um Nobel da Paz, parece assomado do mesmo
delírio do
seu antecessor, e trata o mundo e a realidade como um
jogo virtual de videogame. Os
drones, aviões não-tripulados,
carregados de armamento e guiados por controle remoto,
alvejam os
“inimigos” dos EUA localizados em qualquer parte do mundo. Essas
armas
letais somente são disparadas mediante ordens diretas do
Presidente dos EUA que,
portanto, tem a exata consciência dessa
ação criminosa e ilegal que sacrifica vidas inocentes.
A espionagem telefônica
e cibernética escalou níveis mais elevados, assumindo um
padrão
“Orwelliano” de controle das informações e das comunicações,
em nome da
“guerra ao terrorismo”. Segundo denúncia do
ex-funcionário da CIA Edward Snowden,
que prestava serviços para a
NSA (Agência Nacional de Segurança), o atual governo
ampliou os
acordos secretos de cooperação das principais companhias
telefônicas e dos
maiores provedores de serviços de internet do
mundo [como Skype, Yahoo, Google,
Facebook e outros] com a
“estratégia de segurança nacional” do país, executada em nome
da “segurança da comunidade internacional”.
Não se sabe ao certo a
finalidade dessas informações obtidas ilegalmente. É possível
que
não se destinem somente a programas militares e de segurança.
Na internet e nas redes
sociais transitam quantidades incalculáveis
de informações pessoais e íntimas, reveladoras
de hábitos de
consumo, de modos de vida, de preferências culturais, de rotinas e
de
relacionamentos.
As políticas da
hiperpotência dominante do mundo são incompatíveis com as
conquistas
iluministas da razão, da liberdade, da igualdade, da
tolerância e da democracia. São
políticas antagônicas ao mundo
democrático, multipolar, tolerante e de paz que
necessitamos, “não
menos real que o mundo que conhecemos e padecemos”, como afirma
Eduardo Galeano. O retrocesso em mais de 200 anos em relação às
conquistas
civilizatórias e iluministas da humanidade converte a
“esfinge da esperança” em uma pobre caricatura menor da História
que está sendo escrita como uma farsa.