“Governo não terá foto de entrega de armas”: Andrés París, porta-voz das Farc
|
Guerrillera
de las FARC.
|
Andrés París, porta-voz das Farc, sugere que essa guerrilha não entregará as armas nem ainda no caso de que se firme um acordo de paz. Insiste em que não vão ir nem um dia ao cárcere.
Por:
Hugo Mario Cárdenas López, enviado especial a Cuba
Domingo,
16 de Junho, 2013 / Desde que se iniciaram os diálogos entre o
Governo e as Farc em Havana, Jesús Amilio Carvajalino, ou ‘Andrés
París’, membro da delegação do grupo guerrilheiro, se converteu
no homem das comunicações.
É
através dele que os meios de comunicação locais e internacionais
podem ter acesso a vários dos integrantes da delegação das Farc e
quem se encarrega de coordenar os comunicados que sobre os diferentes
temas emitem os integrantes do grupo armado ilegal.
Na
quinta-feira passada, enquanto descansava na piscina do Hotel Palco,
junto ao Palácio de Convenções, onde se adiantam os diálogos, o
membro do Estado-Maior das Farc concordou em falar com El País sobre
os temas espinhosos da agenda, os planos políticos após a eventual
assinatura de um acordo que ponha fim à confrontação armada e os
possíveis cenários nos quais se verão se chegar a dar sua passagem
à vida política.
Que
há de diferente neste processo para crer que é hora da paz?
Ansiamos
construir o grande tratado de paz, porém, ao mesmo tempo,
assinalamos nossa decisão profunda de não protagonizar um ato de
rendição nem de submissão. O Governo, depois de seis meses de
diálogos, tem que ser sensato porque não estão falando com uma
guerrilha derrotada e os planos que têm para derrotar militarmente à
guerrilha nestes seis meses não lhes deu resultados. O Governo deve
entender que com esta geração de comandantes é possível a paz. Há
uma vontade muito grande das Farc, do Estado-Maior Central e da
delegação que se encontra em Havana para marchar com firmeza para
um acordo de paz.
Então,
a realidade é que no Caguán não tinham vontade de paz?
O
melhor momento para selar a paz foi no processo do Caguán, onde um
homem da autoridade de Manuel Marulanda estava à frente, porém,
pelas mesquinharias da época, este processo se frustrou. O novo é
que os setores sociais que reclamam a assinatura de um acordo hoje
são maiores que os que existiam no processo do Caguán.
Hoje,
não temos um Uribe Vélez trabalhando como uma hiena faminta contra
a paz, como o foi em seu momento, que conseguiu com êxito fazer
fracassar esse processo e com isso eleger-se e reeleger-se
presidente. O contexto internacional também é favorável e, por
isso, é uma jogada traiçoeira a do Governo contra a Venezuela, que
está jogando para a paz e estimulando um acordo pacífico e a
oligarquia colombiana e seus serviços especiais conspirando com a
oposição terrorista para desestabilizar o governo do presidente
Nicolás Maduro.
As
mortes de ‘Marulanda’, ‘Reyes’, ‘Cano’ e ‘Jojoy’
ajudaram para que decidissem sentar-se a falar de paz?
O
ensinamento de nossos fundadores e de nossos comandantes falecidos é
fortalecer nossa convicção na justiça da linha política e militar
que eles traçaram; e todos eles, mais Alfonso Cano, o homem que mais
se destacou em sua vontade de encontrar uma solução política,
reafirmam nossas bandeiras da paz, porém também nos reafirmam na
vontade de continuar na luta armada, enquanto não se firme um grande
tratado de paz.
Por
que se lhes tornou mais fácil negociar com o presidente Santos,
quando foi quem mais golpes lhes aplicou como ministro de Defesa?
Os
acordos, os conseguem forças beligerantes que estão no campo de
batalha confrontados. Também na mesa, de nossa parte, está um grupo
de comandantes que tem estado na primeira linha de combate. O que
passa é que essa história faz parte da reserva e nós não a
publicitamos, porém, na mesa estamos sentados protagonistas da
guerra e protagonistas da política.
Em
quais pontos da agenda as Farc vão ceder mais?
Nós
nos movemos sobre uma linha de reformas e mudanças avançadas e
democráticas; já fizemos a grande concessão que podíamos fazer e
é que não estamos exigindo as mudanças revolucionárias na mesa;
e, em tudo o que estamos propondo, incorporamos os interesses de
outros setores sociais. A reforma agrária, se se quer, beneficia
mais as forças do capitalismo, que requer modernizar mais o campo,
adequá-lo aos desenvolvimentos gerais do país capitalista, que
propriamente uma reforma agrária de caráter socialista.
No
marco dessa reforma agrária e da restituição de terras, vão
devolver as terras que despojaram dos campesinos?
Essa
é uma calúnia muito grande desse instrumento que se chama a Unidade
de Restituição de Terras, que foi tomada pelos paramilitares. Toda
a equipe que puseram a serviço de recolher a informação manipulava
ao campesino que vinha reclamar sua terra depois de um despojo e lhes
insinuavam que, se eles reclamavam terras em poder dos paramilitares,
o processo ia demorar; no entanto, se faziam aparecer esse despojo
como fruto de uma agrupação guerrilheira, esse processo ia ser
agilizado. Como uma força ilegal combatida por todos os órgãos de
inteligência pode manter na clandestinidade semelhante quantidade de
terras?
Então,
as Farc não têm terras?
Contamos
com algumas propriedades pequenas, porém que estão a serviço das
necessidades alimentícias ou das necessidades das frentes
guerrilheiras.
E
como as adquiriram?
Essas
terras são tramitadas através de mecanismos legais de compra.
Através
do testa de ferro?
Estão
em nome de campesinos que voluntariamente colaboram com a insurgência
e eles se tornam proprietários das granjas. Para nossas
necessidades, não precisamos mais de dez hectares.
Creem
que a Corte Penal Internacional aceite que haja impunidade aos
delitos de lesa-humanidade que vocês cometeram?
Essa
é uma interpretação de um setor da jurisprudência internacional,
porém há outros setores que veem na Constituição colombiana a
possibilidade que tenhamos acesso a recursos que estão na lei e que
não desapareceram, ainda que os tenham afogando e desprezando.
Horacio Serpa disse que não o acreditavam tão torpe de crer que
guerrilheiros que levam 50 anos vão terminar seus dias aceitando ir
para a prisão. Isso não tem lógica, porém, sim, temos a
disposição de encontrar e construir na mesa de diálogos a
soberania do articulado jurídico que gere a participação política
da guerrilha em novos cenários. Não pensamos ir à prisão e há
que encontrar as figuras que estão aí na Constituição para que as
apliquemos.
Ademais
de não ir à prisão, que deve surgir do processo para que toda uma
vida no monte não tenha sido inútil?
O
guerrilheiro sempre luta pela vitória, pelo triunfo e, se temos a
possibilidade de ver desenhado esse triunfo num grande tratado de
paz, não se perdeu tempo e toda vida que se perdeu nesta luta foi
uma contribuição a esse anseio da paz em Colômbia. Inúteis são
as vidas de antigos guerrilheiros que se puseram a serviço da
relegitimação e existência de um regime podre. Acaso crê que é
muito útil a vida dos que estão hoje a serviço do regime como
Rosemberg Pabón, que hoje faz parte das linhas uribistas?
Porém,
muitos setores consideram que vocês também mudaram seus ideais pelo
narcotráfico...
Esses
setores estão muito desinformados e deve ser que não lhes tenha
chegado nenhuma notícia de Havana; porque, o que aqui se tem visto é
uma guerrilha pensante, que constrói um programa agrário, que
modela uma nova forma de institucionalidade, uma guerrilha social e
intelectual como a sonharam Che Guevara e Manuel Marulanda.
Quando
entenderam vocês que nunca conquistariam o poder pelas armas?
Desde
que as Farc nasceram, quando eram 48 campesinos com revólver,
traçaram o programa agrário de Marquetalia, o primeiro documento
fundacional da organização no qual se estabeleceram uns objetivos
agrários, porém também se definiu o grande objetivo estratégico
revolucionário que era a tomada do poder. Hoje em dia, é certo que
não temos o mesmo número de combatentes que tínhamos no Caguán,
porém não somos os 48 que havia em Marquetalia há 49 anos. Então,
os guerrilheiros de hoje somos os suficientes para seguir
protagonizando feitos de guerra ou feitos de paz e a vontade nossa
não se encaixou no político nem no militar. O Governo da Colômbia
tem que ser sensato e seguir reconhecendo que está sentado com uma
força política. Que deixe de insistir na derrota militar da
guerrilha, que não vão conseguir.
Significa
isso que ainda creem que podem alcançar o poder pelas armas?
Cremos
que a luta armada segue sendo vigente contra essa institucionalidade,
contra essa realidade econômica e social. Segundo os manuais de
contra insurgência, uma guerrilha é 80% política e 20% militar.
Uma guerrilha pequena alargando seu espaço político pode
protagonizar transformações mais gigantescas num país que uma
guerrilha grande com músculo militar, porém sem influência de
massas. Então, aí fazem cálculos alegres os estrategistas
midiáticos porque os estrategistas militares, sim, seguem vendo como
ameaça a presença militar das Farc.
Há
os que asseguram que sem a ajuda de Chávez já os haveriam
derrotado...
Sem
a ajuda de Chávez nas Farc se haveria pensado só numa resposta
militar e na confrontação armada; é Chávez quem constrói a
possibilidade de um novo entendimento de paz.
O
segundo ponto que discutem hoje é sobre participação em política
e umas eleições custam muito dinheiro, de onde vão sacar para
financiar uma campanha política?
Seria
uma estupidez meter-se num processo eleitoral sob os mecanismos
trapaceiros e fraudulentos que existem. Não vamos entrar a
participar com o atual regime eleitoral e o mecanismo de compra de
votos e armadilhas; isso seria um suicídio. Por isso, nas propostas
que estamos fazendo se contempla uma reforma profunda ao regime
eleitoral.
A
debutação das Farc na política será nas eleições legislativas
de 2014 ou nas regionais de 2015?
Nós
vamos mais além da simples participação e garantias para fazer
política por outros métodos; a essência deste ponto está na raiz
do conflito armado. O ponto agrário mostrou as raízes econômicas
da confrontação armada, a estreiteza antidemocrática da posse da
terra e a ruína do campo colombiano. Este ponto político vai
mostrar ao país que a raiz do conflito é que não há democracia
real. Se houvesse democracia não haveria necessidade de armas e
neste ponto esperamos conseguir a criação dos marcos legais,
políticos, constitucionais que permitam atuar em política forças
diferentes às do estabelecimento. Vamos para o resgate dos aspectos
progressistas da Constituição de 91 que, no capítulo de direitos,
deveres e garantias, foi bastante avançado e estamos propondo um
conjunto de reformas para que os colombianos não voltemos a cair sob
o regime bipartidarista.
Porém,
lhes interessa mais o poder regional ou se creem com força
para entrar a disputar as cadeiras no Congresso?
Sabemos
que temos uma força política que, no caso de conquistar as
garantias, terá uma importante participação. Somos uma força
essencialmente política, cujo espaço foram estreitando através da
guerra de extermínio, da liquidação de diferentes expressões
anteriores que buscavam criar uma saída política e uma alternativa
de transformação das Farc.
Vão
criar um partido ou tomarão a plataforma da Unión Patriótica?
Frente
a Unión Patriótica, o que temos reclamado é que se termine o
processo de reconhecimento deste magnicídio que houve na Colômbia e
tudo o que se faça em benefício da restauração dos direitos desta
organização política são bem-vindos, porém, enquanto a Unión
Patriótica luta por estes direitos, vemos que a outras forças se
lhes nega a possibilidade de participar em política; à senadora
Piedad Córdoba arrancaram os direitos de participação política,
contra a Marcha Patriótica já começa um processo de capturas de
seus dirigentes e os pequenos partidos vêm sendo marginalizados e
vão ser limitados e impedidos praticamente de participar no processo
eleitoral que está em marcha.
Você,
onde se vê após a firma de um acordo?
Nós
sempre nos manteremos na ala esquerda da política colombiana;
estamos buscando uma forma diferente à armada de estar no espectro
político, porém, diferentemente de outras forças entregaram armas
e ideologia, que entregaram política e princípios, nós não
encaramos um processo sobre a base da cooptação do regime e das
regras estabelecidas e da ideologia do regime atual bipartidarista.
Seguiremos sendo uma força com um perfil bolivariano e
revolucionário e oxalá que este ideário possa transitar pelos
caminhos da ação política e da ação pacífica. Pessoalmente, não
me vejo em nenhuma destas tarefas burocrático-parlamentares; me
veria melhor como um agitador social.
Por
que são tão ativos e golpearam tanto o sul-ocidente do país?
Esse
será um fortim eleitoral das Farc?
O
vemos por agora como um ponto importante para o processo de paz.
Que
modelo de processo de paz de outro país lhes agradaria que se desse
na Colômbia?
O
processo de paz da Irlanda, porque se estabeleceram princípios e,
por exemplo, as armas eles não as entregaram.