Os rolezinhos e o que acontece no Brasil desde a eleição de Lula
A
política do governo está alimentando expectativas, sobretudo entre
os jovens
Com a eleição de Lula em 2003, iniciou-se um processo de ascensão social da classe trabalhadora, verificado pelo emprego com carteira assinada e pelo consumo de massas. Mais do que acesso a bens, serviços e direitos, tal processo criou expectativas, sobretudo entre os mais jovens. Expectativa de fazer parte da classe média, com tudo o que a acompanha: consumo, lazer, perspectiva de futuro, trabalho digno, status, prestígio.
Os rolezinhos não são um mero passeio no shopping. Muito mais do que mero evento, rolezinhos representam a existência de expectativas no seio da juventude pobre, trabalhadora, alimentadas pelo processo econômico em curso, mas também pela ideologia e pelos valores preponderantes em voga, em torno do sucesso individual.
A rejeição às mudanças não tem motivação econômica, mas cultural
A reação aos rolezinhos, tendo encontrado amparo e eco na classe média tradicional, evidencia não apenas a restrição desse setor à integração dos pobres ao seu mundo, mas também um preconceito de classe e de raça fortemente enraizado.
Daí se entende por que os rolezinhos foram rejeitados e violentamente reprimidos. Afinal, do ponto de vista econômico, os lojistas deveriam querer esses jovens no shopping center. Ocorre que, se os rolezinhos não forem criminalizados e reprimidos, a classe média simplesmente deixará de frequentar os shopping centers, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo de 24/1: “Com medo de tumulto, paulistano dá um tempo de shopping após ‘rolês'”.
Nesse sentido, a não aceitação dos rolezinhos tem paralelo com a não aceitação das cotas nas universidades públicas, ou com o desconforto sentido pelos indivíduos de classe média ao desferirem frases como “este aeroporto está parecendo uma rodoviária”.
A motivação cultural que está na base da rejeição às mudanças é mascarada
Ao mesmo tempo, é curioso não vermos, ou raramente vermos, ser vocalizado o verdadeiro sentimento da classe média, que poderia ser dito nos seguintes termos: “Não queremos compartilhar o mesmo espaço com pobres e negros”.
No entanto, pesquisa do instituto Data Popular mostra que, entre os membros das “classes A e B” (segundo o critério dos institutos de pesquisa de mercado), 55% acham que deveria ser obrigatório haver versão de produtos para rico e para pobre; 17% afirmam a entrada de pessoas malvestidas deveria ser barrada em certos lugares; 17% acham que todo estabelecimento comercial deveria ter elevadores separados para patrão e empregado. Esses foram os que confessaram. Claro que há os que não confessaram, de modo que esses percentuais são, na realidade, maiores.
A classe média odeia pobre e é racista, mas sente pudor em expor seu ódio de classe e de raça, pois se considera democrática. Ela aceita os de baixo, desde que eles saibam ocupar “o seu lugar”.
O racismo, assim, permanece mascarado, no campo do não dito. Daí porque, ao reagir contra os rolezinhos, as cotas etc., a classe média vocaliza todo tipo de subterfúgio, de pretexto.
Se a reação aos rolezinhos evidencia a existência de um apartheid em nossa sociedade, o pudor que se faz presente na reação define seu caráter: tal como um tabu, o apartheid no Brasil opera no campo do não dito, imerso que está no mito da democracia racial.
O conflito e a polarização social crescem e só tendem a aumentar
Ao viabilizar a ascensão social dos trabalhadores sem confronto com o capital, mas garantindo-lhes o ambiente favorável de negócios e o respeito aos contratos, a estratégia adotada pelos governos Lula e Dilma envolve a conciliação e a governabilidade. Com isso, parece promover a acomodação e o amortecimento dos conflitos.
Contudo, penso estarmos aqui diante de um paradoxo, ou seja, de algo cuja realidade é o exato oposto do que parece ser. À medida que a ascensão social por meio do emprego e do consumo progride, a classe trabalhadora vai sendo empurrada para o conflito com o capital – e com a classe média tradicional. É o que verificamos quando olhamos para os dados sobre greves no Brasil, num crescente graças ao elevado nível de emprego.
Ao lado das greves e de um sem-número de outros fenômenos – dos quais junho provavelmente faz parte –, os rolezinhos evidenciam o norte para o qual caminhamos e do qual, graças às opções do governo, cada vez mais nos aproximamos: o conflito social. Assim, os rolezinhos formam mais um capítulo do conflito crescente entre ricos e pobres no Brasil.
Por isso, penso que erra quem afirma não haver polarização no Brasil. De fato parece ser assim, porque os conflitos sociais não têm migrado para a esfera político-institucional. Não aparecem no discurso nem na coalizão governamental. Contudo, a polarização social não só é crescente como é fruto de opções e decisões deste mesmo governo que evita discursos polarizados e mantém uma coalização com PMDB e companhia.
Novas formas de organização e o avanço da tecnologia ultrapassaram a capacidade de resposta da esquerda
Os rolezinhos surgiram espontaneamente, o que não significa inexistência de organização. Se não foram planejados por um partido, foram desencadeados pela iniciativa de jovens, não por acaso adolescentes que possuem milhares de seguidores nas redes sociais.
Cabe pesquisar e entender esse novo tipo de organização, que escapa ao modelo tradicional no qual o partido é o polo aglutinador e organizador. E cabe aos partidos e às organizações de esquerda entender as novas formas de organização da juventude pobre e negra, em ascensão social, e procurar adaptar-se a elas. Para tanto, do ponto de vista da esquerda é necessário avançar no debate sobre tecnologia, como tem insistido o sociólogo Laymert Garcia dos Santos.
Estamos vivendo um movimento ascendente de hegemonia cultural da direita
Por que tantos jovens oriundos da classe trabalhadora procuram os shopping centers? O que exatamente nesses lugares os atrai? Mais do que o baluarte do consumo, o shopping center representa a possibilidade da diferenciação social, um lugar para poucos. Mas, afinal, de quem esses jovens almejam diferenciar-se? Finalmente, quais são as alternativas que o poder público oferece para esses jovens, em termos de organização da cultura política – sobretudo os governos tendo à frente a esquerda?
Uma das hipóteses que tenho ouvido é que, formada no bojo de um processo desmobilizador, a classe trabalhadora em ascensão tende a adquirir a consciência da classe para onde ela pretende ir ou pensa estar indo. Isso significa que, embora não detenha a hegemonia política, a direita talvez detenha a hegemonia cultural, e tudo indica estar conquistando a hegemonia cultural também sobre a nova classe trabalhadora, inclusive entre os mais jovens.
Se os rolezinhos expressam um anseio de igualdade – e, nesse sentido, convergem totalmente com os objetivos da esquerda –, ao mesmo tempo a opção justamente pelo shopping center merece ser examinada sob um olhar crítico, sob pena de deixar escapar aquele que talvez seja o maior impasse da esquerda atualmente. Tal opção não esconderia uma hegemonia cultural de direita? A esquerda sempre quis organizar a luta pela igualdade, mas contra os valores do consumismo, a competitividade e o individualismo, base não apenas da abissal desigualdade que historicamente existe em nosso país, mas da violência que marca o cotidiano da classe trabalhadora brasileira.
Pois bem, a luta por igualdade presente nos rolezinhos joga contra ou a favor desses valores? No mínimo há algo de ambíguo aqui. Se joga a favor, que consequências tem isso, sobretudo quando se constata que, apesar de tudo o que foi feito nos últimos onze anos, ainda há uma imensa massa de trabalhadores pobres no Brasil, que não conseguem sobreviver sob uma lógica da competição nua e crua? Podemos esperar desses jovens, inspirados que estão pelos valores capitalistas, solidariedade de classe para com os que ficaram para trás?
Aqui reina o perigo. Afinal, a classe média é reacionária. O risco é que parte da nova classe trabalhadora adquira não apenas os valores ultracapitalistas da classe média, mas sua mentalidade e atitudes políticas. É possível que haja um contingente grande de trabalhadores que, uma vez tendo ascendido, olham para trás, veem que ainda há muitos que ficaram para trás e assumem a postura de impedir que aqueles ascendam, com medo de perder o pouco que conquistaram, ou com a esperança de neutralizar a concorrência na busca por uma maior ascensão. Trata-se de uma hipótese, a ser verificada. Se isso ocorrer, o processo de inclusão da massa de trabalhadores muito pobres – talvez 40% da população – que ainda não alcançou a nova classe trabalhadora poderá ser bloqueado.
Os rolezinhos e o impasse da estratégia
Dito isso, o conflito presente nos rolezinhos de alguma maneira evidencia o impasse da estratégia dos governos Lula e Dilma.
De um lado, o governo precisa evitar a radicalização, por motivos eleitorais – pois a radicalização afastaria do PT os trabalhadores mais empobrecidos, que constituem a maioria do eleitorado –, mas também econômicos: descambando para a instabilidade econômica, a radicalização provavelmente faria elevar o desemprego, o que, para além das repercussões eleitorais, poderia ter como resultado o aumento da pobreza e da desigualdade, ou seja, um retrocesso.
De outro lado, à medida que os trabalhadores ascendem, inevitavelmente a polarização social aumenta, por motivos econômicos – ou seja, pela luta redistributiva –, mas também culturais. Ora, à medida que o conflito social vai se intensificando, a conjuntura exige cada vez mais do governo enfrentamentos políticos – isto é, o governo precisa investir na radicalização – a fim de organizar e canalizar o conflito.
Desmobilizada e desorganizada, a nova classe trabalhadora pode vir a assumir a ideologia da direita e, com isso, pode vir a ser suporte de uma nova coalização política liderada pelo PSDB, bloqueando as mudanças em curso. Esse é um cenário que não deve ser descartado. Aliás, essa é assumidamente a aposta de FHC, exposta em seu artigo “O papel da oposição”.
Voltando aos rolezinhos: nesse caso específico, o conflito foi organizado e canalizado? O desdobramento desse fenômeno ainda está em aberto. Se as principais figuras públicas do PT defenderam o diálogo e o direito dos participantes dos rolezinhos, não se pode dizer que tenham optado pela radicalização. Nesse quadro, o pior que pode suceder é a atitude de um jovem, tal como a Folha de S.Paulo publicou no dia 24/1: "A gente não quer mais levar enquadro de segurança, então é melhor fazer ‘rolezinho' no parque". Do parque para o PSDB é um passo.
Onde está a saída para o impasse? Não tenho a resposta, apenas a convicção de que a saída reside na política, e depende da capacidade de, em cada situação, encontrar a justa medida da radicalização.
Antônio David é pós-graduando em Filosofia pela FFLCH/USP
Com a eleição de Lula em 2003, iniciou-se um processo de ascensão social da classe trabalhadora, verificado pelo emprego com carteira assinada e pelo consumo de massas. Mais do que acesso a bens, serviços e direitos, tal processo criou expectativas, sobretudo entre os mais jovens. Expectativa de fazer parte da classe média, com tudo o que a acompanha: consumo, lazer, perspectiva de futuro, trabalho digno, status, prestígio.
Os rolezinhos não são um mero passeio no shopping. Muito mais do que mero evento, rolezinhos representam a existência de expectativas no seio da juventude pobre, trabalhadora, alimentadas pelo processo econômico em curso, mas também pela ideologia e pelos valores preponderantes em voga, em torno do sucesso individual.
A rejeição às mudanças não tem motivação econômica, mas cultural
A reação aos rolezinhos, tendo encontrado amparo e eco na classe média tradicional, evidencia não apenas a restrição desse setor à integração dos pobres ao seu mundo, mas também um preconceito de classe e de raça fortemente enraizado.
Daí se entende por que os rolezinhos foram rejeitados e violentamente reprimidos. Afinal, do ponto de vista econômico, os lojistas deveriam querer esses jovens no shopping center. Ocorre que, se os rolezinhos não forem criminalizados e reprimidos, a classe média simplesmente deixará de frequentar os shopping centers, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo de 24/1: “Com medo de tumulto, paulistano dá um tempo de shopping após ‘rolês'”.
Nesse sentido, a não aceitação dos rolezinhos tem paralelo com a não aceitação das cotas nas universidades públicas, ou com o desconforto sentido pelos indivíduos de classe média ao desferirem frases como “este aeroporto está parecendo uma rodoviária”.
A motivação cultural que está na base da rejeição às mudanças é mascarada
Ao mesmo tempo, é curioso não vermos, ou raramente vermos, ser vocalizado o verdadeiro sentimento da classe média, que poderia ser dito nos seguintes termos: “Não queremos compartilhar o mesmo espaço com pobres e negros”.
No entanto, pesquisa do instituto Data Popular mostra que, entre os membros das “classes A e B” (segundo o critério dos institutos de pesquisa de mercado), 55% acham que deveria ser obrigatório haver versão de produtos para rico e para pobre; 17% afirmam a entrada de pessoas malvestidas deveria ser barrada em certos lugares; 17% acham que todo estabelecimento comercial deveria ter elevadores separados para patrão e empregado. Esses foram os que confessaram. Claro que há os que não confessaram, de modo que esses percentuais são, na realidade, maiores.
A classe média odeia pobre e é racista, mas sente pudor em expor seu ódio de classe e de raça, pois se considera democrática. Ela aceita os de baixo, desde que eles saibam ocupar “o seu lugar”.
O racismo, assim, permanece mascarado, no campo do não dito. Daí porque, ao reagir contra os rolezinhos, as cotas etc., a classe média vocaliza todo tipo de subterfúgio, de pretexto.
Se a reação aos rolezinhos evidencia a existência de um apartheid em nossa sociedade, o pudor que se faz presente na reação define seu caráter: tal como um tabu, o apartheid no Brasil opera no campo do não dito, imerso que está no mito da democracia racial.
O conflito e a polarização social crescem e só tendem a aumentar
Ao viabilizar a ascensão social dos trabalhadores sem confronto com o capital, mas garantindo-lhes o ambiente favorável de negócios e o respeito aos contratos, a estratégia adotada pelos governos Lula e Dilma envolve a conciliação e a governabilidade. Com isso, parece promover a acomodação e o amortecimento dos conflitos.
Contudo, penso estarmos aqui diante de um paradoxo, ou seja, de algo cuja realidade é o exato oposto do que parece ser. À medida que a ascensão social por meio do emprego e do consumo progride, a classe trabalhadora vai sendo empurrada para o conflito com o capital – e com a classe média tradicional. É o que verificamos quando olhamos para os dados sobre greves no Brasil, num crescente graças ao elevado nível de emprego.
Ao lado das greves e de um sem-número de outros fenômenos – dos quais junho provavelmente faz parte –, os rolezinhos evidenciam o norte para o qual caminhamos e do qual, graças às opções do governo, cada vez mais nos aproximamos: o conflito social. Assim, os rolezinhos formam mais um capítulo do conflito crescente entre ricos e pobres no Brasil.
Por isso, penso que erra quem afirma não haver polarização no Brasil. De fato parece ser assim, porque os conflitos sociais não têm migrado para a esfera político-institucional. Não aparecem no discurso nem na coalizão governamental. Contudo, a polarização social não só é crescente como é fruto de opções e decisões deste mesmo governo que evita discursos polarizados e mantém uma coalização com PMDB e companhia.
Novas formas de organização e o avanço da tecnologia ultrapassaram a capacidade de resposta da esquerda
Os rolezinhos surgiram espontaneamente, o que não significa inexistência de organização. Se não foram planejados por um partido, foram desencadeados pela iniciativa de jovens, não por acaso adolescentes que possuem milhares de seguidores nas redes sociais.
Cabe pesquisar e entender esse novo tipo de organização, que escapa ao modelo tradicional no qual o partido é o polo aglutinador e organizador. E cabe aos partidos e às organizações de esquerda entender as novas formas de organização da juventude pobre e negra, em ascensão social, e procurar adaptar-se a elas. Para tanto, do ponto de vista da esquerda é necessário avançar no debate sobre tecnologia, como tem insistido o sociólogo Laymert Garcia dos Santos.
Estamos vivendo um movimento ascendente de hegemonia cultural da direita
Por que tantos jovens oriundos da classe trabalhadora procuram os shopping centers? O que exatamente nesses lugares os atrai? Mais do que o baluarte do consumo, o shopping center representa a possibilidade da diferenciação social, um lugar para poucos. Mas, afinal, de quem esses jovens almejam diferenciar-se? Finalmente, quais são as alternativas que o poder público oferece para esses jovens, em termos de organização da cultura política – sobretudo os governos tendo à frente a esquerda?
Uma das hipóteses que tenho ouvido é que, formada no bojo de um processo desmobilizador, a classe trabalhadora em ascensão tende a adquirir a consciência da classe para onde ela pretende ir ou pensa estar indo. Isso significa que, embora não detenha a hegemonia política, a direita talvez detenha a hegemonia cultural, e tudo indica estar conquistando a hegemonia cultural também sobre a nova classe trabalhadora, inclusive entre os mais jovens.
Se os rolezinhos expressam um anseio de igualdade – e, nesse sentido, convergem totalmente com os objetivos da esquerda –, ao mesmo tempo a opção justamente pelo shopping center merece ser examinada sob um olhar crítico, sob pena de deixar escapar aquele que talvez seja o maior impasse da esquerda atualmente. Tal opção não esconderia uma hegemonia cultural de direita? A esquerda sempre quis organizar a luta pela igualdade, mas contra os valores do consumismo, a competitividade e o individualismo, base não apenas da abissal desigualdade que historicamente existe em nosso país, mas da violência que marca o cotidiano da classe trabalhadora brasileira.
Pois bem, a luta por igualdade presente nos rolezinhos joga contra ou a favor desses valores? No mínimo há algo de ambíguo aqui. Se joga a favor, que consequências tem isso, sobretudo quando se constata que, apesar de tudo o que foi feito nos últimos onze anos, ainda há uma imensa massa de trabalhadores pobres no Brasil, que não conseguem sobreviver sob uma lógica da competição nua e crua? Podemos esperar desses jovens, inspirados que estão pelos valores capitalistas, solidariedade de classe para com os que ficaram para trás?
Aqui reina o perigo. Afinal, a classe média é reacionária. O risco é que parte da nova classe trabalhadora adquira não apenas os valores ultracapitalistas da classe média, mas sua mentalidade e atitudes políticas. É possível que haja um contingente grande de trabalhadores que, uma vez tendo ascendido, olham para trás, veem que ainda há muitos que ficaram para trás e assumem a postura de impedir que aqueles ascendam, com medo de perder o pouco que conquistaram, ou com a esperança de neutralizar a concorrência na busca por uma maior ascensão. Trata-se de uma hipótese, a ser verificada. Se isso ocorrer, o processo de inclusão da massa de trabalhadores muito pobres – talvez 40% da população – que ainda não alcançou a nova classe trabalhadora poderá ser bloqueado.
Os rolezinhos e o impasse da estratégia
Dito isso, o conflito presente nos rolezinhos de alguma maneira evidencia o impasse da estratégia dos governos Lula e Dilma.
De um lado, o governo precisa evitar a radicalização, por motivos eleitorais – pois a radicalização afastaria do PT os trabalhadores mais empobrecidos, que constituem a maioria do eleitorado –, mas também econômicos: descambando para a instabilidade econômica, a radicalização provavelmente faria elevar o desemprego, o que, para além das repercussões eleitorais, poderia ter como resultado o aumento da pobreza e da desigualdade, ou seja, um retrocesso.
De outro lado, à medida que os trabalhadores ascendem, inevitavelmente a polarização social aumenta, por motivos econômicos – ou seja, pela luta redistributiva –, mas também culturais. Ora, à medida que o conflito social vai se intensificando, a conjuntura exige cada vez mais do governo enfrentamentos políticos – isto é, o governo precisa investir na radicalização – a fim de organizar e canalizar o conflito.
Desmobilizada e desorganizada, a nova classe trabalhadora pode vir a assumir a ideologia da direita e, com isso, pode vir a ser suporte de uma nova coalização política liderada pelo PSDB, bloqueando as mudanças em curso. Esse é um cenário que não deve ser descartado. Aliás, essa é assumidamente a aposta de FHC, exposta em seu artigo “O papel da oposição”.
Voltando aos rolezinhos: nesse caso específico, o conflito foi organizado e canalizado? O desdobramento desse fenômeno ainda está em aberto. Se as principais figuras públicas do PT defenderam o diálogo e o direito dos participantes dos rolezinhos, não se pode dizer que tenham optado pela radicalização. Nesse quadro, o pior que pode suceder é a atitude de um jovem, tal como a Folha de S.Paulo publicou no dia 24/1: "A gente não quer mais levar enquadro de segurança, então é melhor fazer ‘rolezinho' no parque". Do parque para o PSDB é um passo.
Onde está a saída para o impasse? Não tenho a resposta, apenas a convicção de que a saída reside na política, e depende da capacidade de, em cada situação, encontrar a justa medida da radicalização.
Antônio David é pós-graduando em Filosofia pela FFLCH/USP