Sem reforma política, Brasil vai voltar a eleger apenas representantes dos ricos, diz o economista Marcio Pochmann
Para o
economista e professor licenciado da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) Marcio Pochmann o Brasil precisa urgente de uma
reforma política para mudar o modelo de financiamento, sob risco de
voltarmos a um estado de aristocracia, em que só os ricos são
eleitos.
Em entrevista exclusiva à CUT Nacional, o ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), atual presidente da Fundação Perseu Abramo e candidato pelo PT à prefeitura de Campinas, em 2012, defende que o financiamento de campanhas é o principal desafio para a transformação do atual sistema político brasileiro.
Pochmann destacou ainda a importância do papel do Estado na ascensão econômica da classe trabalhadora, a necessidade de o Brasil apostar em empregos mais qualificados por meio de um outro modelo de crescimento que privilegie a produção com maior valor agregado e criticou a criminalização que os meios de comunicação fazem da política.
Portal da CUT – A CUT e os movimentos sociais estão em campanha por um plebiscito exclusivo e soberano para fazer a reforma do sistema político. Qual o ponto estratégico dessa reforma?
Em entrevista exclusiva à CUT Nacional, o ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), atual presidente da Fundação Perseu Abramo e candidato pelo PT à prefeitura de Campinas, em 2012, defende que o financiamento de campanhas é o principal desafio para a transformação do atual sistema político brasileiro.
Pochmann destacou ainda a importância do papel do Estado na ascensão econômica da classe trabalhadora, a necessidade de o Brasil apostar em empregos mais qualificados por meio de um outro modelo de crescimento que privilegie a produção com maior valor agregado e criticou a criminalização que os meios de comunicação fazem da política.
Portal da CUT – A CUT e os movimentos sociais estão em campanha por um plebiscito exclusivo e soberano para fazer a reforma do sistema político. Qual o ponto estratégico dessa reforma?
Marcio
Pochmann – As eleições de 2014
talvez sejam as últimas com candidaturas populares. O nosso sistema
político é praticamente uma herança do Golbery (Golbery
de Couto e Silva, ex-ministro e um dos pensadores da ditadura militar
no Brasil), que desequilibra a representação
do voto por Estados e permite que o financiamento de campanha ocorra
de forma que valoriza o papel do poder econômico. Isso causa
situações desconexas entre o perfil dos nossos representantes no
Congresso e o da sociedade. Dado o custo eleitoral, que é
exorbitante no País, corremos o risco de ver desaparecer as
candidaturas populares e o retorno a um estado de aristocracia em que
só os ricos são eleitos. A reforma do sistema político tem de
redefinir o financiamento das campanhas para torná-las acessíveis a
pessoas muito mais próximas da população.
E como o cidadão pode contribuir neste processo?
E como o cidadão pode contribuir neste processo?
Pochmann
– Já é um passo grande a
população identificar a política como a saída para os seus
problemas, porque estamos submetidos a um processo de
alienação, decorrente do monopólio das comunicações , em
campanha contra a política. O que salvou o Brasil das regressões
econômica e social nos anos 2000 foi uma decisão política. Em
1980, éramos a 8ª economia do mundo, em 2000, caímos para o 13º
lugar. No início da década de 1980, tínhamos 1,8 milhão de
desempregados, com 2,7% de taxa de desemprego, enquanto em 2000,
passamos para 11,5 milhão e 15% da população economicamente ativa
desempregada. O realinhamento do Brasil a partir de 2003 foi o que
salvou o País. Precisamos mostrar os problemas, mas há uma série
de aspectos positivos que estão sendo resolvidos pela política. Sem
política, vamos resolver pelo autoritarismo, que tem governado o
Brasil há muito tempo. Há também o aspecto de que a política era
resultado da pressão das ruas, do diálogo com as instituições de
representação. Não apenas os partidos. E ocorreu uma pressão para
que as vozes das ruas fossem ficando cada vez mais distantes e
transitassem para a opinião pública, canalizada por meios de
comunicação que são monopólios. Não é a opinião do público, e
sim a opinião publicada. Os governos vão ficando reféns dessa
opinião e se desconectam do movimento das ruas. É preciso voltar a
valorizar o cidadão comum e dar oportunidade a ele para voltar a
participar das políticas públicas.
Em seu livro “Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social” (2012), você afirma que não existe uma nova classe média no Brasil. Como você definiria o perfil dos trabalhadores que ascenderam economicamente na última década?
Em seu livro “Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social” (2012), você afirma que não existe uma nova classe média no Brasil. Como você definiria o perfil dos trabalhadores que ascenderam economicamente na última década?
Pochmann
– Há uma interpretação de que, a
partir da elevação no nível de renda de segmentos que constituem a
base da pirâmide da estrutura social, teríamos uma ‘nova classe
média’. Acredito que não há isso, mas a transformação de
trabalhadores, que antes eram submetidos a condições muito
precárias de informalidade, com salários muito baixos, em
trabalhadores não pobres devido à expansão do emprego e renda que
ocorreu a partir de 2004. Isso não se explica como mudança de
classe, mas como melhoria das condições da classe trabalhadora. É
importante ter clareza também de que isso só ocorreu devido a
políticas de Estado que foram implementadas a partir dos governos de
Lula e Dilma. O Estado continua sendo fundamental na oferta de
serviços públicos, na educação, na saúde, no transporte e é
importante destacar isso porque, se partimos do pressuposto de que
essa ascensão social é simplesmente para um ‘nova classe média’,
observamos que as reivindicações dessa fatia da sociedade são por
menos impostos para comprar mais serviço privado de saúde, de
educação, de saúde. Por isso, o debate deve ser sobre o papel do
Estado, hoje muito mais comprometido com tributação e investimento
para o atendimento de quem precisa.
"Sem política, vamos resolver pelo autoritarismo, que tem governado o Brasil há muito tempo"
A tese que o senhor defende demanda uma maior politização das pessoas que ascenderam. O senhor identifica essa consciência?
"Sem política, vamos resolver pelo autoritarismo, que tem governado o Brasil há muito tempo"
A tese que o senhor defende demanda uma maior politização das pessoas que ascenderam. O senhor identifica essa consciência?
Pochmann
– Eu identifico uma desconexão entre
os dirigentes das instituições de representação que temos no
Brasil com os cidadãos que ascenderam. E falo de partido político,
sindicatos, instituições estudantis, associações de bairros. É
natural que esses segmentos imaginem que as razões dessa ascensão
decorrem de decisões individuais por não haver politização.Na
década de 1970, a ascensão foi muito maior até que a verificada no
período atual, em plena ditadura, quando a economia crescia 10% ano
e a mobilidade foi mais intensa, porque eram pessoas que vinham do
interior, de condições precárias para procurarem emprego na cidade
e virar um trabalhador industrial, como o próprio presidente Lula.
Porém, esses trabalhadores que ascenderam também conviviam com uma
série de insatisfações, moravam na periferia das cidades, sem
condições decentes, e essa insatisfação foi muito bem captada
pelos movimentos sociais. Mesmo sob a ditadura, tivemos recuperação
das instituições estudantis, do movimento sindical, com o
nascimento do Novo Sindicalismo, das comunidades eclesiais de base,
das associações de bairro. Tudo isso redundou na luta por
redemocratização e na nova Constituição. Hoje não vivemos isso.
Desde 2003, tivemos mais de 17 milhões de novos empregos abertos no
Brasil e a taxa de sindicalização permaneceu estável.
Também não caiu, o que é razoável, porque nos EUA e na Europa
está caindo. Mas por que os sindicatos não conseguem captar esse
novo segmento? Mais de um milhão de jovens ascendeu ao ensino
superior por meio do ProUni. Por que eles não estão no movimento
estudantil? Tivemos quase 1,5 milhão de novas famílias com acesso à
moradia por meio do Minha Casa, Minha Vida. Será que isso fortaleceu
a associação dos moradores? Há a necessidade de entender do que se
trata esse novo segmento da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo,
oxigenar as instituições com o objetivo de capturar, do ponto de
vista da politização.
Quais as perspectivas para os próximos anos para esses novos trabalhadores?
Quais as perspectivas para os próximos anos para esses novos trabalhadores?
Pochmann
– Vivemos uma grande dúvida neste
momento, porque os movimentos que tivemos no País desde junho do ano
passado ganharam espontaneidade e seguiram desconectados das direções
das entidades representativas. Será que é um problema das
lideranças que estariam equivocadas? Se for isso é mais simples,
basta trocar as direções. Ou será que o problema são as
instituições que não dialogam, não se apresentam de acordo com os
interesses desses segmentos? Não há uma resposta simples. Tivemos
um conjunto grande de manifestações no mundo nos últimos quatro
anos e o Brasil foi uma das únicas experiências em que o governo
federal chamou para o diálogo e enviou projetos ao Congresso. Se
olharmos para outros países, houve apenas e fundamentalmente
repressão. O Brasil está fazendo um esforço para compreender essas
manifestações e esta é a chave da sustentação das reformas
democráticas que o País precisa fazer. Não somos um país de
tradição democrática e esses novos movimentos é que vão
liderar o país. É fundamental a aproximação.
Diante do atual cenário econômico brasileiro, qual o desafio que os programas sociais como o Bolsa Família devem enfrentar nos próximos anos?
Diante do atual cenário econômico brasileiro, qual o desafio que os programas sociais como o Bolsa Família devem enfrentar nos próximos anos?
Pochmann
– Romper com o ciclo estrutural da
pobreza, que fazia com que o filho do pobre continusse sendo pobre
porque o pai era pobre. Na medida em que os filhos passam a ter
acesso a educação, saúde e a ter mais condições de ascender no
sentido ocupacional quebram o ciclo de reprodução da pobreza. Ao
mesmo tempo, temos o desafio de fazer o Brasil crescer ampliando o
nível de emprego de qualidade. Não temos problema de quantidade -
como nos EUA e na Europa -, mas de qualidade. Do mais de 17 milhões
de empregos gerados desde 2003, , a maior parte é de até dois
salários mínimos R$ 1,4 mil. Isso dá espaço para contratar
pessoas que não tinham escolaridade e experiência laboral, mas,
olhando o País para frente, precisaremos de empregos que paguem
salários mais altos. E esses dependem do ciclo de investimentos que
o País precisa ter em portos, ferrovias,e toda a parte de
infraestrutura.
Qual
o papel da educação nesse processo?
Pochmann
– A educação é estratégica,
necessária, mas não é suficiente para garantir uma boa inserção
individual ou coletiva no mercado de trabalho. O que define a
situação do indivíduo no mercado de trabalho é a geração de
empregos.
Podemos ter um país cheio de doutores, mas se não houver
oportunidades, ele continuará desempregado. A educação deve estar
combinada com o ciclo de expansão do emprego. O Brasil vai crescer
pelo agronegócio ou produzindo com alto valor agregado, alto
conteúdo tecnológico? O que define a quantidade e a qualidade de
emprego é o ritmo de expansão da economia e que tipo de crescimento
está ocorrendo.
Como o sr. avalia os governos de Lula e Dilma na relação com a agricultura familiar e com o agronegócio
Como o sr. avalia os governos de Lula e Dilma na relação com a agricultura familiar e com o agronegócio
Pochmann
– O Brasil escolheu, até o
momento, certo equilíbrio nessas duas situações de agropecuária.
Você tem essa agricultura mais exportadora e a agricultura a partir
da propriedade familiar, que tem compromisso muito grande com o
mercado interno. Ter criado e dado condições para o Ministério da
Agricultura e do Desenvolvimento Agrário permitiu atender a
interesses muito distintos. Contudo, segue um desequilíbrio muito
grande na representação política. O Brasil tem cerca de 40 mil
grandes proprietários rurais, que concentram 50% da terra
agriculturável e elegem entre 130 e 140 deputados federais a
cada quatro anos. Enquanto a agricultura familiar, com cerca de 4
milhões de famílias, elege entre 10 e 12 deputados. Você tem uma
pressão assimétrica no Poder Legislativo, que acaba por interferir
em várias modalidades de políticas públicas. O Executivo tem de
lidar com essas pressões diferenciadas e as opções que foram
feitas necessitaram dar resposta a esse desequilíbrio de
representação, sem privilegiar as ações mais voltadas aos
pequenos empreendedores.