Em torno do Estado se dão os grandes debates atuais. É o alvo do golpe
Por Emir Sader
Desde que Ronald Reagan disse que o Estado deixava de
ser solução para ser o problema, o Estado passou a estar no centro
dos debates e das lutas políticas. Reagan apontava-o como
ineficiente, corrupto, expropriador de recursos das pessoas, produtor
de inflação, desperdiçador, burocrático – em resumo, fonte dos
problemas da humanidade.
No seu lugar, se passou a promover a centralidade do
mercado e das empresas, identificados como eficientes, dinâmicos,
baratos. Quanto menos Estado, melhor (para eles). Estado mínimo
significa mercado máximo. Menos regulação estatal, menos direitos,
menos proteção, menos políticas de inclusão social.
Alguns dos que fizeram a crítica de uma chamada
"Estadolatria" da esquerda no período histórico anterior,
buscaram refúgio na "sociedade civil", que mal podia
mascarar o mercado, na versão dominante do neoliberalismo, entre
eles ONGs e alguns intelectuais, pela rejeição comum do mercado.
Sem o que dizer do ponto de vista do poder do Estado, essa forças
desapareceram da cena política.
Superar o neoliberalismo é assumir funções que
foram anuladas no Estado mínimo. Estado mínimo não significa mais
cidadania, porém menos, porque cidadão é o sujeito de direitos e o
que mais faz o neoliberalismo é expropriar direitos, em favor do
consumidor e do mercado. Quem pode garantir direitos, promover
políticas sociais, participar de processos de integração regional
e de alianças Sul-Sul, induzir políticas de expansão econômica
com distribuição de renda, programa de desenvolvimento tecnológico
e científico, entre outras obrigações civilizatórias, é o
Estado.
Por tudo isso, o alvo central da direita, das suas
tentativas de restauração conservadora, é o Estado. É em torno do
Estado que se dão os grandes debates atuais – sejam econômicos,
sociais, culturais ou diretamente políticos.
No Brasil, não por acaso os alvos centrais da
direita têm sido sempre o Estado – Petrobras, Correios, Fundos de
Pensão, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica – tentando
desarticular a capacidade de ação do Estado.
Diga-me o que você tem a dizer sobre o Estado e eu
te direi onde você se situa política e ideologicamente. Não é a
polarização que encanta ao neoliberalismo, entre um Estado que ele
mesmo maltratou, desfeito, e uma suposta em esfera privada, a que
vige no mundo contemporâneo. Porque a esfera do neoliberalismo não
é uma esfera meramente privada, é esfera mercantil, em que tudo se
vende, tudo se compra, tudo tem preço, tudo é mercadoria. E a
esfera da esquerda é a esfera pública, a esfera dos direitos e da
cidadania. O Estado é um espaço de disputa hegemônica entre as
duas esferas – a pública e a mercantil –, frequentemente as duas
se representam e se disputam dentro do próprio Estado.
Muita razão têm os países que decidiram refundar o
Estado, para adequá-lo à nova base social que sustenta o poder
político, o novo bloco social que leva adiante as políticas de
superação do neoliberalismo. Os que não o fizeram, sofrem com um
aparato burocrático incapaz de incorporar a participação popular
que os novos governos requerem.
Não se trata de que todo debate possa ser reduzido
ao Estado, mas cada proposta de modelo e de política econômica
reserva um lugar para o Estado, supõe uma forma de Estado. Um Estado
de subordinação às forças do mercado ou um Estado capaz de
implementar políticas soberanas, democráticas, populares.
Como o mercado anda com pouco prestígio, não apenas
pelos danos que causaram as políticas neoliberais, mas também pela
profunda e prolongada crise internacional do capitalismo, a direita
se concentra em atacar o Estado e os governos que se valeriam do
Estado para praticar políticas "populistas", "corruptas",
inflacionárias. Mas atacam o Estado para voltar a impor políticas
centradas no mercado.
Nunca como agora o pensamento crítico tem teve que
se voltar para o tema do Estado, das formas que deve assumir o poder
político para corresponder aos governos e ao processo que busca a
construção de modelos de superação do neoliberalismo. Do tipo de
poder popular que se necessita para deitar raízes definitivas nas
formas novas formas de Estado que precisamos.