FARC-EP oxigenam os diálogos de paz
Entrevista exclusiva para www.semanariovoz.com com o diretor de VOZ e dirigente d Partido Comunista Colombiano, Carlos A. Lozano Guillén, está à disposição dos meios de comunicação. Pode ser divulgada e reproduzida com liberdade sempre e quando respeitado o texto original
Encontramos Carlos A.
Lozano Guillén, diretor de VOZ, dirigente comunista e uma das vozes
mais conhecidas em matéria de paz, trancado em sua residência de
Santa Isabel no centro de Bogotá, rodeado de livros e papeis em seu
escritório, onde costuma trabalhar até altas horas da noite. “Esta
semana posso fazê-lo porque descanso da quimioterapia. Na próxima
será difícil fazer isto porque na terça-feira receberei outra dose
e os efeitos são duros, não me permitindo trabalhar com inteira
capacidade”. Está muito melhor, o encontramos de bom humor ainda
que nos explique que o tratamento é longo e seja necessário esperar
até outubro para constatar se fez o efeito desejado. É otimista e
acredita que conseguirá recuperar a saúde.
Eventos importantes estão
ocorrendo nos diálogos de Havana. As FARC-EP acabam de declarar um
novo cessar-fogo unilateral, a partir do próximo 20 de julho e por
um mês. Porém, como Lozano disse, “os gestos do governo de Juan
Manuel Santos não são vistos em nenhuma parte”. Existe uma
ofensiva da extrema direita e dos “inimigos da paz de dentro e fora
do governo” que tem importunado o presidente Santos, que não a
enfrenta com coragem, apoiando-se no poder. Observa-se um mandatário
sozinho, fazendo concessões e dando mais ênfase à guerra que à
paz.
Graças à intervenção
dos países garantidores, à decisão das FARC-EP do cessar-fogo
unilateral e à pressão internacional e nacional, o governo se viu
obrigado a chegar a um acordo em Havana, no domingo, 12 de julho
passado, no qual se comprometeu a adotar medidas para baixar a
intensidade do conflito a partir da trégua unilateral insurgente,
ainda que o presidente Santos tenha insistido no ultimato, desta vez
para dentro de quatro meses, quando avaliará o funcionamento do
cessar-fogo unilateral. “É como acender uma vela para Deus e outra
para o diabo”, disse o Diretor de VOZ.
Sobre estas
características da situação política o semanário VOZ falou com
Carlos Lozano.
A crise dos diálogos
Qual sua opinião
sobre o acordo de domingo, 12 de julho passado, na Mesa de Diálogos
de Havana?
É muito
importante, esperançoso, como disseram em Havana os porta-vozes da
guerrilha. As FARC-EP decretaram o cessar-fogo unilateral a partir de
20 de julho (já o tinham feito antes) e o governo corresponderá com
medidas para diminuir o conflito, sem precisar bem quais serão.
Espera-se que seja a suspensão dos bombardeios que tanto afetam a
população civil e o meio ambiente, acabando com tudo que existe a
seu redor. Agilizar em Havana e diminuir o conflito é o título do
comunicado conjunto #55. Visam acordar sem demoras o cessar-fogo
bilateral e a entrega de armas. É preciso reconstruir, respeitando o
cronograma e buscando acordos de consenso e não impostos por nenhuma
das partes, a confiança que influirá em maior aceitação dos
colombianos do processo de diálogos e do apoio à paz.
Não se resolvem, é
claro, aspectos nucleares como o da justiça e das reformas políticas
e sociais, porque existem diferenças óbvias entre as partes. Uns
representam a mudança revolucionária, outros o freio, o status quo.
Assim, de uma maneira simplista. Porém, não me agrada a atitude do
governo que recebe com certa desconfiança o acordo e fixa o ultimato
em quatro meses, que são dados para diminuir o conflito. Uma vez
feito o balanço pela parte governamental, será definida a
continuidade ou não na mesa. É como acender uma vela para Deus e
outra para o diabo. O governo permanece na posição medíocre de não
defender de frente o processo de paz e prefere enviar mensagens para
Uribe, para Ordóñez e para os militares golpistas,
tranquilizando-os. Essa atitude não é boa porque é uma mensagem
contrária à opinião nacional e não gera confiança à força
insurgente.
Como qualifica a
decisão das FARC de declarar, antes do último acordo, o cessar-fogo
unilateral?
É uma decisão
audaz e construtiva, um novo gesto de vontade de paz da guerrilha em
Havana. Oxigena o processo em meio às dificuldades, quando estava em
agonia por querer do governo e da classe dominante. Santos provocou a
suspensão do cessar-fogo unilateral e reiniciou os bombardeios, em
meio a ameaças e ultimatos. Quer a guerrilha rendida, entregando as
armas e seus principais dirigentes no cárcere, evitando as reformas
políticas e sociais chaves para superar as causas do conflito. É
uma visão equivocada dos diálogos de paz, onde se considera que os
gestos e os compromissos são unilaterais e o Estado colombiano não
tem nada a conceder. A guerrilha demonstrou vários deles e os gestos
governamentais não aparecem em nenhuma parte.
Que gestos deve
apresentar o governo?
As FARC-EP com esta
última trégua unilateral completa seis ao longo dos diálogos da
Mesa de Havana: entregou os ‘prisioneiros de guerra’, incluindo o
general Alzate, decretou o fim das retenções econômicas e esteve
disposta a contribuir na chamada diminuição do confronto
(desminagem, crianças na guerra, respeito às mulheres combatentes),
entre outras. O governo não apresentou nenhum, nem na mesa nem fora
dela. Aproveitou o cessar unilateral para obter vantagem militar,
continua reprimindo a luta social, popular e as mobilizações, ao
mesmo tempo em que as prisões se enchem de presos políticos. Hoje
são mais de 9.000.
Em Havana, os porta-vozes
governamentais falam de paz, mas na Colômbia Santos promove a
guerra, não apenas porque aprofunda o confronto armado, sim porque
implanta mais medidas neoliberais e antipopulares, como o Plano
Nacional de Desenvolvimento. A desigualdade cresce, a brecha é cada
vez maior, enquanto nega a “concertación social” com os
trabalhadores, os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes, os
jovens, as mulheres e os LGBTI.
O governo não satisfaz
nenhum setor popular, no que se refere aos direitos e reivindicações.
Quando chega a se comprometer mediante acordos, afirma
desconhecê-los, como ocorreu com a Cúpula Agrária. No entanto, os
privilégios e regalias são para as transnacionais, para os
poderosos grupos econômicos, o setor financeiro, latifundiários e
pecuaristas. Afiança-se o poder plutocrático para proteger os
interesses da oligarquia e do capital estrangeiro com o conto da
confiança investidora. Em contraposição à paz e aos acordos
parciais de Havana, deu passe-livre aos TLC, tão nocivos que o papa
Francisco os criticou na recente viagem pela América Latina.
Creio que o presidente é
refém dos belicistas. A cúpula militar, pelo menos a maioria, não
quer a paz, e mais, pressiona a ruptura dos diálogos. Além disso, a
extrema direita o pressiona e faz chantagem, o conhece muito bem,
pois foi “ministro estrela” de Uribe. Santos está mais próximo
de Uribe que da paz. Suas diferenças são de forma, porém no fundo,
na estrutura do Estado antidemocrático, no modelo neoliberal, na
confiança investidora e em outros despropósitos oligárquicos estão
de acordo.
Então, o que fazer?
O que sempre
fizemos. Ganhar os espaços na luta popular de massas. “Colocando o
povo no processo”. O caminho é fortalecer a Frente Ampla pela Paz
como um projeto independente, que pressione a saída política
dialogada e se converta em opção de poder popular. Equivocam-se
aqueles que acreditam que o papel da Frente Ampla é estar na cola do
Governo para respaldá-lo na política de paz, cada vez mais vazia e
oportunista. O apoio à reeleição foi pertinente, no entendimento
de que era necessário frear a vitória, que parecia iminente, da
extrema direita uribista. E nada mais. Não existiu um acordo
programático porque nada nos identifica com o projeto neoliberal de
Santos, o mesmo da oligarquia, do governo e da extrema direita
uribista. Santos nos deve a vitória e tem que cumprir. Porém,
insisto: o precedente é a ação de massas, a pressão popular,
articular o movimento com a luta pela paz e pelas reformas que
assegurem a paz e a unidade popular.
Na direita e,
inclusive na esquerda, alguns dizem que as FARC-EP não querem a paz,
que está no mesmo jogo de sempre, de aproveitar estes processos para
se fortalecer. Qual sua opinião?
Escrevi um livro
que foi lançado na última Feira Internacional do Livro, em Bogotá,
com o título de “Las FARC-EP sí quieren la paz” [As FARC-EP
querem a paz]. É o testemunho de conversas, entrevistas e análises
baseadas na realidade de que chegou o momento da paz com democracia e
justiça social como nunca antes existiu. Há poucas semanas, Iván
Márquez leu uma declaração em que as FARC-EP asseguram, sem
rodeios, que querem pactuar a paz com Santos. Disseram isso no
momento mais difícil do processo, quando a “grande imprensa” e a
direita reclamavam suspender ou romper os diálogos. De alguma
maneira, estabeleceram a temporalidade que tanto exige Santos, porque
seu governo, como todos, possui um tempo fixo, um período de quatro
anos dos quais já restam quase três.
Não é muito otimista
a apreciação?
Não acredito. Sim,
com a Mesa de Havana se conjuga a luta popular e a pressão das
massas. A Frente Ampla tem que se converter em uma força alternativa
democrática para a paz e a justiça social. Estão dadas as
condições para a paz estável e duradoura. Por isso, a alternativa
à crise é manter o diálogo e buscar saídas. A guerra fracassou
como solução do conflito. Nenhuma das partes obteve vitória, o
conflito está degradado e é uma tragédia nacional. É preciso
colocar um ponto final. Nós revolucionários somos humanistas e não
podemos resolver o drama social a tiros e com violência quando ela
traz consequências funestas e terríveis para a população.
Deve-se entender que a
luta armada foi um erro?
A luta armada
guerrilheira não foi inventada. Nem pelo Partido Comunista nem pelos
camponeses que decidiram armar-se ante a violência do poder
dominante. Ela obedeceu a causas profundas e históricas. A análise
disso foi aprofundada pela Comissão de História, subestimada pelos
porta-vozes governamentais que possuem pavor da academia e do
registro histórico dos fatos e conflitos no país e no mundo. É uma
posição retrógrada, reacionária e bestial, que não reconhece a
contribuição que estes textos podem promover à verdade, à
justiça, à reparação e à não repetição.
A luta armada não surgiu
porque sim. Adotou as modalidades a cada conjuntura histórica e a
cada etapa do processo político e social. Não é um problema de
“combinação das formas de luta”, que é a forma vulgar de
explicá-lo. A combinação das formas de luta de massas não é um
decreto ou uma lei revolucionária, é a explicação de uma
realidade colombiana, uma espécie de radiografia social de nossa
própria realidade, em que a luta de massas se expressa de múltiplas
formas, entre elas a ação armada guerrilheira. Neste sentido, o
movimento guerrilheiro se converteu em uma força fundamental para as
mudanças no entendimento de que a prioridade sempre está nas lutas
democráticas e de massas no campo e na cidade.
Lembre que a primeira
expressão da resistência armada foi a autodefesa de massas, ou
seja, os camponeses na metade do século passado, tomaram as armas
para se defender da violência dos latifundiários apoiados pelo
Estado, durante as ditaduras conservadoras de Mariano Ospina Pérez e
Laureano Gómez. Desse movimento fizeram parte os liberais, ainda que
hoje não queiram recordar isso, apagando este fato da memória
histórica.
Quando veio a ditadura
militar em 1953, o general Rojas Pinilla falou de paz, os liberais se
entregaram à custa da morte de vários de seus dirigentes. As
guerrilhas revolucionárias se instalaram no sul do país, em plano
defensivo, esperando que se ponderasse a política do governo,
orientada à ditadura e ao anticomunismo vulgar e fazendo chamados à
paz.
Chegou a Frente Nacional
anunciando a paz e o que fez foi bombardear Marquetalia, El Pato,
Riochiquito e Guayabero, tentando aniquilar a pequena força
guerrilheira. Isso produziu a mudança estratégia e o movimento se
converteu em uma força guerrilheira política e militar, cuja ação
se baseou na guerra de guerrilhas, ainda que sempre propondo o
diálogo e a paz, repudiados pelo governo de Guillermo León
Valencia, sob a pressão do tenebroso Álvaro Gómez Hurtado, filho
do “monstro” Laureano Gómez.
Nos anos oitenta e
noventa, novas tentativas de paz foram fracassadas pela relutância
do poder às reformas políticas e sociais para remover as causas do
conflito. Fracassaram as tentativas com Belisario Betancur, César
Gaviria Trujillo e Andrés Pastrana. O genocídio da União
Patriótica, nos anos oitenta, gerou desconfiança na insurgência
porque a violência por parte do poder determinou este aniquilamento
horrível de toda uma organização política. O genocídio foi
perpetrado pelos paramilitares com o respaldo da força pública, de
políticos nacionais e regionais tradicionais, latifundiários,
pecuaristas, empresários e narcotraficantes, uma verdadeira trama
criminosa que demonstrou a oposição à paz e às mudanças
democráticas.
Como você vê, estamos
ante um poder violento, que se nega à democracia, fechado às
mudanças avançadas na vida nacional. Olhe você, tudo isso foi
denunciado pela Corporação Paz e Segurança, que na campanha
eleitoral de outubro do presente ano (eleições regionais) existem
140 candidatos com estreitos laços com o paramilitarismo, o
narcotráfico e as máfias, que lucram com o poder. Santos guarda
silêncio porque esses candidatos são endossados pelo Partido
Liberal, pelo Partido Conservador, a U (do presidente Santos),
Mudança Radical (do vice-presidente Vargas Lleras), Opção Cidadã,
todos da Unidade Nacional (governista) e do Centro Democrático
uribista. Nestas condições, é difícil a paz; não se criam
condições quando o governo está fechado à democracia, às
liberdades e ao chamado Estado Social de Direito. A paz é possível
com uma nova ordem política, econômica e social.
Está
claro. Porém, onde se encaixam as fases da violência na Colômbia
neste quadro que você descreve?
Estão
nesse marco. Sociólogos,
historiadores e analistas do Partido Comunista Colombiano atribuem
quatro etapas à violência na Colômbia, desde a metade do século
passado até nossos dias: de 1948, após o assassinato de Jorge
Eliécer Gaitán pela direita conservadora e pela CIA, até 1953,
golpe militar de Rojas Pinilla; de 1953 a 1957, durante a ditadura,
anticomunismo que ilegalizou o partido na Constituinte de bolso; de
1957 a 1964, com o ataque a Marquetalia, El Pato, Riochouito e
Guayabero; e de 1964 até nossos dias. No entanto, numa moderna
visão, coloca-se uma quinta etapa, desde 1984 até nossos dias, mais
complexa porque é a do paramilitarismo, o genocídio da União
Patriótica e dos processos de paz. É uma etapa de agudas lutas na
qual fracassa a via militar e se abre caminho para a necessidade da
solução política dialogada mediante a abertura democrática e
social.
Outro tema: Quais são
os erros de maior destaque do presidente Santos nos diálogos de
Havana?
Crer que está
frente a uma guerrilha e como tal pretende tratá-la em um processo
de paz com duas partes envolvidas; a modalidade de dialogar em meio
ao conflito. Não requer maior explicação porque o objetivo
essencial é a entrega das armas, a desmobilização e as regalias,
ainda que com uma justiça inquisitorial e exclusiva, pois não
incorpora os responsáveis e impõe decisões unilaterais, perdendo
de vista a estrita bilateralidade da crise; não entender que o
fundamental são as reformas, as mudanças no Estado para fortalecer
a democracia e a justiça social. Por isso, para ele, é a partir do
Estado de violência e promotor dos crimes em todos os tempos,
prestar-se ao vaivém das concessões, tolerar a ambiguidade nas
fileiras governamentais e dar demasiadas explicações a Uribe e
Ordóñez, vilões inimigos da paz.
Quer dizer que se
chegou em Havana ao ponto de não retorno?
Ainda não. Falta
um longo trecho a ser percorrido. Ficam pendentes temas chaves, como
justiça, entrega de armas, garantias, mecanismos de referendo e o
que está na geladeira. Tudo isso deve ser definido. Porém, digo uma
coisa: Tenho certeza de que se chegar a um acordo sobre justiça, o
processo chegará ao ponto de não retorno. Este é um acordo
fundamental. A verdade, a justiça e a reparação não estão
associadas a represálias e à prisão. Isso foi dito de Kofi Anan
até outras importantes personalidades internacionais. Na Colômbia,
a oligarquia tem uma posição não só de vingança, mas de subtrair
sua própria responsabilidade sobre a violência na Colômbia. Foi
ela que converteu o Estado em instrumento violento de dominação,
agora não quer reconciliar.
¿Referendo ou
Assembleia Nacional Constituinte?
Definitivamente
Assembleia Nacional Constituinte, que permite uma maior participação
do cidadão e de suas organizações. É o poder constituinte
convertido em instrumento fundamental de mudança. Nela se podem
ratificar os acordos, dirimir os desacordos e abordar outras reformas
políticas e sociais de fundo na vida do país. Por que a classe
dominante tem medo da Constituinte? Por
conta de seu pavor à democracia. O
dia em que este país conquistar uma real abertura de liberdades,
direitos e autênticos mecanismos de participação respeitados por
todos, começará a oscilar o poder destes parasitas que enriquecem
do erário e do que tiram dos camponeses e dos trabalhadores.
Obrigado, camarada
Carlos. Desejamos rápida recuperação.
Fonte:
http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/07/21/colombia-farc-ep-oxigenan-los-dialogos-de-paz/
Tradução:
Partido Comunista Brasileiro (PCB)