"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 31 de julho de 2015

FARC-EP oxigenam os diálogos de paz



Resumen Latinoamericano / Semanario Voz / 18 de julho de 2015 – 
Entrevista exclusiva para www.semanariovoz.com com o diretor de VOZ e dirigente d Partido Comunista Colombiano, Carlos A. Lozano Guillén, está à disposição dos meios de comunicação. Pode ser divulgada e reproduzida com liberdade sempre e quando respeitado o texto original
 
Encontramos Carlos A. Lozano Guillén, diretor de VOZ, dirigente comunista e uma das vozes mais conhecidas em matéria de paz, trancado em sua residência de Santa Isabel no centro de Bogotá, rodeado de livros e papeis em seu escritório, onde costuma trabalhar até altas horas da noite. “Esta semana posso fazê-lo porque descanso da quimioterapia. Na próxima será difícil fazer isto porque na terça-feira receberei outra dose e os efeitos são duros, não me permitindo trabalhar com inteira capacidade”. Está muito melhor, o encontramos de bom humor ainda que nos explique que o tratamento é longo e seja necessário esperar até outubro para constatar se fez o efeito desejado. É otimista e acredita que conseguirá recuperar a saúde.
Eventos importantes estão ocorrendo nos diálogos de Havana. As FARC-EP acabam de declarar um novo cessar-fogo unilateral, a partir do próximo 20 de julho e por um mês. Porém, como Lozano disse, “os gestos do governo de Juan Manuel Santos não são vistos em nenhuma parte”. Existe uma ofensiva da extrema direita e dos “inimigos da paz de dentro e fora do governo” que tem importunado o presidente Santos, que não a enfrenta com coragem, apoiando-se no poder. Observa-se um mandatário sozinho, fazendo concessões e dando mais ênfase à guerra que à paz.
Graças à intervenção dos países garantidores, à decisão das FARC-EP do cessar-fogo unilateral e à pressão internacional e nacional, o governo se viu obrigado a chegar a um acordo em Havana, no domingo, 12 de julho passado, no qual se comprometeu a adotar medidas para baixar a intensidade do conflito a partir da trégua unilateral insurgente, ainda que o presidente Santos tenha insistido no ultimato, desta vez para dentro de quatro meses, quando avaliará o funcionamento do cessar-fogo unilateral. “É como acender uma vela para Deus e outra para o diabo”, disse o Diretor de VOZ.
Sobre estas características da situação política o semanário VOZ falou com Carlos Lozano.



A crise dos diálogos
Qual sua opinião sobre o acordo de domingo, 12 de julho passado, na Mesa de Diálogos de Havana?
 É muito importante, esperançoso, como disseram em Havana os porta-vozes da guerrilha. As FARC-EP decretaram o cessar-fogo unilateral a partir de 20 de julho (já o tinham feito antes) e o governo corresponderá com medidas para diminuir o conflito, sem precisar bem quais serão. Espera-se que seja a suspensão dos bombardeios que tanto afetam a população civil e o meio ambiente, acabando com tudo que existe a seu redor. Agilizar em Havana e diminuir o conflito é o título do comunicado conjunto #55. Visam acordar sem demoras o cessar-fogo bilateral e a entrega de armas. É preciso reconstruir, respeitando o cronograma e buscando acordos de consenso e não impostos por nenhuma das partes, a confiança que influirá em maior aceitação dos colombianos do processo de diálogos e do apoio à paz.
Não se resolvem, é claro, aspectos nucleares como o da justiça e das reformas políticas e sociais, porque existem diferenças óbvias entre as partes. Uns representam a mudança revolucionária, outros o freio, o status quo. Assim, de uma maneira simplista. Porém, não me agrada a atitude do governo que recebe com certa desconfiança o acordo e fixa o ultimato em quatro meses, que são dados para diminuir o conflito. Uma vez feito o balanço pela parte governamental, será definida a continuidade ou não na mesa. É como acender uma vela para Deus e outra para o diabo. O governo permanece na posição medíocre de não defender de frente o processo de paz e prefere enviar mensagens para Uribe, para Ordóñez e para os militares golpistas, tranquilizando-os. Essa atitude não é boa porque é uma mensagem contrária à opinião nacional e não gera confiança à força insurgente.

Como qualifica a decisão das FARC de declarar, antes do último acordo, o cessar-fogo unilateral?
 É uma decisão audaz e construtiva, um novo gesto de vontade de paz da guerrilha em Havana. Oxigena o processo em meio às dificuldades, quando estava em agonia por querer do governo e da classe dominante. Santos provocou a suspensão do cessar-fogo unilateral e reiniciou os bombardeios, em meio a ameaças e ultimatos. Quer a guerrilha rendida, entregando as armas e seus principais dirigentes no cárcere, evitando as reformas políticas e sociais chaves para superar as causas do conflito. É uma visão equivocada dos diálogos de paz, onde se considera que os gestos e os compromissos são unilaterais e o Estado colombiano não tem nada a conceder. A guerrilha demonstrou vários deles e os gestos governamentais não aparecem em nenhuma parte.

Que gestos deve apresentar o governo?
 As FARC-EP com esta última trégua unilateral completa seis ao longo dos diálogos da Mesa de Havana: entregou os ‘prisioneiros de guerra’, incluindo o general Alzate, decretou o fim das retenções econômicas e esteve disposta a contribuir na chamada diminuição do confronto (desminagem, crianças na guerra, respeito às mulheres combatentes), entre outras. O governo não apresentou nenhum, nem na mesa nem fora dela. Aproveitou o cessar unilateral para obter vantagem militar, continua reprimindo a luta social, popular e as mobilizações, ao mesmo tempo em que as prisões se enchem de presos políticos. Hoje são mais de 9.000.
Em Havana, os porta-vozes governamentais falam de paz, mas na Colômbia Santos promove a guerra, não apenas porque aprofunda o confronto armado, sim porque implanta mais medidas neoliberais e antipopulares, como o Plano Nacional de Desenvolvimento. A desigualdade cresce, a brecha é cada vez maior, enquanto nega a “concertación social” com os trabalhadores, os camponeses, os indígenas, os afrodescendentes, os jovens, as mulheres e os LGBTI.
O governo não satisfaz nenhum setor popular, no que se refere aos direitos e reivindicações. Quando chega a se comprometer mediante acordos, afirma desconhecê-los, como ocorreu com a Cúpula Agrária. No entanto, os privilégios e regalias são para as transnacionais, para os poderosos grupos econômicos, o setor financeiro, latifundiários e pecuaristas. Afiança-se o poder plutocrático para proteger os interesses da oligarquia e do capital estrangeiro com o conto da confiança investidora. Em contraposição à paz e aos acordos parciais de Havana, deu passe-livre aos TLC, tão nocivos que o papa Francisco os criticou na recente viagem pela América Latina.
Creio que o presidente é refém dos belicistas. A cúpula militar, pelo menos a maioria, não quer a paz, e mais, pressiona a ruptura dos diálogos. Além disso, a extrema direita o pressiona e faz chantagem, o conhece muito bem, pois foi “ministro estrela” de Uribe. Santos está mais próximo de Uribe que da paz. Suas diferenças são de forma, porém no fundo, na estrutura do Estado antidemocrático, no modelo neoliberal, na confiança investidora e em outros despropósitos oligárquicos estão de acordo.

Então, o que fazer?
 O que sempre fizemos. Ganhar os espaços na luta popular de massas. “Colocando o povo no processo”. O caminho é fortalecer a Frente Ampla pela Paz como um projeto independente, que pressione a saída política dialogada e se converta em opção de poder popular. Equivocam-se aqueles que acreditam que o papel da Frente Ampla é estar na cola do Governo para respaldá-lo na política de paz, cada vez mais vazia e oportunista. O apoio à reeleição foi pertinente, no entendimento de que era necessário frear a vitória, que parecia iminente, da extrema direita uribista. E nada mais. Não existiu um acordo programático porque nada nos identifica com o projeto neoliberal de Santos, o mesmo da oligarquia, do governo e da extrema direita uribista. Santos nos deve a vitória e tem que cumprir. Porém, insisto: o precedente é a ação de massas, a pressão popular, articular o movimento com a luta pela paz e pelas reformas que assegurem a paz e a unidade popular.

Na direita e, inclusive na esquerda, alguns dizem que as FARC-EP não querem a paz, que está no mesmo jogo de sempre, de aproveitar estes processos para se fortalecer. Qual sua opinião?
 Escrevi um livro que foi lançado na última Feira Internacional do Livro, em Bogotá, com o título de “Las FARC-EP sí quieren la paz” [As FARC-EP querem a paz]. É o testemunho de conversas, entrevistas e análises baseadas na realidade de que chegou o momento da paz com democracia e justiça social como nunca antes existiu. Há poucas semanas, Iván Márquez leu uma declaração em que as FARC-EP asseguram, sem rodeios, que querem pactuar a paz com Santos. Disseram isso no momento mais difícil do processo, quando a “grande imprensa” e a direita reclamavam suspender ou romper os diálogos. De alguma maneira, estabeleceram a temporalidade que tanto exige Santos, porque seu governo, como todos, possui um tempo fixo, um período de quatro anos dos quais já restam quase três.

Não é muito otimista a apreciação?
 Não acredito. Sim, com a Mesa de Havana se conjuga a luta popular e a pressão das massas. A Frente Ampla tem que se converter em uma força alternativa democrática para a paz e a justiça social. Estão dadas as condições para a paz estável e duradoura. Por isso, a alternativa à crise é manter o diálogo e buscar saídas. A guerra fracassou como solução do conflito. Nenhuma das partes obteve vitória, o conflito está degradado e é uma tragédia nacional. É preciso colocar um ponto final. Nós revolucionários somos humanistas e não podemos resolver o drama social a tiros e com violência quando ela traz consequências funestas e terríveis para a população.

Deve-se entender que a luta armada foi um erro?
 A luta armada guerrilheira não foi inventada. Nem pelo Partido Comunista nem pelos camponeses que decidiram armar-se ante a violência do poder dominante. Ela obedeceu a causas profundas e históricas. A análise disso foi aprofundada pela Comissão de História, subestimada pelos porta-vozes governamentais que possuem pavor da academia e do registro histórico dos fatos e conflitos no país e no mundo. É uma posição retrógrada, reacionária e bestial, que não reconhece a contribuição que estes textos podem promover à verdade, à justiça, à reparação e à não repetição.
A luta armada não surgiu porque sim. Adotou as modalidades a cada conjuntura histórica e a cada etapa do processo político e social. Não é um problema de “combinação das formas de luta”, que é a forma vulgar de explicá-lo. A combinação das formas de luta de massas não é um decreto ou uma lei revolucionária, é a explicação de uma realidade colombiana, uma espécie de radiografia social de nossa própria realidade, em que a luta de massas se expressa de múltiplas formas, entre elas a ação armada guerrilheira. Neste sentido, o movimento guerrilheiro se converteu em uma força fundamental para as mudanças no entendimento de que a prioridade sempre está nas lutas democráticas e de massas no campo e na cidade.
Lembre que a primeira expressão da resistência armada foi a autodefesa de massas, ou seja, os camponeses na metade do século passado, tomaram as armas para se defender da violência dos latifundiários apoiados pelo Estado, durante as ditaduras conservadoras de Mariano Ospina Pérez e Laureano Gómez. Desse movimento fizeram parte os liberais, ainda que hoje não queiram recordar isso, apagando este fato da memória histórica.
Quando veio a ditadura militar em 1953, o general Rojas Pinilla falou de paz, os liberais se entregaram à custa da morte de vários de seus dirigentes. As guerrilhas revolucionárias se instalaram no sul do país, em plano defensivo, esperando que se ponderasse a política do governo, orientada à ditadura e ao anticomunismo vulgar e fazendo chamados à paz.
Chegou a Frente Nacional anunciando a paz e o que fez foi bombardear Marquetalia, El Pato, Riochiquito e Guayabero, tentando aniquilar a pequena força guerrilheira. Isso produziu a mudança estratégia e o movimento se converteu em uma força guerrilheira política e militar, cuja ação se baseou na guerra de guerrilhas, ainda que sempre propondo o diálogo e a paz, repudiados pelo governo de Guillermo León Valencia, sob a pressão do tenebroso Álvaro Gómez Hurtado, filho do “monstro” Laureano Gómez.
Nos anos oitenta e noventa, novas tentativas de paz foram fracassadas pela relutância do poder às reformas políticas e sociais para remover as causas do conflito. Fracassaram as tentativas com Belisario Betancur, César Gaviria Trujillo e Andrés Pastrana. O genocídio da União Patriótica, nos anos oitenta, gerou desconfiança na insurgência porque a violência por parte do poder determinou este aniquilamento horrível de toda uma organização política. O genocídio foi perpetrado pelos paramilitares com o respaldo da força pública, de políticos nacionais e regionais tradicionais, latifundiários, pecuaristas, empresários e narcotraficantes, uma verdadeira trama criminosa que demonstrou a oposição à paz e às mudanças democráticas.
Como você vê, estamos ante um poder violento, que se nega à democracia, fechado às mudanças avançadas na vida nacional. Olhe você, tudo isso foi denunciado pela Corporação Paz e Segurança, que na campanha eleitoral de outubro do presente ano (eleições regionais) existem 140 candidatos com estreitos laços com o paramilitarismo, o narcotráfico e as máfias, que lucram com o poder. Santos guarda silêncio porque esses candidatos são endossados pelo Partido Liberal, pelo Partido Conservador, a U (do presidente Santos), Mudança Radical (do vice-presidente Vargas Lleras), Opção Cidadã, todos da Unidade Nacional (governista) e do Centro Democrático uribista. Nestas condições, é difícil a paz; não se criam condições quando o governo está fechado à democracia, às liberdades e ao chamado Estado Social de Direito. A paz é possível com uma nova ordem política, econômica e social.

Está claro. Porém, onde se encaixam as fases da violência na Colômbia neste quadro que você descreve?
 Estão nesse marco. Sociólogos, historiadores e analistas do Partido Comunista Colombiano atribuem quatro etapas à violência na Colômbia, desde a metade do século passado até nossos dias: de 1948, após o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán pela direita conservadora e pela CIA, até 1953, golpe militar de Rojas Pinilla; de 1953 a 1957, durante a ditadura, anticomunismo que ilegalizou o partido na Constituinte de bolso; de 1957 a 1964, com o ataque a Marquetalia, El Pato, Riochouito e Guayabero; e de 1964 até nossos dias. No entanto, numa moderna visão, coloca-se uma quinta etapa, desde 1984 até nossos dias, mais complexa porque é a do paramilitarismo, o genocídio da União Patriótica e dos processos de paz. É uma etapa de agudas lutas na qual fracassa a via militar e se abre caminho para a necessidade da solução política dialogada mediante a abertura democrática e social.

Outro tema: Quais são os erros de maior destaque do presidente Santos nos diálogos de Havana?
 Crer que está frente a uma guerrilha e como tal pretende tratá-la em um processo de paz com duas partes envolvidas; a modalidade de dialogar em meio ao conflito. Não requer maior explicação porque o objetivo essencial é a entrega das armas, a desmobilização e as regalias, ainda que com uma justiça inquisitorial e exclusiva, pois não incorpora os responsáveis e impõe decisões unilaterais, perdendo de vista a estrita bilateralidade da crise; não entender que o fundamental são as reformas, as mudanças no Estado para fortalecer a democracia e a justiça social. Por isso, para ele, é a partir do Estado de violência e promotor dos crimes em todos os tempos, prestar-se ao vaivém das concessões, tolerar a ambiguidade nas fileiras governamentais e dar demasiadas explicações a Uribe e Ordóñez, vilões inimigos da paz.

Quer dizer que se chegou em Havana ao ponto de não retorno?
 Ainda não. Falta um longo trecho a ser percorrido. Ficam pendentes temas chaves, como justiça, entrega de armas, garantias, mecanismos de referendo e o que está na geladeira. Tudo isso deve ser definido. Porém, digo uma coisa: Tenho certeza de que se chegar a um acordo sobre justiça, o processo chegará ao ponto de não retorno. Este é um acordo fundamental. A verdade, a justiça e a reparação não estão associadas a represálias e à prisão. Isso foi dito de Kofi Anan até outras importantes personalidades internacionais. Na Colômbia, a oligarquia tem uma posição não só de vingança, mas de subtrair sua própria responsabilidade sobre a violência na Colômbia. Foi ela que converteu o Estado em instrumento violento de dominação, agora não quer reconciliar.

¿Referendo ou Assembleia Nacional Constituinte?
 Definitivamente Assembleia Nacional Constituinte, que permite uma maior participação do cidadão e de suas organizações. É o poder constituinte convertido em instrumento fundamental de mudança. Nela se podem ratificar os acordos, dirimir os desacordos e abordar outras reformas políticas e sociais de fundo na vida do país. Por que a classe dominante tem medo da Constituinte? Por conta de seu pavor à democracia. O dia em que este país conquistar uma real abertura de liberdades, direitos e autênticos mecanismos de participação respeitados por todos, começará a oscilar o poder destes parasitas que enriquecem do erário e do que tiram dos camponeses e dos trabalhadores.


Obrigado, camarada Carlos. Desejamos rápida recuperação.

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2015/07/21/colombia-farc-ep-oxigenan-los-dialogos-de-paz/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)