Um papa que quer mudar o sistema econômico
A reportagem é de Sébastien Maillard, publicada no jornal La Croix, 13-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele já foi chamado de "pequena encíclica". O forte discurso proferido pelo Papa Francisco em Santa Cruz (Bolívia), diante de movimentos populares, foi o mais surpreendente das 22 intervenções dessa viagem à América Latina.
Nele, ele convida a "uma mudança real" do sistema mundial e das "suas estruturas": uma mudança que, segundo ele, é uma aspiração planetária.
Para o papa, a "globalização da esperança" deve ser uma resposta para a da "exclusão e da indiferença". E, assim, opor-se àquele "modelo econômico idolátrico que precisa sacrificar vidas humanas no altar do dinheiro e da rentabilidade", denunciou, depois, no sábado, em Assunção, diante da sociedade civil paraguaia.
Palavras tão duras não são novas nos lábios de Jorge Bergoglio que, desde o início do seu pontificado, denuncia a "globalização da indiferença".
A sua exortação Evangelii gaudium, de novembro de 2013, já criticava "a economia que mata", rejeitando a presunção segundo a qual bastariam os mecanismos do mercado para fazer com que a prosperidade esteja mais em benefício daqueles que estão mais distantes dela.
Mais recentemente, a sua encíclica Laudato si' apresentou um quadro chocante de uma economia global que se baseia no consumismo desenfreado de uma minoria, em detrimento do resto da população e do planeta.
No seu discurso de Santa Cruz, ele vai além, afirmando que "esse sistema atenta contra o projeto de Jesus". Além disso, ele adverte que "a covardia na defesa do planeta é um pecado grave". E apresenta a distribuição justa como um "mandamento".
No continente mais católico, mas que também apresenta as maiores desigualdades do mundo, essa linguagem se destina a sensibilizar ainda mais os cristãos para esses problemas, a convidar as consciências a um exame e a tocar os corações para fazer brotar a compaixão, força necessária para a mudança que ele deseja provocar.
De fato, só a razão não basta. A intervenção do papa aos movimentos populares bolivianos, aliás, não contém nem números nem demonstrações científicas. Tocado pela crise argentina de 2001 e bom conhecedor das experiências de economia alternativa em Buenos Aires, porém, Jorge Bergoglio não se coloca em uma posição de militante anticapitalista nem de economista. Nem formula um programa: "Não espere deste papa uma receita", lembra.
Inspirando-se tanto na doutrina social da Igreja quanto na teologia da libertação, ele pede especialmente que as soluções venham da base, que os excluídos sejam os seus coprotagonistas.
"Os pobres já não esperam e querem ser protagonistas; organizam-se, estudam, trabalham, reclamam e, sobretudo, praticam a solidariedade", observava ele em um primeiro discurso sobre o assunto, no dia 28 de outubro no Vaticano, cujos ecos ressoam no de Santa Cruz.
Em ambos os casos, o Papa Francisco se dirigia diretamente àqueles inúmeros "movimentos populares", porta-voz dos excluídos. "Trata-se de organizações de pequenos agricultores e pescadores, meeiros, diaristas, trabalhadores agrícolas sazonais, agricultores sem terra (...), recicladores, vendedores ambulantes, artesãos de rua...", enumeravam na revista jesuíta Études dois participantes do encontro romano de outubro.
Menos da metade deles se define como católico. Em grande parte latino-americanos, esses "sem poder" da globalização gozam do apoio de Evo Morales, o presidente boliviano, já presente no Vaticano e, naturalmente, em Santa Cruz.
Através desses encontros, co-organizado pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, também tomam consciência da força potencial que eles representam.
"Não se apequenem!", pediu-lhes com força o Papa Francisco. Ao fazer isso, o papa os eleva como interlocutores da Igreja Católica. "Ao tentar entender as razões do outro, ao tentar escutar a sua experiência, os seus anseios, podemos ver que, em grande parte, são aspirações comuns", disse o papa, expressando sua esperança, em Assunção, dois dias depois.
Para o padre Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, não há dúvida: o papa conhece esses movimentos "e as suas ambiguidades". Mas ele "tenta inspirar a energia positiva desses movimentos, mesmo os mais extremos, e, ao mesmo tempo, inspirá-los para participar do processo de mudança", diz.
Um processo que poderá ser conduzido apenas a longo prazo. Aos "três Ts" – terra, teto, trabalho – reivindicados pelos movimentos populares e defendidos também pelo papa, ele acrescentou um quarto T, o tempo: que dá "a paixão por semear, por regar serenamente o que os outros verão florescer", sem esperar "resultados imediatos". "Vocês são semeadores de mudança", exclamou.
Em suma, mesmo que "a fé é revolucionária", uma expressão que ele já usava nos anos 1970, Jorge Bergoglio não promete "o sol do futuro".