América Latina: quatro blocos de poder
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Na América Latina existem quatro blocos de nações que competem, contrariamente ao dualismo simplista com que a Casa Branca e a maioria da esquerda descreve o processo. Cada um deles representa diferentes graus de acomodação e oposição às políticas e interesses estadunidenses, que dependerão de como os Estados Unidos definirá ou redefinirá seus interesses segundo as novas realidades. Escreve Petras.
[Tomado de La Jornada/James Petras]
Na América Latina existem quatro blocos de nações que competem, contrariamente ao dualismo simplista com que a Casa Branca e a maioria da esquerda descreve o processo. Cada um deles representa diferentes graus de acomodação e oposição às políticas e interesses estadunidenses, que dependerão de como os Estados Unidos definirá ou redefinirá seus interesses segundo as novas realidades.
A esquerda radical inclui as FARC na Colômbia, setores dos sindicatos e os movimentos camponeses regionais na Venezuela; a confederação operária Conlutas e setores do Movimento Sem-Terra no Brasil; setores da Confederação Operária Boliviana, os movimentos camponeses e as organizações regionais em El Alto; setores do movimento camponês-indígena da Conaje no Equador; os movimentos magisteriais e indígena-camponeses em Oaxaca, Guerrero e Chiapas, México; setores da esquerda camponesa-nacionalista no Peru; setores dos sindicatos e desempregados na Argentina. É um bloco político heterodoxo, disperso, fundamentalmente anti-imperialista, que rechaça qualquer concessão às políticas socioeconômicas neoliberais, se opõem ao pagamento da dívida externa e em geral respalda um programa socialista ou nacionalista radical.
A esquerda pragmática inclui o presidente Hugo Chavez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e Fidel Castro em Cuba. Inclui uma multiplicidade de grandes partidos eleitorais e os principais sindicatos e uniões camponesas na América Central e do Sul: os partidos eleitorais de esquerda, o PRD no México, o FMLN em El Salvador, a esquerda eleitoral e a confederação operária na Colômbia, o Partido Comunista Chileno, a maioria no partido parlamentário nacionalista peruano Humala, setores do MST no Brasil, o MAS na Bolívia, a CTA na Argentina e uma minoria da Frente Amplio e a confederação operária no Uruguai. Incluída está a grande maioria dos intelectuais latino-americanos de esquerda. Este bloco é “pragmático” porque não faz um chamado à expropriação do capitalismo nem à negação da dívida nem à ruptura de relações com os Estados Unidos.
Na Venezuela os bancos privados, nacionais e estrangeiros, lucraram a uma taxa de mais de 30 por cento entre 2005 e 2007. Menos de um por cento das maiores propriedades de terra foram expropriadas para outorgar títulos aos camponeses desprovidos. As relações do capital com a mão-de-obra seguem inclinando a balança em favor das empresas e dos contratantes. Venezuela e o presidente Álvaro Uribe da Colômbia assinaram vários acordos de cooperação econômica e de segurança de alto nível. Ainda que promova uma maior integração latino-americana, Chavez busca uma “integração” com Brasil e Argentina, cuja produção e distribuição de petróleo bruto são controladas por corporações multinacionais européias e investidores estadunidenses. Ainda que Chávez reprove a intenção estadunidense de subjugar o processo democrático na Venezuela, o país provê 12 por cento das importações totais de petróleo aos Estados Unidos, é dono de 12 mil postos de gasolina Citgo nos Estados Unidos e de várias refinarias. O sistema político da Venezuela é muito aberto à influência dos meios de comunicação privados, claramente hostis ao presidente eleito e ao Congresso. Existem organizações não governamentais financiadas pelos Estados Unidos, uma dezena de partidos e uma confederação de sindicatos atuando em prol dos planejadores estadunidenses. Quase todos os funcionários e membros do Congresso que estão a favor de Chavez montaram em sua carroça política mais por interesses pessoais que por lealdade populista. O pragmatismo da Venezuela é um campo muito lucrativo para os investidores estadunidenses, fornece energia de modo confiável e cria alianças com Colômbia, principal cliente dos Estados Unidos na América Latina.
A retórica e o discurso radical de Chávez não correspondem com as realidades políticas. Se não fosse pela intransigente hostilidade de Washington e suas táticas contínuas de confrontação e desestabilização, Chávez pareceria moderado. É óbvio que setores das grandes empresas se queixem do aumento pago por salários, impostos e etc. Washington pinta Chávez como se ele fosse um “perigoso radical” porque compara sua política com a dos prévios regimes clientes de Venezuela nos anos 90. Mas se tomarmos os pronunciamentos sobre política externa de Chávez com uma pitada de sal, assumimos a troca no ambiente internacional aquecido entre 2000 e 2007 e suas limitadas reformas em assistência social, impostos e outras, de fato os Estados Unidos estão diante de um radical pragmático que podem acomodar.
O mesmo se aplica à política de Cuba e Bolívia. Cuba estabeleceu laços diplomáticos com quase todos os clientes e aliados dos Estados Unidos na América Latina. Explicitamente estendeu a mão diplomática à Uribe, rechaça a esquerda revolucionária das FARC na Colômbia e respalda em público neoliberais como Lula da Silva do Brasil, Nestor Kirchner da Argentina e Tabaré Vázquez do Uruguai, além de firmar um amplo espectro de acordos de aquisição com grandes exportadores estadunidenses de alimentos. Cuba oferece serviços de saúde grátis (e treinamento de milhares de médicos e educadores) em um grande númeroo de regimes clientes dos Estados Unidos, de Honduras ao Haiti e Paquistão. Abriu as portas a investidores estrangeiros de quatro continentes em todos seus principais setores de crescimento. O paradoxo é que enquanto Cuba aprofunda sua integração ao mercado capitalista mundial na emergência de uma nova classe de elites voltadas para o mercado, a Casa Branca aumenta sua hostilidade ideológica. Esta postura extremista é praticada também contra o regime de esquerda pragmática de Morales na Bolívia, cuja “nacionalização” não expropriou nem expropriará nenhuma empresa estrangeira. Um de seus principais propósitos é estimular os acordos comerciais entre a elite do agro-negócio da Bolívia com os Estados Unidos.
O terceiro e mais numeroso dos blocos políticos na América Latina é constituído pelos neoliberais pragmáticos: o Brasil de Lula e a Argentina de Kirchner. Muitos são imitadores desses regimes entre as filas da oposição liberal de esquerda no Equador, Nicarágua, Paraguai e outros lados. Kirchner e Lula defendem seu pacote completo de privatizações legais, semilegais e ilegais. Ambos anteciparam suas obrigações oficiais da dívida e buscam estratégias de crescimento mediante a exportação de minerais e produtos agrícolas, e incrementaram as ganâncias empresariais e financeiras restringindo os empréstimos e salários.
Há também diferenças. A estratégia a favor da indústria de Kirchner conduz a uma taxa de crescimento que duplica a alcançada por Lula; reduziu o desemprego em 50 por cento, que contrasta com o fracasso das políticas de emprego de Lula. Na Argentina, o ambiente de inversão para empresários e banqueiros é favorável para a realização de lucros. Suas principais diferenças com Washington derivam das negociações em torno de um acordo de livre comércio. Maiores oportunidades de comercio global e uma posição mercantil mais forte lhes dá uma posição mais forte ao negociar. Nem Lula nem Kirchner respaldarão a intenção militar estadunidense de derrubar ou boicotear Chávez, porque trabalham conjuntamente aumentando lucrativas inversões e projetos de petróleo e gás. Reconhecem a natureza basicamente capitalista do regime de Chávez ainda quando discordam da maior parte de seu radical discurso anti-imperialista. Ambos presidentes diversificam seus sócios comerciais e buscar chegar aos mercados na China e na Ásia.
Washington não é hostil com Argentina e tem uma relação amistosa de trabalho com Brasil, mas não conseguiu estender sua influência à eles por sua renúncia a entender esses regimes de livre comércio “nacionalista”. Por Kirchner se empenhar em firmar acordos negociados, inversões reguladas, arrecadação de impostos e negociações da dívida é visto como “nacionalista”, “esquerdista” e quase intolerável. Washington teme que as políticas de livre comércio de Lula exijam que os Estados Unidos ponham fim aos seus subsídios e cotas agrícolas, como o Brasil o faz. Mas para defender suas empresas agrícolas não-competitivas, Washington sacrifica em seu extremismo a possibilidade de entrar em grande escala e longo prazo no setor industrial e de serviços do Brasil.
O quarto bloco político são os regimes, partidos e associações de elite e neoliberais doutrinários, que seguem ao pé da letra as ordens de Washington. É o regime de Felipe Calderón no México, que se prepara para privatizar as lucrativas empresas petroleira e elétrica. É o regime de Michelle Bachelet no Chile, perene exportador de minerais e produtos agrícolas, a América Central exportadora de frutas tropicais e repleta de produtos piratas. Colômbia, que recebe 5 bilhões de dólares em ajuda militar estadunidense desde o final dos anos 90. Peru, que por mais de 20 anos tem privatizado toda a sua riqueza mineral, governado agora por Alan Garcia, outro cliente dos Estados Unidos.
Segundo Washington e os ideólogos de direita um “populismo radical” varreu a região, simplificando uma complexa realidade para servir a seus próprios interesses. O que existe é um quadrado de forças que competem e se confrontam na América Latina.
Washington insiste que a influência subversiva de Venezuela e Cuba debilita sua posição na América Latina. Um fator muito mais importante é o aumento generalizado dos preços dos bens de consumo, o que significa maiores entradas por exportação na região. Então, os países latino-americanos dependem menos das “condições” do FMI para conseguir empréstimos, o que limita ainda mais a influência estadunidense. Maior liquidez significa poder contar com empréstimos comerciais sem recorrer ao Banco Mundial. Os expansivos mercados da Ásia, em particular o aumento da inversão asiática nas indústrias de extração latino americanas, corroe ainda mais a influência mercantil estadunidense na região. Diante da queda de sua própria economia em 2007, é provável que os Estados Unidos reduza suas inversões e comércio com América Latina. Em outras palavras, tem menos margem de manobra sobre esquerdistas e neoliberais pragmáticos que nos anos 90. Mal etiquetar os regimes e exagerar gênero e grau da oposição conduz à intensificação dos conflitos. Persistir na atitude de firmar acordos de livre comércio em escala continental mediante concessões não recíprocas é perder a oportunidade de assinar tratados comerciais.
Esse é um efeito da configuração ultra-conservadora por parte dos planejadores estadunidenses e seus principais assessores. Washington descreve mal e porcamente a realidade latino-americana, lê incorretamente o contexto regional e internacional atual, mas os intelectuais de esquerda exageram o radicalismo ou a realidade revolucionária de Cuba e Venezuela. Passa por cima da contraditória realidade e suas relações pragmáticas com os regimes neoliberais. Com muito pouca perspicácia histórica, continuam acreditando que os neoliberais pragmáticos como Lula, Kirchner e Vázquez são “progressistas”, e os agrupam junto com os esquerdistas pragmáticos como Chávez, Castro e Morales. Em ocasiões caracterizam os partidos e os regimes segundo suas identidades políticas esquerdistas passadas e não segundo suas atuais políticas elitistas de livre comércio e exportação de agro-minerais.
A esquerda deve encarar o fato de que o poder estadunidense decaiu, se recupera e avança desde que as rebeliões de massas derrocaram seus clientes em 2000-2002. Tornaram-se nulas as esperanças da esquerda de que a vitória de antigos partidos políticos eleitorais de centro-esquerda reverteriam as políticas neoliberais de seus predecessores. Redefinir a conversão de esquerdistas em neoliberais pragmáticos como se fosse algo progressista ou como um contra-peso criado ao poderio estadunidense, é ingênuo e confunde ainda mais.
O declínio da influência estadunidense na América Latina não é linear: uma abrupta queda foi seguida de uma recuperação parcial. Nenhuma ascensão sustentada pela esquerda radical mudou o passo desse declínio em influência. Os ganhadores reais são os esquerdistas e neoliberais pragmáticos, que chegaram ao poder através da retirada dos neoliberais doutrinários e a favorável conjuntura expansiva das condições do mercado mundial.
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