Castañeda, mártir estudantil guatemalteco e latino-americano
O dia 20 de outubro é celebrado na Guatemala em memória a Oliverio Castañeda de León, dirigente e mártir da Associação Estudantil Universitária (AEU), que foi executado pelo regime ditatorial desse país há 30 anos.
O movimento estudantil na Guatemala - assim como de resto em todos os países latino-americanos vítimas das ditaduras patrocinadas pelos EUA - foi um dos mais golpeados pelas forças repressivas no marco do conflito armado interno que viveu o país durante 36 anos (1960 a 1996) e que deixou mais de 200 mil vítimas entre mortos e feridos.
Seguramente Castañeda estaria orgulhoso, se vivo fosse, da realização do Fórum Social Américas (FSA) em sua querida Cidade da Guatemala que terminou semana passada e reuniu democraticamente centenas de representantes dos movimentos sociais de todo o continente. Veria de perto a evolução política de um continente que viveu anos de ferro e fogo e agora vê erigir a construção de uma nova América Latina mais integrada e democrática que tem muito do esforço abdicado dos milhares de jovens que, assim como ele, abriram mão de suas próprias vidas.
Talvez trinta anos atrás também fosse impensável que algum representante de governo se pronunciasse publicamente pedindo perdão em nome do Estado pelo assassinato de um dirigente estudantil como fez ontem o próprio presidente guatemalteco em pessoa, Álvaro Colom, desculpando-se pelo assassinato de Castañeda. “Agora me cabe pedir perdão. O Estado tem que pedir perdão e temos que reconhecer e saber que isso existiu, pois senão nossos filhos e netos vão pensar que isso foi uma lenda mesmo que isso seja uma realidade” discursou o presidente Colom em um ato em que foi entregue a Ordem de Quetzal a Castañeda.
São novos e emblemáticos fatos políticos como esse que servem de balizadores políticos para o movimento estudantil interpretar os avanços democráticos obtidos em um cenário de acumulação prolongada de forças de distintos níveis de convicção revolucionária para que a luta de tantos outros Castañedas não tenha sido em vão. Talvez essa seja a melhor homenagem.
Aliás, Castañeda era de um pensamento amplo e pertencia a um grupo estudantil denominado “Frente”, que aglutinava associações estudantis de diferentes faculdades e escolas da Universidade de São Carlos (Usac) e que incorporava além de membros da Juventude Patriótica do Trabalho (JPT) também a muitos estudantes de esquerda sem vinculação partidária que não aderiram à via armada proposta por outros grupos.
Foi na “Frente” que Oliverio Castañeda, um jovem de 23 anos e estudante do quarto ano de economia, foi eleito secretário geral da combativa AEU (entidade que até hoje compõe o secretariado geral da Oclae, ao lado das brasileiras UNE, Ubes e ANPG), em 22 de maio de 1978.
Desde sua posse lidera a AEU em intensas manifestações contra o governo como a que protestou pelo massacre de Panzós, ocorrida no dia 29 desse mesmo mês. Dois dias após o massacre a AEU realiza uma manifestação a qual a grande maioria da população indígena maia incorpora e Oliverio faz um enérgico pronunciamento à imprensa em que exige três pontos que por fim foram aceitos pelas autoridades: acesso dos meios de comunicação ao local do massacre, acesso também aos estudantes de medicina e à Cruz Vermelha para atender os feridos e, por último, autorização para entrevistar seis soldados que participaram do episódio.
Já em setembro de 1978, Olivério Castañeda, na condição de dirigente da AEU e também integrante do Comitê de Emergência dos Trabalhadores do Estado (CETE), desempenha um ativo papel na organização de uma greve geral em decorrência do aumento da passagem do transporte urbano.
A greve paralisou a capital que se converteu num palco de graves enfrentamentos entre manifestantes e as Forças de Segurança no que resultou em um grande número de feridos e centenas de manifestantes detidos. Após 15 dias de greve o governo, enfim, recua no aumento das tarifas do transporte público e atende as exigências dos grevistas.
Mas essa importante vitória teve seu preço. Ao mesmo tempo em que fortaleceu a luta estudantil, com a mesma intensidade aumentaram os riscos contra os líderes estudantis da AEU que passaram a viver cada vez mais o clima de insegurança imposto. Alguns líderes do CETE são presos e destituídos arbitrariamente dos cargos que ocupavam. Um antigo dirigente do Sindicato dos Correios e Telégrafos, Amulfo Cifuentes Díaz, é assassinado e os atentados contra os sindicalistas e profissionais universitários se alastram. O presidente da República, general Romeo Lucas García, declarou aos meios de comunicação que a Universidade era um foco da subversão e que tanto os estudantes como os professores eram partícipes das atividades armadas no país.
Em 19 de outubro de 1978, um dia antes de sua morte e vésperas da manifestação comemorativa da Revolução guatemalteca de 1944, o nome de Oliverio aparece destacado em uma lista com 39 pessoas ameaçadas de morte pelo Exército Secreto Anticomunista (ESA). Estava marcado para morrer.
Antes mesmo dessa lista, tantas outras ameaças haviam sido feitas e medidas de segurança, tais como dormir em casas diferentes, eram mantidas pela AEU que monitorava toda sua agenda e dos demais dirigentes.
Mas como medida extra de segurança adotada após o anúncio dessa lista feita pela ESA, a AEU decide que os dirigentes da entidade não participariam da marcha no dia seguinte, mas apenas de uma manifestação posterior. Essa decisão não foi acatada e a grande maioria dos dirigentes se incorporou à marcha.
A marcha comemorativa da Revolução de 1944 transcorreu sem nenhum incidente ainda que grande aparato policial fosse disposto pelas autoridades com a justificativa de oferecer “proteção aos manifestantes”
Ao final da marcha, Castañeda se incorporou à manifestação e foi o último orador a discursar. Fez uma enérgica intervenção onde denuncia as graves violações dos direitos humanos vividos no país e chama o ministro responsável pelas Forças de Segurança, Donaldo Alvarez, de assassino. Após seu discurso, a multidão começa a se dispersar e junto a ela segue Castañeda com um grupo de estudantes, entre eles uma amiga e um vigia da sede da AEU.
Poucos metros depois são interceptados por um carro (cuja placa foi anotada) do qual desce um homem com uma metralhadora em mãos abrindo fogo contra Oliverio. Ele ainda tenta escapar, mas é alvejado e ainda recebe outro tiro na cabeça disparado por um segundo homem que estava em outro carro (um jeep com placas oficiais). Outras cinco pessoas, entre elas uma criança, também são feridas.
No exato local de sua morte, no centro da cidade, há uma placa posta pela AEU rendendo homenagens a seu mártir. Morreu às 13:20 e apesar de numerosa presença de policiais pelas ruas não houve tentativa alguma de socorro à vítima e sequer esboço de perseguição aos autores dos disparos. Entre os anticomunistas, o sentimento de dever cumprido.
Uma semana após seu assassinato explode uma manifestação que reuniu mais de 40 mil pessoas na capital. A resposta do governo, dispondo de todos os recursos propagandísticos, é a de associar o crime às organizações terroristas organizadas clandestinas que fogem ao controle do governo (Uribe tem muitos mestres e exemplos históricos para se inspirar).
O assassinato de Oliverio Castañeda de Leon representa o fim dos espaços de participação política e social dos estudantes universitários que se prolongará durante toda a década de oitenta em que a maioria dos dirigentes da AEU é assassinada ou presa.
Conhecer e divulgar um pouco essa heróica luta estudantil guatemalteca e latino-americana é reforçar nossa ação no Brasil. É como disse Che Guevara, “por mais que tente lhe matar uma ou mil vezes tens o costume de renascer em cada jovem revolucionário”.
Que se proliferem Oliverios por todo o mundo.
Seguramente Castañeda estaria orgulhoso, se vivo fosse, da realização do Fórum Social Américas (FSA) em sua querida Cidade da Guatemala que terminou semana passada e reuniu democraticamente centenas de representantes dos movimentos sociais de todo o continente. Veria de perto a evolução política de um continente que viveu anos de ferro e fogo e agora vê erigir a construção de uma nova América Latina mais integrada e democrática que tem muito do esforço abdicado dos milhares de jovens que, assim como ele, abriram mão de suas próprias vidas.
Talvez trinta anos atrás também fosse impensável que algum representante de governo se pronunciasse publicamente pedindo perdão em nome do Estado pelo assassinato de um dirigente estudantil como fez ontem o próprio presidente guatemalteco em pessoa, Álvaro Colom, desculpando-se pelo assassinato de Castañeda. “Agora me cabe pedir perdão. O Estado tem que pedir perdão e temos que reconhecer e saber que isso existiu, pois senão nossos filhos e netos vão pensar que isso foi uma lenda mesmo que isso seja uma realidade” discursou o presidente Colom em um ato em que foi entregue a Ordem de Quetzal a Castañeda.
São novos e emblemáticos fatos políticos como esse que servem de balizadores políticos para o movimento estudantil interpretar os avanços democráticos obtidos em um cenário de acumulação prolongada de forças de distintos níveis de convicção revolucionária para que a luta de tantos outros Castañedas não tenha sido em vão. Talvez essa seja a melhor homenagem.
Aliás, Castañeda era de um pensamento amplo e pertencia a um grupo estudantil denominado “Frente”, que aglutinava associações estudantis de diferentes faculdades e escolas da Universidade de São Carlos (Usac) e que incorporava além de membros da Juventude Patriótica do Trabalho (JPT) também a muitos estudantes de esquerda sem vinculação partidária que não aderiram à via armada proposta por outros grupos.
Foi na “Frente” que Oliverio Castañeda, um jovem de 23 anos e estudante do quarto ano de economia, foi eleito secretário geral da combativa AEU (entidade que até hoje compõe o secretariado geral da Oclae, ao lado das brasileiras UNE, Ubes e ANPG), em 22 de maio de 1978.
Desde sua posse lidera a AEU em intensas manifestações contra o governo como a que protestou pelo massacre de Panzós, ocorrida no dia 29 desse mesmo mês. Dois dias após o massacre a AEU realiza uma manifestação a qual a grande maioria da população indígena maia incorpora e Oliverio faz um enérgico pronunciamento à imprensa em que exige três pontos que por fim foram aceitos pelas autoridades: acesso dos meios de comunicação ao local do massacre, acesso também aos estudantes de medicina e à Cruz Vermelha para atender os feridos e, por último, autorização para entrevistar seis soldados que participaram do episódio.
Já em setembro de 1978, Olivério Castañeda, na condição de dirigente da AEU e também integrante do Comitê de Emergência dos Trabalhadores do Estado (CETE), desempenha um ativo papel na organização de uma greve geral em decorrência do aumento da passagem do transporte urbano.
A greve paralisou a capital que se converteu num palco de graves enfrentamentos entre manifestantes e as Forças de Segurança no que resultou em um grande número de feridos e centenas de manifestantes detidos. Após 15 dias de greve o governo, enfim, recua no aumento das tarifas do transporte público e atende as exigências dos grevistas.
Mas essa importante vitória teve seu preço. Ao mesmo tempo em que fortaleceu a luta estudantil, com a mesma intensidade aumentaram os riscos contra os líderes estudantis da AEU que passaram a viver cada vez mais o clima de insegurança imposto. Alguns líderes do CETE são presos e destituídos arbitrariamente dos cargos que ocupavam. Um antigo dirigente do Sindicato dos Correios e Telégrafos, Amulfo Cifuentes Díaz, é assassinado e os atentados contra os sindicalistas e profissionais universitários se alastram. O presidente da República, general Romeo Lucas García, declarou aos meios de comunicação que a Universidade era um foco da subversão e que tanto os estudantes como os professores eram partícipes das atividades armadas no país.
Em 19 de outubro de 1978, um dia antes de sua morte e vésperas da manifestação comemorativa da Revolução guatemalteca de 1944, o nome de Oliverio aparece destacado em uma lista com 39 pessoas ameaçadas de morte pelo Exército Secreto Anticomunista (ESA). Estava marcado para morrer.
Antes mesmo dessa lista, tantas outras ameaças haviam sido feitas e medidas de segurança, tais como dormir em casas diferentes, eram mantidas pela AEU que monitorava toda sua agenda e dos demais dirigentes.
Mas como medida extra de segurança adotada após o anúncio dessa lista feita pela ESA, a AEU decide que os dirigentes da entidade não participariam da marcha no dia seguinte, mas apenas de uma manifestação posterior. Essa decisão não foi acatada e a grande maioria dos dirigentes se incorporou à marcha.
A marcha comemorativa da Revolução de 1944 transcorreu sem nenhum incidente ainda que grande aparato policial fosse disposto pelas autoridades com a justificativa de oferecer “proteção aos manifestantes”
Ao final da marcha, Castañeda se incorporou à manifestação e foi o último orador a discursar. Fez uma enérgica intervenção onde denuncia as graves violações dos direitos humanos vividos no país e chama o ministro responsável pelas Forças de Segurança, Donaldo Alvarez, de assassino. Após seu discurso, a multidão começa a se dispersar e junto a ela segue Castañeda com um grupo de estudantes, entre eles uma amiga e um vigia da sede da AEU.
Poucos metros depois são interceptados por um carro (cuja placa foi anotada) do qual desce um homem com uma metralhadora em mãos abrindo fogo contra Oliverio. Ele ainda tenta escapar, mas é alvejado e ainda recebe outro tiro na cabeça disparado por um segundo homem que estava em outro carro (um jeep com placas oficiais). Outras cinco pessoas, entre elas uma criança, também são feridas.
No exato local de sua morte, no centro da cidade, há uma placa posta pela AEU rendendo homenagens a seu mártir. Morreu às 13:20 e apesar de numerosa presença de policiais pelas ruas não houve tentativa alguma de socorro à vítima e sequer esboço de perseguição aos autores dos disparos. Entre os anticomunistas, o sentimento de dever cumprido.
Uma semana após seu assassinato explode uma manifestação que reuniu mais de 40 mil pessoas na capital. A resposta do governo, dispondo de todos os recursos propagandísticos, é a de associar o crime às organizações terroristas organizadas clandestinas que fogem ao controle do governo (Uribe tem muitos mestres e exemplos históricos para se inspirar).
O assassinato de Oliverio Castañeda de Leon representa o fim dos espaços de participação política e social dos estudantes universitários que se prolongará durante toda a década de oitenta em que a maioria dos dirigentes da AEU é assassinada ou presa.
Conhecer e divulgar um pouco essa heróica luta estudantil guatemalteca e latino-americana é reforçar nossa ação no Brasil. É como disse Che Guevara, “por mais que tente lhe matar uma ou mil vezes tens o costume de renascer em cada jovem revolucionário”.
Que se proliferem Oliverios por todo o mundo.
O original encontra-se em Vermelho.