"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Wall Street vs Main Street


O apontar de dedos e a mudança de sistema


por Rick Wolf


Em meio à actual crise capitalista, propaga-se o medo e surgem bodes espiatórios. Os media e os políticos acusam os suspeitos do costume. Podem seguir-se prisões. Mas poucos reconhecem o sistema como sendo o próprio problema, ao invés deste ou daquele grupo que reage às exigências e pressões do mesmo. É verdade que a palavra "capitalismo" agora torna-se comum na discussão pública. Mas ela aqui está a significar o big business, os grandes bancos, ou a Wall Street, ao invés do próprio sistema que liga em conjunto todas as ruas, negócios, trabalhadores, famílias e governo.


Os da extrema direita mais primária culpam os compradores de casa, agora incapazes de pagar as suas hipotecas subprime. Aqueles ligeiramente mais refinados denunciam a intervenção do governo – destinada a ajudar as minorias e os pobres a tornarem-se proprietários de casas – por tudo o que for que aflija a economia. Os mais grosseiros de todos misturam Wall Street, banqueiros e iniciados vigaristas de Washington em conspirações para lucro pessoal e/ou vender os EUA ao comunismo mundial ou ao terrorismo ou talvez a muçulmanos.


À esquerda, entre os favoritos para o chicote incluem-se a Wall Street, banqueiros, hedge funds, executivos super bem pagos, corporações vigaristas e políticos comprometidos que deixaram coisas más acontecerem "à nossa economia". Os da esquerda mais refinada acrescentam condenações "à desregulamentação neoliberal". Desde a eleição de Reagan, dizem eles, as falhas do governo em regulamentar mercados e controlar empresas privadas facilitaram o mau comportamento das finanças selvagens que agora nos deixaram tão em baixo.


Nenhum lado trata o sistema capitalista como o problema básico. Mais exactamente, ambos sobretudo concordam em que a rede inter-actuante de corporações com seus conselhos de directores, administradores assalariados e trabalhadores assalariados são os fundamentos necessários e adequados "da nossa economia". Tal como aquela rede, o capitalismo aparece-lhes como inevitável, e portanto não há alvo apropriado para a direita ou a esquerda. Ao invés disso, eles debatem quanto de culpa deveria ser atribuída a este ou àquele grupo por "provocar" a crise: pessoas pobres, ou demasiada grande/pequena intervenção do governo, ou os ricos super remunerados com hedge funds, ou as corruptas maçãs podres que infectam o sistema. Os dedos apontam culpados que estragam um capitalismo – a "nossa economia" – que de outra forma funcionaria muito bem.


Considere-se o debate Wall Street X Main Street [1] . Muitos de esquerda e não poucos de direita acusam a Wall Street de "causar" a confusão das hipotecas subprime (como se incontáveis bancos da Main Street e correctores de hipotecas não tivessem vendido lucrativas hipotecas a habitantes locais incapazes de suportá-las). Eles olham com rancor a Wall Street por ter inventado os "derivativos", aqueles perigosos novos artifícios financeiros (como se os tipos da Main Street não houvessem investido e lucrado com eles). Os de esquerda clamam que a Wall Street levou os políticos a desregulamentarem a economia (como se muitos negócios na Main Street não apoiassem da mesma forma a desregulamentação e lucrassem com ela). Muitos de direita afirmam que a insuficiente desregulamentação do governo, devido à influência da Wall Street, provocou a crise (como se a Main Street não se beneficiasse com a intervenção do governo). Tanto os de direita como os de esquerda culpam a Wall Street e Washington por produzirem em conjunto a bolha habitacional e imobiliária (como se a Main Street não incentivasse os aumentos de preços e a construção de casas, a procura acrescida por produtos para as casas, os empregos resultantes, os rendimentos, a arrecadação fiscal, etc).


Quando este mais recente boom do capitalismo entrou em falência, a Wall Street e a Main Street mudaram da cooperação mutuamente lucrativa para uma luta pela sobrevivência. A Main Street teme que a Wall Street venha a utilizar seu poder, dinheiro e influência para despejar os sofrimentos da crise económica sobre os trabalhadores e os governos (cortando salários e empregos, pagando menos impostos, e exigindo mais ajuda e salvamentos do governo). Isto prejudicará a Main Street. O capitalismo funciona para transferir os custos económicos para baixo na estrutura económica e os ganhos económicos para cima. Assim, a Main Street combate com campanhas de opinião pública a culpar a Wall Street pela crise. Nesta desavença entre ladrões, esquerda e direita sobretudo tomam partidos ao invés de rejeitar o sistema que gerou aqueles ladrões. A posição alternativa seria exigir mudança do sistema.


Mudança de sistema não quer dizer o que Paulson e Bernanke agora planeiam: comprar acções de bancos privados dos EUA. Neste "nacionalização" parcial dos bancos, o governo estado-unidense comprar e possuirá acções de bancos e possivelmente colocará responsáveis do Estado nos conselhos directores dos bancos. Empresas privadas tornar-se-ão portanto, parcialmente e provavelmente temporariamente, empresas públicas. Esta mudança é grande para Bush, Paulson e Bernanke porque eles sempre denunciaram empresas públicas como socialismo ou comunismo.


Mas substituir membros privados de conselhos de administração de bancos (eleitos por e responsáveis perante accionistas privados) por membros públicos (nomeados por e responsáveis por funcionários do Estado) basicamente não muda o sistema. Os trabalhadores ainda trabalham das 9 às 17; eles ainda seguem as ordens da direcção; e os bens, serviços e lucros que eles produzem pertencem aos conselhos de administradores para servirem os seus interesses. Tais conselhos, sejam privados ou públicos, ainda dão as ordens, vendem os produtos, recebem os rendimentos e decidem como utilizar os lucros. As profundas desigualdades entre trabalhadores e conselhos de administração permanecem. A profunda ausência de democracia no lugar de trabalho capitalista permanece. Tanto conselho de administração públicos como privados historicamente procuraram evadir, enfraquecer ou eliminar controles e regulamentações do Estado que limitavam sua liberdade de acção e sua lucratividade (tanto na URSS como nos EUA).


O capitalismo tem oscilado por toda a parte entre fases privadas e públicas. O capitalismo privado minimizou intervenções governamentais e sobretudo manteve funcionários do Estado fora de conselhos de administração. Em fases públicas do capitalismo, intervieram governos e por vezes substituíram membros privados de conselhos de administração por outro públicos. Crises de uma fase muitas vezes provocaram transição para a outra. A crise de 1929 do capitalismo privado dos EUA conduziu à intervenção do Estado do New Deal de Roosevelt (estabelecendo segurança social, seguro de desemprego e outros custosos – para os negócios – programas e regulamentos). A crise da década de 1970 do capitalismo regulado pelo Estado devolveu os EUA a outra fase capitalista privada, a era Reagan-Bush, a qual desfez a maior parte do New Deal. O que se seguirá à crise de hoje do capitalismo privado? Será que o pêndulo oscilará de volta ao capitalismo re-regulamentado pelo Estado? Se assim for, a comunidade de negócios dos EUA utilizará décadas de perícia acumulada em evadir, enfraquecer e finalmente eliminar a regulamentação do Estado. A re-regulamentação terá portanto vida curta. Ou poderá a alternativa da mudança do sistema tornar-se importante?


A mudança do sistema completaria a re-regulamentação com uma transformação dentro das empresas. Suponha que antigos conselhos de administração sejam substituídos por novos conselhos cujos membros entendem e partilham os objectivos da regulamentação ao invés de encarar a regulamentação como limitações a serem minadas. Isto pode acontecer se os novos conselhos abrangerem a colectividade dos próprios trabalhadores. As descrições de tarefa de todos os trabalhadores daí por diante combinariam o trabalho particular de cada um com a sua plena participação nas tarefas colectivas do conselho de administração.


Deste modo, trabalhadores-também-como-patrões poderiam conformar as regulamentações económicas – juntamente com outros trabalhadores dirigindo outras empresas – e então executá-las dentro de cada empresa. O conflito de interesses entre empregadores e empregados seria transformado uma vez que já não haveria grupos diferentes e opostos. Isto seria uma mudança real do sistema. Sem isto, conselhos de administração, privados e/ou públicos, continuarão a funcionar no futuro como o fizeram no passado. Eles minarão regulamentações destinadas a fazer com que a economia sirva a sociedade, continuarão a dirigir as suas empresas não democraticamente, manterão desigualdades económicas e continuarão a gerar crises económicas como aquela hoje impõem sobre todos nós.


[1] Nos EUA diz-se dos pequenos negócios que são da "Main Street".


O artigo encontra-se em Monthly Review.