"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 19 de outubro de 2008

A crise do século


por Ignacio Ramonet / Le Monde Diplomatique Brasil



Os terremotos que sacudiram as Bolsas durante o passado «Setembro negro» aceleraram o fim de uma era do capitalismo. A arquitectura financeira internacional vacilou. E o risco sistémico permanece. Nada voltará a ser como antes. O Estado regressa.


A ruína de Wall Street é comparável, na esfera financeira, ao que representou, no âmbito geopolítico, a queda do Muro de Berlim. Uma mudança de mundo e uma viragem coperniciana. Afirma-o Paul Samuelson, Prémio Nobel de economia: «Este desastre é para o capitalismo o que a queda da URSS foi para o comunismo». Termina assim o período encetado em 1981 com a fórmula de Ronald Reagan: «O Estado não é a solução, é o problema». Durante trinta anos, os fundamentalistas do mercado repetiram que este tinha sempre razão, que a globalização era sinónimo de felicidade e que o capitalismo financeiro estava a construir o paraíso na Terra para toda a gente. Enganaram-se.


A «idade de ouro» de Wall Street acabou. Tal como acabou a etapa de exuberância e desperdício representada por uma aristocracia de banqueiros de investimento, por esses «senhores do universo» denunciados por Tom Wolfe no seu livro A Fogueira das Vaidades (1987). Possuídos por uma lógica de rendibilidade a curto prazo. Pela busca de lucros exorbitantes. Dispostos a tudo para ganhar mais: vendas abusivas a curto prazo, manipulações, invenção de instrumentos opacos, titularização de activos, contratos de cobertura de riscos, hedge funds… A febre dos proventos fáceis contagiou todo o planeta. Os mercados sobreaqueceram, alimentados por um excesso de financiamento que facilitou a alta dos preços.


A globalização levou a economia mundial a adquirir a forma de uma economia de papel, virtual, imaterial. A esfera financeira chegou a representar mais de 250 biliões de euros, ou seja, seis vezes o montante da riqueza mundial efectiva. E de repente essa gigantesca «bolha» estourou.
O desastre é de dimensões apocalípticas. Esfumaram-se mais de 200 mil milhões de euros. A banca de investimentos desapareceu do mapa. As cinco maiores entidades bancárias desmoronaram-se: o Lehman Brothers entrou em bancarrota; o Bear Stearns foi comprado, com a ajuda da Reserva Federal (Fed), pelo Morgan Chase; o Merril Lynch foi adquirido pelo Bank of America; e os dois últimos, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley (em parte comprado pelo japonês Mitsubishi UFJ), foram reconvertidos em simples bancos comerciais.


Toda a cadeia de funcionamento do aparelho financeiro entrou em colapso. Não apenas a banca de investimento, mas também os bancos centrais, os sistemas de regulação, os bancos comerciais, as caixas de aforros, as companhias de seguros, as agências de avaliação de riscos (Standard & Poors, Moody’s, Fitch), e inclusive as de auditoria de contas (Deloitte, Ernst&Young, PwC).


O naufrágio não pode surpreender ninguém. O escândalo das «hipotecas lixo» era conhecido de todos. Tal como eram conhecidos o excesso de liquidez orientado para a especulação e a delirante explosão dos preços da habitação. Tudo isso foi denunciado – nestas colunas – já desde há tempos. Sem que ninguém se perturbasse, porque o crime beneficiava muitos. E continuou a afirmar-se que a empresa privada e o mercado resolviam tudo.


A administração do presidente George W. Bush teve de renegar esse princípio e recorrer maciçamente à intervenção do Estado. As principais entidades de crédito imobiliário, a Fannie Mae e a Freddy Mac, foram nacionalizadas. Foi-o também o American International Group (AIG), a maior companhia de seguros do mundo. Tendo o secretário de Estado do Tesouro, Henry Paulson (ex-presidente do banco Goldman Sachs…), proposto um plano de resgate das acções «tóxicas» procedentes das «hipotecas lixo» (subprime) pelo valor de uns 500 mil milhões de euros, que também serão avançados pelo Estado, ou seja, pelos contribuintes.


Prova do fracasso do sistema, tais intervenções do Estado – as maiores, em volume, da história económica – demonstram que os mercados não podem regular-se eles próprios. Os mercados destruíram-se por força da sua própria voracidade. Além disso, confirma-se assim uma lei do cinismo neoliberal: os lucros privatizam-se, mas socializam-se os prejuízos. Faz-se pagar aos pobres as excentricidades irracionais dos banqueiros, vendo-se os primeiros ameaçados, caso se neguem a pagar, com um empobrecimento ainda maior.


As autoridades norte-americanas correm a salvar os «banksters» («banqueiros gângsteres») à custa dos cidadãos. Há meses, o presidente Bush negou-se a assinar uma lei que dava cobertura médica a nove milhões de crianças pobres, lei essa que teria o custo de 4 mil milhões de euros. Considerou isso um gasto inútil. Agora, para salvar os rufiões de Wall Street, nada lhe parece suficiente. Socialismo para os ricos, capitalismo selvagem para os pobres.


Este desastre acontece na altura em que há um vazio teórico nas esquerdas. Que não têm nenhum «plano B» para tirar proveito do descalabro. Em particular as da Europa, imobilizadas pelo choque da crise. Quando seria tempo de refundação e de audácia.


Quanto tempo irá durar esta crise? «Vinte anos, se tivermos sorte, menos de dez se as autoridades actuarem com mão firme», vaticinou o editorialista neoliberal Martin Wolf [1]. Se existisse uma lógica política, este contexto deveria favorecer a eleição do democrata Barack Obama (se não for assassinado) para a presidência dos Estados Unidos, no próximo dia 4 de Novembro. É provável que o jovem presidente, como fez Franklin D. Roosevelt em 1930, lance um novo «New Deal» baseado num neokeynesianismo, confirmando o regresso do Estado à esfera económica. E trazendo por fim maior justiça social aos cidadãos. Caminhar-se-á assim rumo a um novo Bretton Woods. E a etapa mais selvagem e irracional da globalização neoliberal terá terminado.



(Leia aqui uma cronologia sobre a crise financeira, bem como, no número de Outubro do Le Monde diplomatique, o dossiê sobre o mesmo tema.)

Notas
[1] Financial Times, Londres, 23 de Setembro de 2008.
O artigo original encontra-se em Le Monde Diplomatique Brasil.