"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 22 de julho de 2007

James Petras em carta aberta a Saramago

Critica a amnésia histórica do escritor português e suas declarações depreciativas em relação à guerrilha colombiana, em recente visita deste à Colômbia. Petras recorda ao nobel em literatura, "as FARC estabeleceram uma série de fóruns públicos e seminários e convidaram académicos, sindicalistas, agricultores e gente de negócios a que apresentassem documentos e propostas. Pepe, o senhor seguramente recorda essas reformas, sobretudo a proposta para desmilitarizar o país, em ambos os lados. Dr. Saramago, o senhor como um escritor sábio e mundano sabe que os "bandos armados" não convocam fóruns nem ouvem e aceitam propostas de uma pluralidade de fontes para tornar a Colômbia uma democracia eficaz" .



Petras!

Caro José Saramago:

Nos últimos dias a Colômbia (infame pelos seus esquadrões da morte patrocinados pelo governo e pelas matanças de camponeses) converteu-se no lugar favorito a partir do qual alguns dos mais conhecidos intelectuais do mundo ocidental ditaram dissertações morais... condenando a Revolução Cubana (Susan Sontag) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (dom José Saramago). Permita-me começar por esclarecer que não tenho qualquer objecção à promoção do seu último livro em qualquer parte do mundo, mas não se tal promoção envolve apontar méritos a um regime que é responsável por milhares de mortes e a deslocação de 2 milhões de camponeses. Como homem auto-proclamado de esquerdas, o senhor leu bem e está ao par da política do mundo, particularmente da da América Latina onde o senhor esteve muitas vezes em visita, dissertou, publicou e falou com numerosos jornalistas, intelectuais, notáveis políticos e outros "fabricantes de opinião".

Quando o senhor fala, interpreta e julga políticos, grupos políticos e países, fá-lo com base na sua selecção dos factos e em opiniões que coincidem com os seus valores e interesses. O senhor não fala a partir da ignorância e sim de uma perspectiva ideológica a partir da qual faz os seus juízos.

Durante a sua visita a Colômbia descartou dois grupos guerrilheiros, as FARC e o ELN: "Na Colômbia não há guerrilha, são bandos armados simplesmente". O senhor veio afirmar que eles não são verdadeiros comunistas porque "dedicam-se a sequestrar e assassinar, violando os direitos humanos". Admite generosamente que "talvez a princípio fossem (comunistas) mas não agora". Considera então que esta luta de guerrilha só se justifica quando "um país está ocupado por um invasor estrangeiro e o povo deve organizar-se para resistir".

Como o senhor sabe, Saramago, há muitas condições sob as quais o povo se levanta para derrubar os seus opressores: ditadores militares, regimes civis assassinos, latifundiários e seus esquadrões da morte, etc. Meu caro José: o senhor recorda certamente a resistência armada contra Franco, o derrubamento com êxito da ditadura portuguesa em 1974, assim como a resistência da guerrilha popular na América Central aos tirânicos "regimes civis" na Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Ou será que o senhor pensa que as guerrilhas de Zapata, Farabundo Martí e Fidel Castro eram sobretudo "bandos armados" porque não seguiram suas receitas de votar "em branco". Eles não se rebelaram contra um invasor estrangeiro (ainda que houvesse em abundância capital, conselheiros militares e refinadas armas estrangeiras). Receio, Pepe, que o seu critério político negaria as grandes figuras e os factos emancipadores do século XX. Estes referentes revolucionários continuarão a ilustrar milhões de pessoas na luta contra os tiranos depois de as suas entrevistas e opiniões serem relegadas ao caixote do lixo da história.

Mas deixemos de lado por um momento a sua infeliz amnésia histórica. Discutamos as guerrilhas na Colômbia, em particular a das FARC. Estas foram formadas por 46 activistas camponeses em 1964, os quais, depois de numerosos esforços por construir comunidades produtivas pacíficas, sofreram perseguição e foram testemunhas da destruição das suas colheitas, das suas casas e do seu gado por parte do exército, ao mesmo tempo que eram assassinadas suas famílias, amigos e vizinhos, tudo isto sob um regime civil eleito, oligárquico e repressivo, pode estar seguro, sob comando colombiano assessorado por força especiais norte-americanas. Deveriam eles ter vertido cinzas sobre as suas cabeças, esconder-se num arbusto e esperar até as próximas eleições para emitir um voto em branco? Garantiria o senhor as suas vidas quando caminhassem para o colégio eleitoral? Sim, o senhor concede que a princípio as FARC puderam ter sido comunistas... mas depois não? Vinte anos depois as FARC negociaram um acordo de paz com o então presidente Betancourt, para que muitos dos seus militantes e alguns dos seus líderes pudessem constituir um partido, a Unión Patriótica, e pudessem competir nas eleições presidenciais e para o congresso. Entre 1984-1989, mais de 5 mil membros e activistas eleitorais foram assassinados pelo exército colombiano, pela polícia e pelos esquadrões da morte, incluídos dois candidatos presidenciais populares. A FARC retornaram à luta armada.

Dom José: foi este o ponto em que eles deixaram de ser comunistas? Devem eles voltar e emitir "votos em branco"? De onde, desde o desterro? Desde Lisboa? Está claro, Pepe, que as guerrilhas voltaram às actividades armadas porque não havia nenhuma outra maneira de sobreviver e continuar a luta pelo que o senhor chama uma "democracia eficaz" e contra os "plutocratas económicos" a quem o senhor condena verbalmente. Entre 1999-2001 as FARC estavam de acordo em suspender a luta armada guerrilheira e fazer negociações, uma vez mais, com o regime de Pastraña. Insistiram numa zona desmilitarizada, livre das tropas paramilitares e militares. Lançaram um programa político de reforma agrária, controle público nacional de recursos estratégicos e de grandes obras públicas para gerar empregos. Este programa foi posto na mesa de negociação e converteu-se na base para negociar um acordo de paz e justiça. O senhor certamente recorda esses dias, só se passaram alguns anos... e só alguns anos antes que o senhor fosse honrado com o Prémio Nobel.

Pepe, o senhor recorda certamente que as FARC estabeleceram uma série de fóruns públicos e seminários e convidaram académicos, sindicalistas, agricultores e gente de negócios a que apresentassem documentos e propostas. Pepe, o senhor seguramente recorda essas reformas, sobretudo a proposta para desmilitarizar o país, em ambos os lados. Dr. Saramago, o senhor como um escritor sábio e mundano sabe que os "bandos armados" não convocam fóruns nem ouvem e aceitam propostas de uma pluralidade de fontes para tornar a Colômbia uma democracia eficaz.

O regime de Pastraña rompeu abruptamente as negociações com o apoio do governo norte-americano e lançou um ataque maciço na zona desmilitarizada. Devia a guerrilha e os seus partidários camponeses ter respondido preparando-se para emitir "votos em branco" Teriam sobrevivido? Era este o ponto no qual, na sua opinião, as guerrilhas converteram-se em "bandos armados de sequestradores e assassinos"? Eu sou sério, Saramago. Quero que o senhor me dê a sua resposta acerca de porque a proposta das FARC para a reforma agrária e a desmilitarização tem o apoio de milhões de camponeses, despossuídos e torturados pelo governo colombiano que o senhor se negou a nomear, ao qual o senhor obliquamente chamou "a situação na Colômbia". Por que semelhante discreção quando está a falar de um governo terrorista como o do actual "presidente" Uribe que lançou uma política de terra queimada por todo o país? Por que, José, o silêncio sobre Uribe? Por que não condena a maciça presença norte-americana na Colômbia, 3 mil milhões de dólares de ajuda, 800 conselheiros militares, uma dezena de bases militares e vários milhares de mercenários pagos pelo Pentágono? Isso não conta como "invasão estrangeira", Pepe? Ou necessita o senhor de 10 mil milhões de dólares e 5 divisões de marines para chamar a isto uma ocupação militar norte-americana, para considerar as FARC e o ELN como autênticos movimentos guerrilheiros e não "bandos armados" de saqueadores e assassinos? Pepe, não lamento escrever ao senhor desta maneira directa e atrevida... é devido não só ao meu estilo como a consequência do enorme dano político que o senhor fez. Os termos que o senhor utilizou para caluniar as guerrilhas fazem eco da retórica do Pentágono, de Uribe e do resto da oligarquia colombiana. O seu idioma político, que inabilita a guerrilha na Colômbia, é empregue ao longo da América Latina pelas classes governantes contra o movimentos populares. No Brasil, Paraguai e Bolívia os latifundiários descrevem os trabalhadores camponeses e movimentos dos sem terra como "vagabundos", delinquentes e "bandos armados". Quem é, Saramago, o responsável original por tais expressões, o senhor ou os latifundiários.

Terminarei, Pepe, dizendo-lhe o que penso. A guerrilha – as FARC e o ELN – são hoje, e sempre foram, guerrilhas. Estão armados porque têm de está-lo, porque a Colômbia necessita mudanças básicas e o sistema político não permite outros meios, inclusive eleições que se celebrem sem terror nem intimidação. O senhor tem direito de opinar, mas as circunstâncias, o contexto e a substância dos seus comentários só podem ser entendidos como elementos que fortalecem os líderes terroristas e as forças militares da Colômbia. O senhor afirma ser comunista, mas hoje há muitos tipos de "comunistas: aqueles que roubaram o património público da Rússia e se tornaram grandes oligarcas; aqueles que colaboram com o brutal regime colonial norte-americano no Iraque; aqueles que se esforçaram durante quarenta anos nas fábricas, selvas e campos da Colômbia por uma sociedade sem classes; e aqueles "comunistas" que tem o problema (imperialismo) e temem a solução (revolução popular) e fazem de tudo isto uma questão de preferências pessoais.

As ideias, como o senhor sabe, têm consequências e sobretudo o senhor, José, sabe que as suas palavras são seguidas por milhões dos seus devotos literários. Pense antes de falar de "bandos armados" porque o senhor está a justificar o assassinato de milhares de colombianos que escolheram tomar o caminho mais difícil e perigoso para a emancipação do seu país. No passado recente compartilhamos opiniões e posições, mas daqui em diante tomamos caminhos divergentes. Perdi a minha confiança no senhor. O senhor defraudou as minhas esperanças. Siga o seu caminho e eu sigo o meu.


Tradução retirada de resistir.info: http://resistir.info/petras/carta_a_saramago.html

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