"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 23 de julho de 2007

O vômito de Saramago

Quem, desde qualquer visão, deseje entender o chamado "atual conflito armado colombiano", necessariamente se encontrará com a realidade histórica de nosso país, ou, se o preferem, bater-se-á invariavelmente contra ela. Escreve Pinzón Sánchez.


Vítima do Terrorismo de Estado


[Alberto Pinzón Sánchez/ANNCOL]


Quem, desde qualquer visão, deseje entender o chamado "atual conflito armado colombiano", necessariamente se encontrará com a realidade histórica de nosso país, ou, se o preferem, bater-se-á invariavelmente contra ela. Deverá remontar-se pela corrente tormentosa que cruza o rio Magdalena, por toda a metade de nossa história até seu nascimento, e logo descender com seu fluxo até sua desembocadura, na situação atual: Julho de 2007. Século XXI.


Colômbia é o único país da América Latina que não tem podido escrever sua história adequadamente e apropriar-se dela como povo moderno, isto é, vomitar seus mortos como disse em recente entrevista o escritor Saramago, pois somente se tem escrito sobre ela fragmentos interpretativos dispersos e de segunda mão, a maioria deles tendenciosos, quando não plenos de mentiras e formalidades oficiais (Henao-Arrubla), ou por interessados acadêmicos de fala inglesa ou francesa.


Foi a chamada "história oficial" que dominou, até perto de 1960, quando fez irrupção a contra-escola que se autodenominou "a nova história" e que, apoiando-se no método do Materialismo Histórico, fez importantes aportes e avanços na compreensão da realidade colombiana: (Nieto Arteta, Torres Giraldo, Antonio García, Montaña Cuellar, Jaramillo Uribe, Tirado Mejía, Orlando Melo, Kalmanowitz, Gonzalo Sánchez, Marco Palácios, Tovar, Medina, etc., e outros que, controvertendo o método marxista, também deram grandes aportes como Guillén Martinez, Ospina Vasquez ou Urrutia).


Infelizmente, com o extermínio físico do Marxismo e dos marxistas, empreendido naqueles anos pelo poder do Estado, esse promissório avanço no conhecimento histórico da sociedade colombiana, de repente, viu-se parado: alguns destes autores morreram e os muitos mais aterrorizados foram cooptados, tanto econômica quanto ideologicamente, por aquele "estabelecimento" que anos atrás haviam criticado e, pressurosos maquilaram de qualquer forma suas obras, convertendo a "oligarquia" terra-tenente e financeira pró-ianque, que com tanto detalhe haviam descrito anos antes em uma ambígua "elite" . Assim, puderam ser nomeados embaixadores na OEA (Tirado Mejía), diretores do Banco da República (Kalmanoyvitz), diretor da biblioteca nacional (Melo), reitores da Universidade Nacional (Palácios), chefes de institutos burocráticos (Sánchez), etc. impedindo-se assim, a continuidade da investigação séria e o debate para a consolidação do Corpus Acadêmico conseguido. Isto facilitou a contra-ofensiva ideológica "estrutural-funcionalista pós-modernista", nascida nas metrópoles do Atlântico Norte, que impõe desde as Faculdades privadas de História, sua visão de colcha de retalhos, sem nenhum fio condutor nos análises.


Qual era esse fio condutor que paulatinamente foram ocultando, ou melhor ainda, o núcleo essencial e excepcional de nossa história, que inclusive, o grande historiador marxista inglês Eric Hobsbawm, em alguma de suas obras escritas naqueles anos, havia sugerido e que logo a prática real do conflito tem deixado em evidência?. Simplesmente que na Colômbia, contrário ao estabelecido na Europa, por esse outro grande historiador alemão Von Clausewitz, como exceção universal, a política tem sido a continuidade, por outros meios, de uma guerra ininterrupta, imposta pela classe dominante ao povo trabalhador, desde o ano 1819.


O conflito armado atual tem obrigado, na prática, a fazer compreensível todos esses estudos de caso estrutural funcionalista, surgidos como uma sorte de tinta de calamar, lançados massiva e belamente impressos com o fim de turvar a consciência histórica da sociedade, e apresentar cada "guerra civil" como um fato isolado ou único, sem vinculação com o seguinte ou com o precedente. Hoje tem ficado claro o protuberante fio histórico que une a guerra contra-insurgente que se trava hoje em Colômbia, com a guerra civil que dissolveu a Grande Colômbia sonhada pelo Libertador Bolívar.


A terrível contradição social da guerra contra-insurgente atual tem deixado a descoberto, como desde a dissolução da Grande Colômbia os fazendeiros escravistas e exportadores de ouro, e, em seguida, de café, enfrentaram até 1962 seus bóias frias divididos, em guerras que chamaram 'civis' e que resolviam mediante pactos liberal-conservadores nas alturas, com a finalidade de mudar a Constituição da Colômbia e acomoda-la a seus particulares interesses. Pactos que logo rompiam, para assim, recorrer a uma nova guerra civil que se concluía com outro pacto entre os partidos liberal e conservador e, assim, sucessivamente, em um círculo vicioso infernal de guerra-pacto-guerra, que se terminou denominando conflito armado colombiano.


Vejamos:


  1. Em 1829, se aliaram os generais caucanos e grandes proprietários de escravos José Hilário López, José Maria Obando (ambos do grupo liberal chamado dos exaltados) e o general vice-presidente Domingo Caicedo (do grupo dos liberais moderados), contra o general venezuelano Rafael Urdaneta, fiel aliado ao Libertador Simón Bolívar, com a finalidade de restaurar, por meio de uma guerra civil, ao general Francisco de Paula Santander na presidência, dissolver a Grande Colômbia e estabelecer a Constituição da Nova Granada. Número de mortos: 600.
  2. Logo durante a segunda guerra civil chamada dos Supremos, iniciada em 1839 e concluida em 1842, durante 27 meses o governo liberal moderado de José Ignacio Márquez, aliado com os também generais fazendeiors e escravistas caucanos do partido liberal moderados, Tomas Cipriano Mosquera e Pedro Alcántara Herrán, se enfrentaram ferozmente contra os generais liberais exaltados Francisco Carmona, antigo enemigo de Bolívar na Costa Caribe, Salvador Córdoba, em Antioquia, Manuel González em El Socorro e Vicente Vanegas em Vélez, quem somaram-se ao alçamento feito pelo general Obando, quando havendo sido detido era levado para a cidade de Pasto para ser julgado pelo assassinato do Marechal Antonio, José de Sucre, possível sucessor político do Libertador Bolívar e que fosse assassinado em 5 de abril de 1828 nas montanhas de Berruecos.
    O general Obando sublevou-se em EL Cauca com duzentos bóias frias e escravos seus e declarou-se chefe supremo da guerra do Sul, restaurador e defensor da religião do Crucificado. Uma mediação do ministro plenipotenciário inglês em Colômbia, Robert Stewart, em Ocaña, concluiu com o acordo dos dois grupos para expedir a Constituição de 1843. Os liberais moderados pouco depois chamaram-se conservadores e os exaltados tomaram o nome de liberais. O número de mortos: 3.400
  3. Logo veio a terceira guerra civil em 1851 e que durou 10 meses, na qual o general-fazendeiro caucano José Hilário López, presidente liberal alidando com o general Obando, enfretaram o levantamento conservador armado que comandaram contra ele, o negociante de escravos caucano Julio Arboleda e o fazendeiro de Guasca, Mariano Ospína Rodríguez. A confrontação terminou em setembro de 1851, com um pacto que indultou os chefes conservadores e assentou as bases para a Constituição de 1853. Mortos: 1.000
  4. A quarta guerra civil, que durou 8 meses, iniciou-se em abril de 1854. Cinco grandes fazendeiros-generais liberais moderados, convocados pelo vice-presidente, José de Obando, Tomás Cipriano de Mosquera, José Hilário López, Tomás Herrera, Joaquín Posada Gutiérrez e Joaquín Paris, fizeram uma coalizão com os grandes fazendeiros conservadores Julio Arboleda, os irmos Pastor e Mariano Ospina e Manuel Bricenño, para derrocar o General Melo, quem apoiado pelos artesãs bogotanos, havia-se apoderado da presidência da República, que estava nas mão do general Obando.
    A coalizão de fazendeiros triunfante aceitou trocar o fuzilamento do general Melo pelo seu exílio, estabeleceu as condições da constituição federa granadina de 1858. Número de mortos: 4.000
  5. A quinta guerra civil, que durou 16 meses, a iniciou o governador do Estado federal do Cauca general-fazendeiro e exportador Tomás Cipriano de Mosquera em maio de 1860, representando uma coalizão eleitoral de liberais e conservadores chamado Partido Nacional, até derrotar o governo conservador hegemônico do fazendeiro comerciante de Guasca, Mariano Ospina Rodríguez e assentar as bases da Constituição Radical de 1863. Número de mortos: 6.000.
  6. A sexta guerra civil, que durou 10 meses, a iniciou em 1876 o partido conservador aliado com o liberalismo do caciquismo dos grandes comerciantes e exportadores cartageneros, Rafael Núñez, contra o governo dos liberais radicais. Concluiu com a derrota dos conservadores, e com a perda do predomínio dos radicais dentro do Partido Liberal e do governo. Número de mortos: 9.000.
  7. A sétima guerra civil, que durou 13 meses, a iniciaram em 1885 os caciques liberais radicais de Santander, contra o governo de coalizão liberal-conservador presidido por Rafael Núñez, e concluiu com a derrota dos liberais radicais, o triunfo do governo e a promulgação da Constituição regeneradora de 1886. Número de mortos: 3.000.
  8. A oitava guerra civil, que durou 2 meses, de março a maio de 1895, enfrentou a uma fração do liberalismo contra o governo conservador dos fazendeiros exportadores Miguel Antonio Caro, José María Sanclemente e José Manuel Marroquín, e concluiu com o triunfo das forças do governo, comandadas pelo seringueiro exportador e escravizador de indígenas Rafael Reyes, convertido em general, enfim, do predomínio do conservantismo Nacional do presidente Núñez em mãos de Caro, e na incubação da guerra dos mil dias que se iniciou 4 anos depois. Número de mortos: 2.000.
  9. A nona guerra civil, chamada "dos mil dias", porém, que na realidade durou 1.130, enfrentou aos liberais radicais com o governo conservador dos caciques exportadores de Marroquín, se iniciou em 17 de outubro de 1899, com a tomada da vizinha cidade do Socorro, realizada com os peões de sua fazenda, pelo general-fazendeiro Juan Francisco Gómez Pinzón, pertencente à fração radical do liberalismo. Logo se lhe uniram os demais chefes e caciques liberais do radicalismo em todo o país: Uribe Uribe, Benjamín Herrera, Vargas Santos. O governo reforçou seu exército com os fazendeiros-generais Peña Solano, González Valencia e Próspero Pinzón e a guerra se tornou numa carnificina prolongada que mobilizou, num país de escassos 4 milhões de habitantes, a mais de 500.000 campesinos e aldeãos, e causou a morte de outros 100.000 peões de ambos os partidos. A indefinição militar fez surgir, ao final, a forma de guerra de guerrilhas, como experiência que persistirá largos anos na memória coletiva dos colombianos. A guerra terminou por mediação do governo dos Estados Unidos no buque de guerra Wisconsin, que se achava ancorado na Baía de Panamá, onde se pressionou a firma de um tratado político que incluiu, entre outras cláusulas, as negociações sobre o canal do Panamá.


A 12 de novembro de 1902, firmaram: o general Benjamín Herrera, por parte dos liberais radicais, e o general conservador Nicolás Perdomo, por parte do governo. O resultado final, ademais da traumática e massiva mobilização social, especialmente campesina e aldeã, que se prolongou durante as décadas seguintes, significou a ruína do país, em especial da região comuneira e santandereana, onde se travaram os mais mortíferos combates, a perda da província de Panamá, o ascenso fraudulento à presidência da República do seringueiro exportador, convertido em ditador bipartidarista da União Republicana, Rafael Reyes, e sua reforma constitucional de 1905. Número de mortos: 100.000.


Porém, isso não foi tudo. A provada tática dos pactos de "convivência" entre os dirigentes de um e outro partido se continuou sem modificações até a atualidade, constituindo-se numa verdadeira ideologia para governar: Aliança bipartidarista liberal-conservadora de 1909 para derrocar a Reyes quando já se havia esgotado sua arbitrária política de favoritismo para a industrialização subsidiada aos cafeteiros e exportadores, e para apoiar a presidência do cafeteiro antioquenho Carlos E. Restrepo.


Coalizão pactuada de governo bipartidarista e de convivência, dirigida pelos conservadores moderados entre 1914 e 1930 com a finalidade de continuar sustentando o desenvolvimentismo industrial subvencionado e a expansão agrícola e pecuária, junto à economia dos enclaves norte-americanos nas zonas bananeiras e petroleiras, que caracterizou os governos da chamada hegemonia conservadora de José Vicente Concha, Marco Fidel Suárez, Pedro Nel Ospina e Miguel Abadía Méndez. Massacre das bananeiras. Número de mortos: 3.000 (?)


Concentração Nacional em 1930, esta vez dirigida pelos liberais com apoio minoritário pactuado dos conservadores, para ganhar o governo e sustentar a Enrique Olaya Herrera.


União Nacional de 1946, dirigida por Alberto Lleras Camargo, pactuada com os conservadores, para superar a renuncia do governo liberal-reformista de Alfonso López Pumarejo, controlar o crescente conflito no campo, ewflwtido na Lei Agrária de 1936 e, a agitação operária nos enclaves bananeiro, petroleiro e no transporte pelo rio Magdalena. Massacre de operários em Barrancabermeja. Número de mortos: 20


Em 1946, governo conservador apoiado por um pacto liberal, do cafeteiro antioquenho Mariano Ospina Pérez, com paridade no gabinete ministerial e governadorias estaduais [departamentais] cruzadas. Início da chamada Violência conservadora contra os liberais gaitanistas, socialistas agrários e comunistas.


Em 1948, governo pactuado de maioria conservadora e participação dos liberais, para esmagar a insurreição popular desencadeada a partir do assassinato do dirigente liberal de esquerda Jorge Eliécer Gaitán.


Em 1953, pacto do conservantismo moderado dirigido por Ospina Pérez com os liberais, para destituir o Presidente conservador doutrinário (falangismo) Laureano Gómez e apoiar o general Rojas Pinilla como primeiro mandatário do país. Bombardeios às regiões campesinas do Sumapaz, Villarrica e oriente do Tolima. Campo de concentração em Cunday.


Em 1956, Frente Civil pactuada entre os liberais dirigidos por Alberto Lleras Camargo e a fração doutrinária (falangista) do conservantismo dirigida por Laureano Gómez, com o objetivo de substituir a ditadura do general Rojas Pinilla.


Em 1957, governo bipartidarista das Forças Armadas, pactuado entre liberais e conservadores, para preparar a transição à Frente Nacional.


Em 1958, com o governo de Alberto Lleras Camargo, que termina em 1962, se inicia o pacto da Frente Nacional, prolongado sem interrupções até 1974, o qual se regeu pelo artigo 120 da Constituição Nacional (participação paritária e eqüitativa de membros dos dois partidos em toda a administração pública, alternação presidencial cada quatro anos e escolha do candidato por acordo bipartidarista). E sua mais importante característica é o Pacto entre o poder militar e o civil, para outorgar aos militares os foros e o controle absoluto do chamado assunto da "Ordem Pública", e a subseqüente reestruturação das Forças Armadas como um destacamento contra-insurgente, dirigido e abastecido por planos de guerra estadunidenses que se iniciarão no seguinte governo, Frente Nacionalista, de Leon Valencia.


Em 1962, com a presidência do cacique conservador caucano Guillermo Leon Valencia, conclui a violência liberal-conservadora que deixa 300.000 (trezentos mil) mortos de guerra e ainda não se sabe quantos milhões de deslocados internos. E se inicia a guerra contra-insurgente anticomunista do Estado milimetricamente planejada e dotada pelos governos dos EEUU, a qual se tem continuado sem nenhuma interrupção com o nome do plano de guerra correspondente pelos diferentes governos liberais ou conservadores, que criaram as bases econômicas, políticas e militares para que o Narcotráfico Paramilitar, pacientemente, se apoderasse do Estado colombiano: Lleras Restrepo, López Michelsen, Turbay Ayala, Belisario Betancurt, Virgilio Barco, César Gavíria, Samper Pizano, Pastrana Arango e Uribe Vélez, até hoje, Julho 2007, e que, até o momento, contabiliza cerca de 200.000 (duzentos mil) mortos de guerra e 4 milhões de deslocados internos.


Em 1991, durante o governo de Cesar Gaviria, se amplia o pacto liberal-conservador com um mini pacto de guerrilheiros desmobilizados chamado Aliança Democrática M-19, para expedir a Constituição do 91 atualmente vigente, a que tem permitido a continuação de outro ciclo de pacto bipartidarista ampliado e guerra contra-insurgente, que, hoje em dia, completa 16 anos. Fato final, com o qual re-confirmamos nossa argumentação inicial.


Estes são os mortos que o escritor José Saramago menciona, quando convida o Povo colombiano a vomitá-los para que possa digerir ou, se se prefere, assimilar sua própria história.