«Também iremos à marcha»
Como é possível que este governo, que faz pouco caso das manifestações de rua, ache agora que essa é uma boa forma de pedir o retorno dos prisioneiros de guerra, em vez de realizar o Intercâmbio Humanitário. A Negra Miguelina me disse que hoje irá à marcha mas para “pedir o Intercâmbio Humanitário” e a solução política para o conflito. Escreve Pedro Calvache.
[Pedro Pablo Calvache/ANNCOL]
O governo e a igreja convocaram uma marcha hoje, o objetivo segundo sabemos é “pedir a liberação dos seqüestrados”. A negra Miguelina me disse que irá à marcha mas para “pedir intercâmbio humanitário” e a solução política para o conflito.
Como é possível que este governo, que faz pouco caso das manifestações de rua, ache agora que essa é uma boa forma de pedir o retorno dos prisioneiros de guerra, em vez de realizar o Intercâmbio Humanitário.
A negra tem em mãos o recorte de jornal do professor Gustavo Moncayo, que recorre ao país para sensibilizar sobre o acordo humanitário, “este senhor é um bêbado, disse a negra, sabe que seu filho não tem sobrenomes ancestrais e que ao governo não importa um pepino a sorte dos soldados que defendem o regime, tudo por um salário militar. “Se estes soldados tivessem sobrenomes ilustres como Gaviria, Santos, já teria sido realizado o intercâmbio”. A Negra me lembra da liberação do irmão de Gaviria, como todas as instituições se puseram à serviço de sua liberação, inclusive se esqueceram do Estado de Direito, pois o diretor da polícia, foi no mesmo avião acompanhar os do JEGA em Cuba.
Há situações em que a burguesia colombiana limpa a bunda com o Estado de Direito.
A Negra sabe que este país é governado aos trancos e barrancos e que agora o governo e a igreja se apressam em se mostrar à sociedade civil com uma marcha, “amanhã perceberão que existe a sociedade civil” disse a Negra “agora tiraram a sociedade civil do baú, claro, agora que o governo necessita. “Se amanhã sairmos e gritarmos Uribe paraco, o povo está zangado, então não aparecemos na imprensa e não somos sociedade civil”.
A negra começa a suar, a conheço bem e sei que tem uma raiva velha, não sei o que passa agora por sua cabeça, mas outro dia me perguntava porque os ricos não prestam serviço militar, porque tinham dinheiro e influências para não faze-lo, a respondi. “Não seja pentelha” –me disse nesse momento- “os ricos não prestam serviço militar pois para que tenha pobres suficientes para a guerra”.
A sociedade civil existe, quando é funcional ao governo. Quando não, é baderna, bandoleiros, vândalos, e para esse tipo de sociedade civil o regime tem o ESMAD.
Eu sei que a negra está transtornada com a postura da igreja, sabe que os setores mais retrógrados se opuseram ao despejo de Pradera e Florida, os mesmos setores que fecharam os olhos diante de Ralito, os mesmos que saíram à bem-dizer os paracos, quando estes chegaram com suas luxuosas limosines. São os mesmos que sairão amanhã para pedir a liberação dos prisioneiros, sem lembrar-se dos prisioneiros políticos, ela sabe que irão à marcha amanhã apenas para tirarem fotos. A Negra se afastou da igreja faz tempo, tem muito pedófilo –disse-, e não entende porque são tão retrógrados com esse uso de poder.
A Negra está confirmada para a marcha, me disse que tem feito um cartaz com cartolina, quando a perguntei o que havia escrito, me olhou como dizendo-me “parece que não me conhece”, pois “intercâmbio humanitário já”, eu a pedi que me mostrasse, ela se retirou da cozinha e depois de uns minutos voltou, efetivamente com sua cartolina, havia pegado um cabo de vassoura velho para usá-la como uma bandeira, então me mostrou orgulhosa. Eu a felicito, na verdade estava escrito “intercambio umanitario já” e eu acabei dando uma risada. “Não me enche o saco” –me disse-. Não, não encho –disse para ela-, mas humanitário se escreve com H. Ela me mostra seus grandes dentes brancos e tampa a cara com as mãos. “Olhe camarada, é possível que o povo não saiba que umanitário leva H, mas o que o povo tem claro é que se não há desmilitarização não há intercâmbio humanitário, nem com, nem sem H, viu!.