"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Comentando “La Paz en Colômbia”, de Fidel Castro

por Narciso Isa Conde, Presidente da Coordinadora Continental Bolivariana – CCB

(Parte II) Pró-sovietismo das FARC? Está certo que o Partido Comunista Colombiano (PCC) foi um partido pró-sovietico e que teve muito a ver com a origem e desenvolvimento das FARC. Mas as coisas nunca foram tão simples e muito menos agora.

O PCC foi também um partido imerso em formas de luta não tão afins com a visão soviética, em que o PCUS desses tempos estava impregnado da concepção que exaltava a chamada “via pacifica” ao socialismo.

Além disso, como bem recolhe Fidel do livro de Alape, Marulanda é de origem liberal e no seu processo de transformação em militante comunista soube se diferenciar de certos conceitos e atitudes presentes naquela época no PCC.

Este processo de criação e desenvolvimento das FARC como força militar conducida por comunistas nunca foi um processo livre das tensões que geralmente surgem nesse tipo de relação (partido legal e força insugente penalizada) e no contexto de uma complexa combinação dessas estruturas e formas de luta.

A ruptura finalmente ocorreu em 1993. As FARC separam-se do PC legal e criam primeiro o Partido Comunista Clandestino e a seguir o Movimento Bolivariano como estrutura mais ampla e flexível, também clandestina.

Como PCC legal pode ter havido amarras ao centro soviético. Mas como FARC realmente não. Esta organização político-militar foi formada com muita autonomia em todos os ordenamentos.

Não acredito, portanto, que neste aspecto (posicionamento em relação URSS) possam sustentar-se os relativos distanciamentos político-ideologicos entre os lideres das FARC e os lideres da revolução cubana.

Alem do mais, a revolução cubana e o Partido Comunista de Cuba, além da sua origem herética e sua grande independência inicial, além do peso da cubanidade interna, também foi influenciado pela URSS (inclusive para além da gravitação do velho PSP pró-soviético), ao ponto que seu modelo de transição ao socialismo resultou impregnado em muitos aspectos pelos graus de dependência dessa grande potencia euro-oriental e pelo peso de sua gravitação ideológica.

A “copiadeira”, como o próprio Fidel batizou, não foi pouco coisa, ainda que sempre houvesse tensões e choques entre os/as mais inclinadas para a sovietização e os/as defensoras da originalidade.

Fidel, apesar de seu indiscutível espírito independente e criador, resultou ser um grande arbitro dessas tensões e, portanto, teve que representar expressões combinadas dessas correntes e balancear situações. Nunca se produziu a subordinação total, mas sim muitas concessões e passos condicionados junto a expressões de autodeterminação e até rebeldia.

Isto também se refletiu na política exterior do partido e do Estado, onde se registraram muitas iniciativas soberanas e também atitudes complacentes como foi o apoio à intervenção soviética na Tcheco-Eslováquia e a aceitação, sem reflexão critica, do status quo do sistema soviético afetado por uma crise evidente. A esta altura ainda, o PC de Cuba não fez uma analise institucional que explique a profundidade as causas da derrubada do chamado “socialismo real”.

A escola do pensamento soviético, o marxismo dogmatizado, penetrou profundamente na academia cubana, sobretudo nas ciências sociais, no sistema de educação, no partido, nas forças armadas e em muitas outras instituições cubanas.

Em conseqüência, não se ajustaria à verdade histórica apresentar às FARC como seguidores do PCUS e ao Partido Comunista de Cuba como algo totalmente independente e distinto como foi insinuado.

A evolução das FARC para um marxismo cada vez mais criador, para uma combinação certeira do pensamento socialista revolucionário moderno como o bolivarianismo, é cada vez mais acentuada e essa realidade merece ser valorizada no debate atual. Nas FARC estuda-se Marx, Lênin, Rosa Luxemburgo, Che Guevara, Fidel, Mariátegui, Gramsci, Bolívar, Marti e os pensadores revolucionários destes tempos. Isto coexiste também com um pesado lastro dogmático.

Cuba avançou muitíssimo no inicio enquanto ao pensamento critico, à recuperação do pensamento martiano e sua combinação com o marxismo herético. Mas tem passado por sérios períodos de involução pela gravitação da escola soviética, conservando e desenvolvendo ao mesmo tempo uma grande quantidade de cuadros e dirigentes resistentes ao dogmatismo e defensores de um marxismo criador e de um pensamento critico e inovador.

Persiste a luta histórica que hoje tende a se expressar com renovados brios quando se coloca na ordem do dia a necessidade de mudança de modelo, de uma nova transição revolucionária que supere o burocratismo e o estatismo através de um programa de socialização da propriedade e da gestão pública, e de transformações políticas e sociais para uma democracia mais participativa e mais integral.

Não ingerência

Os limites entre a ingerência e a solidariedade não são fáceis de estabelecer, principalmente no terreno das relações entre forças revolucionarias desiguais e com cenários e processos de luta diferentes. Da mesma forma a relação entre hegmonia, continuísmo, independência e vínculos mutuamente respeitosos.

A experiência vivida indica que as tensões e contradições que essas relações geram resultam ser mais difíceis de resolver harmonicamente quando uma das partes se constitui em força condutora de uma revolução transformada em poder.
Freqüentemente rompe-se o equilíbrio necessário e afloram as tendências à imposição e à dependência.

Mas também ocorrem estas situações nas relações entre Estado e governos aliados e entre Estado e governos dissimilares.

Cuba tem sido muito cuidadosa no trato das relações com outros governos e Estados latinoamericanos com regimes econômicos, sociais e políticos diferentes.

Em “La Paz en Colômbia”, Fidel coloca varias amostras dos cuidados nesse plano e também coloca à mostra atitudes prudentes e respeitosas com outras forças revolucionarias da região.

Isto tem sido assim em termos concretos. Mas nem sempre, nem em todos os períodos, casos e circunstâncias.

Mas os cuadros e funcinários dos departamentos da Seção Internacional do PC de Cuba ou do aparato diplomático cubano nem sempre têm todos os cuidados de Fidel.

No período de predomínio do conceito “foquista” (versão reducionista de sua própria e certeira variante guerrilheira)diversas vezes se implementaram métodos ingerencistas, modalidades de recrutamento, pressões indiretas e diretas que conformaram atitudes hegemonistas que, por sua vez, estimularam possições continuistas que fizeram dano a diferentes processos nacionais. Isto também se manifestou em outras circunstâncias.

A tolerância diante da diversidade revolucionaria nem sempre tem acompanhado a política cubana, menos ainda quando se tem expressado criticas ou diferenças significativas em relação ao model vigente em Cuba e os modelos de transição socialistas. Refiro-me a criticas ou divergências desde claras posições de esquerda, revolucionária, socialistas e comunistas.

Os protagonistas das revoluções vitoriosas tendem a ver os demais processos através de suas próprias lentes e experiências e tendem a responder ao assédio imperialista e à hostilidade de outros Estados com essa visão enfiesada, empenhando-se na expansão dessa experiência em forma um tanto mecânica.

Esses fatores alteraram-se em Cuba para fortalecer tendências a instrumentalizar outros movimentos revolucionários em função do interesse e de essa visão.

Posteriormente, a contaminação dogmática teve presença significativa em muitas instâncias do partido e do Estado Cubano, gerando diversos graus de tolerância e a conseqüente penalização da não-coincidência.

Dirigentes, cuadros, militantes e organizações revolucionárias, históricas e firmemente solidárias com a revolução cubana (como os/as que mais), mas não incondicionais e sim com capacidade e valor critico, têm sido progressivamente marginalizados/as, excluídos/as de determinados cenários e inclusive desqualificados com opiniões não verídicas e estigmatizações injustas....pelo fato de propor uma visão diferente sobre a construção do socialismo, as relações partido-estado, o tipo de democracia, os processos de burocratização e dogmatização, e as políticas implementadas em um outra vertente.
Digo-o por experiência própria e também alheia.
A direção revolucionária cubana tem muitos méritos, virtudes e acertos. Mas na realidade não é certo considerá-la infalível ou dar 100 em todas as matérias.

Nas relações de amizade, cooperação e solidariedade têm-se cometido erros significativos que não se deveriam deixar de lado na hora de avaliar.

Não faltam excessivas preferências das relações de Estado e de governo sobre – e àsvezes em detrimento – de relações solidárias com as forças revolucionárias dos países com os quais Cuba mantém vínculos oficiais e de outra índole de Governo a Governo.

A prioridade política desde a ótica revolucionária, freqüentemente se inverte, principalmente se as organizações revolucionárias confrontam-se com esses governos.

A tendência a valorizar os demais governos e partidos pela atitude que tem diante de Cuba predomina, muitas vezes, sobre suas características políticas e ideológicas negativas e sobre suas nefastas práticas de governo para com seus países.

Isto quase sempre desencadeia de fato pressões e distanciamentos notávies entre atores revolucionários de ambos países e, geralmente do mais forte para o mais fraco, que tende a perder comedimento e delicadeza. Também isto tem acontecido na política e instituições de Cuba encarregadas das relações internacionais.

Creio que, em diferentes graus, segundo os temas e períodos, muitas destas reações e posicionamentos deram lugar a inconseqüências, enfoques e posturar não acertadas em relação às FARC e ao processo colombiano.

Guerras curtas e guerras prolongadas

É verdade que as circunstâncias da guerra revolucionária em Cuba foram muito diferentes à da Colômbia. E por isso mesmo não acredito que seja um dos fatores que motivam as contradições reais entre a direção cubana e as FARC, a diferença de critério sobre a duração da guerra popular, como acredito também que nenhum líder revolucionário deseja prolongar a insurgência armada so por prolongá-la. Os tempos variam por que as condições são distintas.

No caso das FARC, como do ELN, não se trata de uma determinação caprichosa, de um critério pré-determinado à margem e às condições e circunstâncias em que se desenvolvem suas lutas, de um interesse de permanecer em armas nas montanhas mais tempo do que o necessário. É um dado da realidade, uma situação imposta por circunstâncias específicas.

A disposição, o preparo mental e logístico para combater por um longo período geralmente se deriva da análise da correlação de forças, da natureza do regime opressor, da magnitude da guerra desatada desde o poder e do apoio externo que a oligarquia e a partidocracia dominante possam receber.

Enfrentar militarmente o regime de Batista ou de Somoza não era o mesmo que dar inicio à luta armada a partir da guerra suja desatada pela oligarquia conservadora colombiana e posteriormente reforçada.

Não é o mesmo a insurgência armada antes ou depois da vitória cubana, nem depois da intervenção na República Dominicana.

Posteriormente, o inimigo desenvolveu o conceito e as técnicas de contra-insurgência a níveis incríveis, desenhou as guerras de baixa e media intensidade e o imperialimo norteamericano decidiu potenciar várias formas de intervenção militar e renovadas gerações de armamentos.

A Colômbia se encontra numa das piores situações para resistir.

Por isso pode-se estar de acordo com o tipo de insurgência cubana em sua situação específica e também com as características da guerra popular na Colômbia, uma com desenlace vitorioso de curto prazo e outra de longuíssima duração e ainda dependendo de uma decisão final. Não creio que haja de contrapor estes processos e derivar contradições donde realmente não as há.

A esse tipo de luta, como a qualquer outro, não se lhe pode pôr prazo, ainda que seja natural preferir o desenlace triunfal a curto prazo. Definitivamente isto não depende da vontade e do desejo de seus protagonistas e condutores. Tampouco o determina uma concepção específica desligada da realidade.

A cadeira vazia

Deixar a cadeira do comandante Manuel Marulanda vazia no ato de inauguração dos diálogos de El Caguán não foi necessariamente um erro, nem revela desprezo pelo diálogo e a negociação.

Assim como Fidel, creio que Marulanda foi um dirigente de grande honestidade, sagacidade política, inteligência e genialidade militar. Portanto, não precisava mentir para explicar sua ausência nessa cerimônia, muito menos atuar sem jeito para dar vantagens ou criar situações aproveitáveis pelo Presidente Pastrana.

Se, nessa ocasião falou de conspiração para matar a ele e Pastrana, foi porque tinha informações fundamentadas.

Fui convidado e cheguei atrasado a essa atividade porque houve atraso com os vistos. José Arbesú já tinha ido, mas estive com o comandante do FMLN, Leonel González, com o Secretário Geral do PC Argentino, Patrício Echegaray, com a dirigente comunista uruguaia, Maria Arismendy, com Raúl Reyes, Jorge Briceño, Joaquín Gómez e Manuel Marulanda, com outros dirigentes comunistas da América Latina e Caribe e com muitos outros comandantes e combatientes farianos.

Ali passamos vários dias e então foi quando mantive um longo intercâmbio com o camarada Manuel Marulanda, sobre o qual tenho escrito em varias oportunidades.

Recordo que fomos informados da razão pela qual o camarada Manuel não assistiu ao ato. Falou-se do possível atentado e analisaram o tema de sua presença lá ser ou não conveniente já que, devido à fragilidade dos diálogos, deveria-se ponderar muito bem se convinha ou não criar ilusões neles.

A presença do comandante em chefe das FARC poderia criar expectativas acima das possibilidades reais e favorecer certa tergiversação. Entretanto, sempre nós informaram que as noticias de última hora sobre o atentado foram determinantes nessa decisão de não assistir.

Tratou-se de fatos e razões políticas de relevante importância, não de indisposição caprichosa e pré-determinação negativa à negociação. Como prova disto o camarada Manuel, mais adiante, entrevistou-se várias vezes com o presidente Andrés Pastrana.

Os informes para Fidel

Não vou aqui analisar até onde as informações recebidas por Fidel dos seus enviados ou delegados, refletem fielmente, ou não, os conteúdos das conversações destes com os comandantes das FARC.

Também não vou entrar no tema de até onde a mensagem escrita pelo camarada Marcos Calarca, das FARC, reflete exatamente o comunicado dado pelo comandante Marulanda e se trata, ou não, de uma versão quase via cabo.

Quem tem que fazer isso são os candidatos farianos que participaram nas conversações e que conheceram em detalhe o pensamento do camarada Manuel Marulanda sobre o tema em questão.

Lamentavelmente, o líder das FARC está impossibilitado de ver e avaliar o que foi informado a Fidel e o dito por Fidel.

De se ter em conta que com os informes desse tipo, que não são transcrições de gravações, nem versões taquigráficas traduzidas, que por ser resumidos acabam, quase sempre, ficando esquemáticos e/ou incompletos.

Além disso, aquele que escreve sempre coloca sua subjetividade, sua percepção, não necessariamente exata ou fiel ao que se diz ou quis dizer. É comum que passe algo dos seus valores e até dos seus preconceitos.

Comigo tem acontecido diversas vezes e agora me vem na memoria como foi deformada pelos camaradas cubanos uma intervenção que fiz num seminário do PT do México, num debate sobre as experiências socialistas cubana, chinesa, vietnamita e coreana.

O documento sobre o que lá falei chegou à alta direção cubana, especificamente a José Ramón Balaguer, que era o responsável ideológico e de ralações internacionais do PCC, totalmente distorcida e isso contribuiu com o esfriamento de nossas relações.

Não digo que tenha sido assim no caso do intercâmbio colombo-cubano, muito menos com essas características e com essa dimensão, mas quando se usam essas formas de comunicação a possibilidade de inexatidão e de deformação existem e somente os protagonistas diretos desses diálogos podem fazer as correções e observações necessárias.

Desejo de negociação e possibilidade de acordos

Sinceramente penso que nos diálogos de El Caguán não se enfrentaram um Pastrana (ou o governo colombiano) com vontade de negociar e chegar a acordos e um Marulanda (Secretariado das FARC) cético, desconfiado, desinteressado e se negando a chegar a acordos possíveis.

Posso estar errado – não seria a primeira vez – mas essa avaliação das partes é a impressão que me deixaram os testemunhos e avaliações tanto dos companheiros cubanos que participaram das conversações com ambas as partes como o próprio companheiro Fidel. Percebi em seus escritos que achavam que o presidente colombiano estava com melhor disposição para os diálogos do que a comandância fariana e o próprio Marulanda.

Acredito como já disse antes, que realmente não foi assim.

Entendo que, intimamente, ambas as partes sabiam que era praticamente impossível que esses diálogos dessem frutos concretos para a superação do conflito armado; isto é, que concluíssem com um desenlace exitoso para cada parte e num acordo benéfico para o país.

No fundo de suas almas – e não estavam errados – sabiam que qualquer acordo implicava em grandes vantagens para uma das partes, devido à essência narco-paramilitar-terrorista do Estado colombiano, as características da oligarquia e da direita colombiana, e aos níveis da intervenção militar estadounidense nesse país incluídos os planos militares do Pentágono relacionados com a conquista da Amazônia.

Ambos sabiam disso, mas a ambos convinha politicamente abrir esses diálogos e mostrar-se a favor da ansiada paz.

Nos diálogos de El Caguán houve, de ambas as partes, muito embate de jogadas políticas dirigidas a ganhar tempo e espaço político. Mas ambas estavam convencidas de que razões estruturais relacionadas com a natureza do poder e da dominação na Colômbia impediam produzir acordos mutuamente vantajosos e significativos, inclusive um acordo “suis gênesis”, que, ao que parece, era uma das convicções e das sugestões de Fidel. Ao final de contas Pastrana não podia botar de lado o poder real em que estava sustentada sua presidência.

E digo que parece porque, ainda que disso fale-se no livro, nele não se incluiu o texto integral da mensagem enviada por Fidel, através de Arvesú, sobre esse e outros aspectos. Outros informes e mensagens foram incluídos textualmente, mas desse só aparecem alussões parciais do seu conteúdo.

O artigo encontra-se em ABP Notícias.