"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Comentando “A Paz na Colômbia”, de Fidel


por Narciso Isa Conde – Presidente da Coordenação Continental Bolivariana, CCB.

(Parte I) Acredito ser muito importante o comandante Fidel Castro tenha publicado seu recente livro “A Paz na Colômbia”, revelador não só de valiosas informações sobre as relações cubano-colombianas de diferentes índoles e sobre esse e outros processos, mas, principalmente de aspectos muito singulares e importantes das suas convicções, concepções e iniciativas como estadista e líder político de destaque da nossa América e do mundo.

As informações, idéias e valores existentes neste texto possibilitam desenvolver com maior profundidade o debate sobre a história recente das lutas na Colômbia e a sua importância para o continente, sobre as razões de ser da insurgência revolucionária nesse país e seus vínculos com Cuba e nossa América, acerca das posições do Partido Comunista de Cuba a respeito de determinados governos, Estados e movimentos revolucionários da Colômbia e do continente, sobre as ponderações do próprio Fidel a respeito do papel do comandante Manuel Marulanda e as FARC-EP, e em torno dos transcendentais problemas da solidariedade revolucionária, as relações intergovernamentais, a independência e/ou dependência das organizações revolucionárias em relação aos Estados e sobre as tendências hegemônicas no contexto da cooperação e a solidariedade.

O conteúdo deste livro transcende o tema colombiano para incursionar e provocar sérias reflexões a propósito das relações e razões de Estados e de governos, sobre os vínculos entre forças revolucionárias, a política diplomática e suas contradições a respeito da revolução além das próprias fronteiras, isto é, como processo continental e mundial.

Com pano de fundo traz temas como o da fusão e/ou separação dos papeis do Estado, governo, partidos revolucionários e os movimentos sociais, como o impacto das experiências revolucionarias particulares sobre os seus protagonistas e a presença de certas tendências ao ver outros processos através do condicionado foco nacional, como o dos vínculos entre hegemonia e continuísmo, entre independência e solidariedade, entre o impacto e as tensões de uma visão cubano-centrista e o necessário reconhecimento em profundidade da diversidade de vias, métodos e alternativas revolucionarias.

Esta transcendência do estritamente colombo - cubano é que me motivou a escrever estas linhas, não sem deixar de reconhecer que também senti a obrigação de dar a conhecer, em relação com as informações e apreciações expostas por Fidel, minhas vivencias e comentários políticos sobre posições e atitudes sustentadas pelas FARC-EP, ELN, o governo de Andrés Pastrana e outros temas de interesse, incluídos alguns relacionados com o regime de Uribe, a atualidade colombiana e continental.

O último parece-me necessário justamente pela posição que historicamente – e no presente – tenho assumido não somente a respeito do Estado narco-paramilitar-terrorista da Colômbia e aos seus diferentes governos, mas também em torno da solidariedade
Incomovível com as forças insurgentes e com toda a esquerda colombiana, assim como o meu apreço e defesa da revolução cubana como pioneira da segunda independência, impactante manifestação da heresia revolucionaria, expressão elevada do novo antiimperialismo, valioso e inconcluso processo de orientação socialista.


Os livros de Alape e o testemunho de Jacobo Arenas

Parabénizo Fidel do fundo do coração que incluiu de forma tão relevante na sua recente obra amplos parágrafos dos valiosos livros, relativamente pouco conhecidos, “Cuadernos de Campaña” e “Tiro Fijo: los sueños y las montañas”, de Arturo Alape e o “Diário de la Resistencia de Marquetalia”, do comandante Jacobo Arenas, que elevam, desde a sua imensa humanidade, o grande talento político e militar, as firmes convicções revolucionarias e a militância comunista exemplar de nosso inesquecível Manuel Marulanda Vélez.

Sentia-se falta que uma voz tão autorizada e influente em Cuba, na América e no mundo, de tanto valor ético e impacto político, recuperaram para todo o movimento revolucionário mundial e difundisse desde tão alta e lida tribuna esses belos e substanciais textos sobre a vida e as lutas de um dos mais destacados e formidáveis comandantes guerrilheiros que, sem duvida, fez história e se converteu em lenda desde a sua condição de combatente e condutor, durante 60 anos ininterruptos, de uma das mais longa e heróica rebeldia pela causa da liberdade, do socialismo e da emancipação do povo colombiano e de todos os povos do mundo.

Sentia-se muita falta, principalmente porque, desde faz muitos anos a figura de Manuel Marulanda e a organização que liderou, tem sido submetida a mais perversa e mentirosa campanha de descrédito que movimento revolucionário algum tenha sofrido.

Os estigmas da fatura imperialista, qualificando a Marulanda e às FARC de “terroristas”, “narco-terroristas”, “bandidos”..., repetidos à exaustão por poderosos meios, calaram tão fundo e fizeram tanto dano que terminaram contaminando amplos setores políticos, incluindo uma considerável parte das esquerdas e forças progressistas do continente.

As debilidades da posição cubana diante do processo colombiano e a questionável atitude de parte da esquerda do continente.

Entendo que a direção cubana não fez o jogo dessas maledicências públicas, mas não foi suficientemente consistente, firme e enérgica em ajudar a desmenti-las categoricamente como agora o fez Fidel.

Ainda mais, aprecio que as boas relações do governo de Cuba com o da Colômbia – descritas em alguns de seus aspectos e situações pelo próprio Fidel, reforçadas e continuadas até o presente mediante determinados acordos de cooperação e vínculos políticos – deram lugar a longos silêncios e débeis reações desde a parte cubana, tanto diante dessa campanha caluniosa como em relação à natureza mafiosa do Estado colombiano e os mal feitos de seus governos. Isto se acentuou durante os recentes períodos de Uribe Vélez, o mais pérfido, narco-paramilitar e terrorista de todos os governos recentes.

Por um longo tempo de governo, a liderança do partido e as organizações sociais de Cuba diminuíram sua beligerância política diante do sistema dominante na Colômbia, apesar do seu acentuado caráter oligárquico, pro - imperialista e repressivo; apesar dos altíssimos graus de corrupção de suas instituições civis e militares e de sua transformação numa espécie de narco-estado administrados por verdadeiros narco-governos... apesar do seu altíssimo grau de criminalidade.

O Plano Colômbia - Iniciativa, o Plano Patriota, as novas e recentes modalidades da “guerra suja” iniciada em 1948 e a crescente intervenção norte-americana neste país propiciada pelos presidentes Andrés Pastrana e Álvaro Uribe, passaram a ser temas marginais quando não quase invisíveis na agenda cubana.

Da mesma forma minguou progressivamente a linha solidária cubana com o movimento insurgente, apesar de ser um dos mais legítimos e fortes do continente, enquanto cresceu a política de cooperação econômica, a distensão bilateral entre os governos e os acordos bilaterais entre Estados; o que se transladou à conduta da força política dirigente e todas as esferas organizadas da sociedade civil cubana.

Em boa medida desde o PC de Cuba, desde as organizações populares e as instancias de solidariedade da sociedade cubana, não se expressavam nem se expressam pronunciamentos e ações de apoio militante à insurgência e à oposição de esquerda e progressista para além do apoio aos diálogos, às tentativas de solução negociada ao conflito armado, aos acordos humanitários e às iniciativas de paz.

Inclusive não faltaram declarações do Chanceler cubano do momento e do próprio Fidel considerando não pertinente a luta armada na Colômbia, afetando dessa forma a posição de organizações político-militares e sua razão de ser.

O tom de beligerância só subia ocasionalmente quando o governo colombiano da vez exibia atitudes de hostilidade contra o governo e à revolução de Cuba. Esse foi mais precisamente o caso do governo de Turbay Ayala, que deu lugar a uma enérgica e combativa declaração da Chancelaria cubana, incluída no livro de Fidel que estamos comentado.

Enquanto ao posicionamento político, um significativo silêncio oficial e partidarista cubano acompanhou o período posterior ao bombardeio criminoso do regime de Uribe contra o acampamento de Raúl Reyes. Além disso, nem ao comandante Reyes nem a Manuel Marulanda se fizeram as merecidas homenagens, salvo as opiniões vertidas por Fidel nas suas “Reflexões”. Tampouco se sentiu a reação esperada contra o governo de Álvaro Uribe, que em estreita aliança com os falcões norte-americanos e o tenebroso regime israelense, perpetrou essa e outras ações desprezíveis.

Tomara que as ponderações feitas por Fidel no seu novo livro ajudem a recuperar a linha de solidariedade do Partido Comunista de Cuba, das organizações sociais e das instancias de solidariedade cubana para com as forças alternativas colombianas, insurgentes e não insurgentes.

Por outro lado – e com motivos e causas distintas das do PC de Cuba – as atitudes de uma parte importante da esquerda latino-caribenha fora do poder em relação ao tema colombiano, declinaram aceleradamente na mesma magnitude que a sua evidente guinada para a direita; registrando-se posicionamentos realmente oportunistas e até pusilânimes em relação à insurgência colombiana e especialmente diante das FARC.

A chantagem da direita colombiana e da administração Bush, o impacto da feroz campanha midiática, unida ao evidente debilitamento ideológico dessas forças (a sua escorregada para posições moderadas e pro-sistémicas), as levou a renegar totalmente a luta armada e a se distanciar dos movimentos político-militares e de tudo que cheira a pólvora ou expressara certa radicalidade.

Entre os que tomaram esse rumo houve os que se esforçaram em excluir as FARC dos espaços de coordenação onde participavam.

Relembro como a alta direção do PT brasileiro, setores hegemônicos na Frente Ampla do Uruguai e a alta direção do PRD mexicano, entre outras organizações, empenharam-se em excluir as FARC do Foro de São Paulo, valendo-se da existência de uma espécie de direito a veto no seio do seu Grupo de Trabalho ou equipe de coordenação.

Na realidade, as posições do Partido Comunista de Cuba nunca chegaram a ser expressas até esse penoso nível de inconsistência. É que as causas das debilidades da posição cubana diante do processo colombiano são realmente distintas das que produziram essa lamentável atitude dessa parte moderada das esquerdas fora do poder.

Nestas últimas predominou uma linha intensamente reformista, uma acentuada renuncia ao projeto revolucionário, uma espécie de acomodamento institucional e sistêmico, uma profunda crise de identidade, uma marcada tendência social-democrata e à social sem-vergonhisse e inclusive a não transbordar os limites de um neoliberalismo “light”. Acreditaram na estória do “fim da história” e ficaram permeáveis à ideologia dominante.

O caso cubano é outro.

Em Cuba há um problema estrutural que, sem duvida limita, amarra e impede o necessário desdobramento entre a política de Estado e de governo e a política do partido revolucionário e as organizações sociais, entre a coexistência e cooperação com Estados ao serviço da grande burguesia dependente e o necessário internacionalismo revolucionário.

Refiro-me à fusão do partido com o Estado e o governo, à superposição de funções; e ao controle do Estado e o partido sobre todo o sistema de organizações sociais, meios de comunicação e espaços de relações e solidariedade internacional.

Os cargos de direção do governo desde o mais alto ao mais baixo nível, confundem-se com os cargos no partido.

O órgão do partido é o órgão da política oficial.

A política exterior do governo é em alto grau a política exterior do partido.

A razão do Estado pesa sobre tudo, arrasta e impõe condicionamentos onerosos.

As fronteiras entre o diplomático e o político-revolucionário não estão devidamente delimitadas.

Isto tem a ver com o modelo estatizante vigente, que tende a gravitar negativamente com força e cada vez mais e que, com o passar dos anos, gera burocratização, dogmatização e rigidez o que leva a uniformizar a política exterior do governo e do partido.

Fidel, que provavelmente foi um dos lideres que mais se esforçou para combinar o seu papel de estadista com a sua vocação revolucionária e que de qualquer maneira não está isento dos condicionamentos assinalados. Ele mesmo confessa quando escreve:

“Enquanto ao fornecimento de armas aos revolucionários, nos limitávamos ao caráter beligerante ou não dos governos dos paises irmãos em relação a Cuba”. (La Paz Colombiana, pág.126).

Quer dizer que o determinante é a atitude dos governos em relação ao Estado cubano, independendo da natureza desses governos, do seu caráter opressor, da repressão e da exploração que exerciam contra seus próprios povos, da sua degradação política e moral.

E isto realmente não se limita ao fornecimento de armas, mas a muitas vertentes de solidariedade com os movimentos revolucionários desses países. Prima o nível de tolerância de suas ações pelos governos da vez em seus respectivos países e o nível de tolerância desses governos ao tipo de solidariedade externa, o que reduz sensivelmente o perfil do apoio político cubano.

É verdade que para Cuba o problema tem-se tornado mais difícil e complexo pela necessidade que teve – e tem – de romper o criminoso isolamento e o bloqueio imposto pelos EEUU.

Mas, novamente temos que fazer referência ao fato de que o modelo estatizante e a situação estrutural e institucional assinalada, diminuem a flexibilidade dos órgãos dirigentes para poder combinar ambas as linhas de trabalho e necessidades políticas desde instâncias diferenciadas.

Além do mais, em casos como o colombiano, convertido seu Estado e governo em crias perversas, é válido e necessário, sem derrubar linhas de relações interestatais com outros países, contribuir ativamente ao seu isolamento e derrota, ao triunfo do cambio revolucionário e/ou progressista.

Não são necessários outros exemplos, em relação a outros países e situações, onde se tem incorrido em falhas significativas parecidas em quanto à necessária solidariedade.

Destaca-se também a forma constante de contraste – e todas as informações oferecidas por Fidel em relação ao processo centro-americano no final dos anos 70 e 80 confirmam este acerto – o extraordinariamente positivo da aplicação desses casos de políticas certeiras carregadas de dignidade e solidariedade revolucionaria.

Outra questão que tem gravitado muito na concepção de Fidel sobre o processo revolucionário continental e mundial, é o que ao meu entender é uma supervalorização – possivelmente influenciada pelo drama que representou para Cuba – do impacto negativo da derrubada do chamado socialismo real e da desintegração da URSS.

Parece como se depois disso o recolhimento da linha de subversão revolucionaria deveria ser obrigatório e de longuíssima duração, e como se qualquer insurgência que se propusera mudar a essência do sistema estaria impedida de fazê-lo pelo enorme peso da “uni polaridade militar” a favor do imperialismo norte-americano. Daí a frase “outra Cuba não é possível”, junto a algo que se assemelha a uma visão marcadamente possibilista.

E penso que isso não é assim, apesar de todas as adversidades criadas por esse cataclismo político. Vejamos:

- As FARC e o ELN puderam crescer muitíssimo depois desses acontecimentos.

- Hugo Chávez e os militares bolivarianos da Venezuela levantaram-se em armas e produziram um cambio formidável na correlação de forças.

- O EZLN irrompeu com uma insurreição muito original, para criar uma nova situação no México, necessitando ainda de um desenlace maior.

- A insurgência social indígena sem armas de fogo converteu-se num fator transformador, num grande acumulo subversivo.

- O povo se tem lançado a derrubar presidentes na véspera das eleições, criando situações novíssimas que possibilitam substituir instituições decadentes e criar nova institucionalidade.

- Muitas vezes o armamento para vencer a repressão e avançar tem falhado.

- As mudanças progressistas por eleições não tem estado à margem de tudo isto. Melhor dizendo, são conseqüência dessas lutas extra-institucionais que, por carecer de acumulação militar, impõem-lhe certos limites que o impedem produzir mudanças mais radicais.

A onda é ampla, têm estigma continental e quanto mais potente e mais integral seja o acumulo de forças pela mudança, mais profundos e extensos podem ser seus resultados. Tudo isto tem mais sentido e maiores possibilidades em meio de uma grande crise que estremece a ordem capitalista mundial.

Em tais condições, onde há construção significativa de forças militares alternativas, não me parece correto pactuar para ficar à margem do poder, aceitando a hegemonia da direita e das classes dominante-governantes como novo consenso e modalidades.

O artigo (em espanhol) encontra-se em ABP Notícias.